Acórdão nº 60/10.6TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução24 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 60/10.6TBMTS.P1 Matosinhos Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório.

  1. B…, Ldª, com sede na …, nº ….., …, em Matosinhos, instaurou contra C…, S.A., com sede na …, nº .., em Lisboa, ação declarativa com processo ordinário.

    Alegou, em síntese que: A D…, S.A., da qual a autora é acionista, em 3/3/1994, celebrou com a C…, um contrato de abertura de crédito em conta corrente, no montante de 350.000.000$00.

    No decurso de alterações ao referido contrato, foi subscrita uma livrança, avalizada pela autora, onde apenas constava a data de emissão de 11/3/1994, o nome da subscritora D…, o nome da autora e dos demais avalistas E…, S.A. e F…, Ldª, também acionistas da D…, reservando a C…, nos termos da cláusula 4ª, da 3ª alteração ao contrato, o direito de preencher a livrança “quando se mostrar necessário, a juízo da C…”, mas a al. a) da referida cláusula 4ª, esclarece que “a data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento”.

    Pelo menos desde 2004, a situação de incumprimento da D… é grave, não tendo a C… qualquer possibilidade de receber o seu crédito.

    A C…, mesmo sem ter preenchido a livrança, considerou a importância da livrança vencida e em cobrança à autora, facto que teve consequências nefastas para a autora que viu o seu crédito cortado e passou a pagar “spreads” mais elevados pelas obrigações em curso.

    De qualquer forma, pelo menos desde 17/12/2003, a livrança está a pagamento pelo avalista E… que, tanto quanto a autora sabe, se prontificou a pagar.

    Assim, a data de vencimento da livrança ocorreu em 2003, data em que se verificou total incumprimento do contrato de crédito pela D… e em que a C… exigiu o cumprimento da avalista E…, simples devedor cambiário.

    A livrança em branco é prescritível no prazo referido no artº 70º da LULL e a data do seu vencimento resulta da conjugação do contrato de preenchimento com o título cambiário.

    Face ao acordo de preenchimento a livrança devia ser preenchida em 2003, data do incumprimento definitivo do contrato de crédito pela D… e como há bem pouco tempo se manifestava por preencher, não pode agora ser preenchida, porque prescreveu.

    Conclui pedindo que se declare prescrita a livrança e, em consequência, extinta a obrigação da autora como avalista.

    Contestou a C… aceitando a qualidade de avalista da autora na livrança subscrita pela D…, que lhe foi entregue em caução do crédito concedido a esta, por contrato celebrado em 11/3/1994, contrato este que deixou de ser pontualmente cumprido pela mutuária em 31/10/2014.

    Ainda assim, a autora e os restantes avalistas autorizaram a ré a preencher a livrança, quando tal se mostre necessário a juízo da própria C…, tendo em conta nomeadamente que “a data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito”.

    Deste acordo não resulta que a portadora da livrança tenha um prazo para a preencher ou que na mesma tenha que ser inserida uma determinada data de vencimento.

    O “quanto” e o “quando” da dívida, o montante da livrança e a sua data de vencimento são dois elementos essenciais do título que têm de ficar em branco quando, como é o caso, se destinam a caucionar um contrato de abertura de crédito, sob pena do título perder toda a sua utilidade, enquanto instrumento de titulação dos créditos emergentes dos ditos contratos, ficando os avalistas, subscritores da livrança em branco, sujeitos ao direito potestativo do portador preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento.

    Enquanto a livrança não for preenchida, e nela inserida a data de vencimento, não se inicia qualquer prazo de prescrição.

    De qualquer forma, a autora promoveu e subscreveu os acordos dos co-avalistas com a ré para negociar o incumprimento da D… e ao invocar agora que tais negociações fizeram prescrever a sua obrigação age com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprio.

    E caso a autora, como diz, conhecesse desde 2003 a “iminente” situação de insolvência da subscritora da livrança, ainda não decretada, tanto quanto é do conhecimento da ré, poderia ter pago a divida e exercer o seu direito de regresso contra a D… reduzindo assim os riscos de não obter, por esta via, o pagamento, como agora alega.

    Concluiu pela improcedência da ação.

    A autora replicou, por forma a afastar a defesa da ré, na parte em que a qualificou por exceção e requereu a ampliação do pedido, neste incluindo para além da declaração de prescrição da livrança, o seguinte: “ser declarada nula como titulo cambiário, por o seu preenchimento já não ser possível e, em consequência e em qualquer caso extinta a obrigação da Autora, como avalista”.

    A ré triplicou opondo-se à requerida ampliação do pedido - não obstante o considerar mera decorrência do pedido inicial formulado pela autora - porque extravasaria o âmbito da presente ação, uma vez que existem outros responsáveis pelo pagamento da livrança que não são partes nos autos e por se haver tornado inútil a ampliação com o preenchimento, entretanto ocorrido, da livrança facto que é do conhecimento da autora.

  2. Foi admitida a ampliação do pedido, proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância e condensado o processo com factos provados e base instrutória.

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, sem reclamações, foi exarado despacho que respondeu à matéria de facto, por escrito, as partes alegaram de direito e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, julgo a acção procedente e, em consequência, declaro que se encontra prescrita relativamente à Autora a acção cambiária da livrança identificada na petição como documento nº 6, emitida à ordem da Ré em 94/03/04, subscrita pela D…, S.A., e avalizada, entre outros, pela Autora.” 3. O recurso.

    É desta sentença que a ré interpõe recurso, exarando as seguintes conclusões que se transcrevem: «1. O pacto de preenchimento estipula que: "Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente, a mutuária e as 2ªs contratantes entregam à C… uma livrança em branco subscrita pela primeira e avalizado pelas segundas e autorizam desde já a C… a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…, tendo em conta nomeadamente o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento pelo mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito (…)".

  3. As partes interpretaram corretamente o sentido de tal cláusula, conforme decidido na sentença recorrida, ou seja, que "desde que houvesse incumprimento da obrigação subjacente, a Ré poderia preencher a livrança quando assim entendesse".

  4. O incumprimento funcionava, no caso, como condição suspensiva para o preenchimento da livrança, pelo que ocorrendo este, o termo inicial para o preenchimento iniciava-se "quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…".

  5. Atento o estipulado pelas partes no contrato em causa, não se vislumbra de que forma foi alterado ou dificultado o decurso dos prazos legais de prescrição.

  6. De facto, ambas as situações se encontram previstas no art. 306.º, a que sentença faz referência, mas no n.º2, que não foi atendido na mesma.

  7. A conclusão da sentença assenta, desde logo, numa incorreta natureza do pacto de preenchimento.

  8. A sentença menospreza, em absoluto, a natureza abstrata do título de crédito, considerando que o seu cumprimento, e, em decorrência, o prazo de prescrição de obrigação cambiaria, se encontra ligada à relação subjacente, mesmo que esta seja o pacto de preenchimento.

  9. O art. 10.º da LULL permite aferir tão-só o preenchimento em face do acordo de preenchimento, para determinar a sua observância ou não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT