Acórdão nº 139121/13.6YIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelRODRIGUES PIRES
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 139121/13.6 YIPRT.P1 Porto – Inst. Local – Secção Cível – J1 Apelação Recorrente: B… Recorrido: C…, SA Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO O autor B…, residente na …, n.º .., ..º andar, ….-… Lisboa, intentou contra o réu C…, S.A., com sede na …, .. - ….-… Porto, acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe, a título de capital, a quantia de 9.972,97€ acrescida de juros de mora no montante de 242,60€ e ainda de juros vincendos até integral pagamento.

Fundamenta o seu pedido no facto de terem sido furtados diversos cartões de crédito, uns em seu nome e outros em nome da sua esposa, situação que comunicou ao réu em 7.1.2013, tendo ainda solicitado expressamente o seu cancelamento.

Porém, apesar dessa comunicação foram levantadas da conta do autor, posteriormente a 7.1.2013, várias quantias que totalizam a importância de 9.972,97€, que o réu se recusa a reembolsar.

O réu C…, SA deduziu oposição a esta pretensão, na qual invocou erro na forma de processo utilizada, uma vez que o presente caso não cabe no âmbito do Dec. Lei nº 269/98, de 1.9.

O autor respondeu à matéria de excepção.

Por despacho de fls. 98/101 foi decidido não haver erro na forma de processo, tendo sido designada data para audiência de julgamento.

Esta foi realizada com observância do legal formalismo.

Seguidamente proferiu-se sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu o réu do pedido formulado pelo autor.

Inconformado com o decidido, o autor interpôs recurso de apelação tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões: A. Na página 9 da sentença de 24.04.2014, o tribunal a quo, aquando da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto discorre, além do mais, que «(…) a testemunha apresentada pelo Autor, D… não ouviu o telefonema do Autor, apenas tendo passado a sua chamada.» – página 9 da sentença do tribunal a quo de 24.04.2014.

  1. O depoimento da testemunha D…, com a duração de 21 minutos e 33 segundos, prestado em 24.03.2014 a partir das 11h36m04s, contraria frontalmente tal afirmação, encontrando-se, como tal, viciada a decisão sobre a matéria de facto (cfr. art. 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC).

  2. A testemunha referiu que «O Dr. B… em Janeiro tinha vindo da Suiça… e depois… – eu até penso que foi um Domingo – e na segunda-feira ele chega ao escritório e diz que não sabe onde é que estavam os documentos, os cartões de crédito e manda-me ligar para o C… para cancelar os cartões.» – cfr. gravação do depoimento da testemunha, entre os 03:58 minutos e os 04:18 minutos.

  3. Pode ouvir-se no depoimento da testemunha que «Ele pediu-me para fazer o telefonema e eu passei-lhe a gestora de conta para ele, a D. “E…” (…) não sei o apelido, não me lembro. (…) Eu passei a chamada e entretanto entrei – porque, como o Dr. é um bocado esquecido… – para lhe lembrar que os cartões e a documentação estava[m] dentro da mochila. (…) Era importante [lembrar-se dessas coisas] por causa dos cartões de crédito, de os mandar cancelar.» (cfr. gravação do depoimento da testemunha, entre os 04:57 minutos e os 05:56 minutos).

  4. Em resposta à pergunta do mandatário do Autor entre os 05:57 e 06:02 minutos do depoimento «E quando ele falou consigo nessa manhã, falou-lhe nos cartões da mulher também?», respondeu a testemunha que «Falou-me dos cartões associados à conta. (…) Não especificou se eram dele, se eram da mulher.». (cfr. gravação do depoimento da testemunha, entre os 06:03 minutos e os 06:09 minutos).

  5. Pode ouvir-se a testemunha referir que «Pronto… o Dr. pediu o cancelamento dos cartões e ela disse que ia tratar e não pediu nenhuma carta escrita… pronto… a cancelar os cartões.» (cfr. gravação do depoimento da testemunha, entre os 07:10 minutos e os 07:21 minutos).

  6. Este depoimento encontra suporte nos factos dados como provados sob os n.ºs 5. e 6., a que correspondem as cartas enviadas pelo Autor em 22.02.2013 e 27.02.2013 e juntas aos autos a fls. 15 e 19 e ss.

  7. Ao contrário do sustentado pelo tribunal a quo, a testemunha D… ouviu o telefonema que o Autor manteve com a testemunha do Réu E1….

    I. O facto dado como provado sob o n.º 2 da decisão sobre a matéria de facto encontra-se incorrectamente julgado (art. 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC).

  8. O facto provado sob o n.º 2 da decisão sobre a matéria de facto deve ser alterado para «No dia 7 de Janeiro de 2013, o Autor, telefonicamente, comunicou ao Réu o extravio dos cartões emitidos pelo Réu, em nome do Autor e da sua esposa associados à sua conta, tendo ainda solicitado o cancelamento da validade desses cartões.» (cfr. art. 640.º, n.º 1, alínea c) do CPC).

  9. O tribunal a quo não relevou na sentença recorrida o depoimento prestado pela testemunha D… a propósito da falta de envio de comunicação escrita na qual fosse solicitado o cancelamento de todos os cartões.

    L. Em resposta à pergunta do mandatário do Autor entre os 06:25 minutos a 06:29 minutos «E não preparou uma carta para o C…?», respondeu a testemunha: «Pois, não preparei porque o Dr. B… disse que ela ia tratar do assunto. E eu não fiz carta nenhuma a cancelar os cartões, porque com o C… era normal – porque o Dr. era cliente… desta vez não tanto… mas já há muitos anos foi um cliente do C… (…) daquela agência da … (…) porque ele tinha escritório na ….» (cfr. gravação do depoimento da testemunha, entre os 06:29 a 06:54 minutos).

  10. Esclareceu a testemunha que «Pronto… o Dr. pediu o cancelamento dos cartões e ela disse que ia tratar e não pediu nenhuma carta escrita… pronto… a cancelar os cartões.» (cfr. gravação do depoimento da testemunha, entre 07:10 minutos e 07:21 minutos).

  11. Ficou patente que o Réu prescindiu de qualquer comunicação escrita do Autor que confirmasse o pedido de cancelamento.

  12. Tanto assim foi que ficou provado um comportamento concludente (do próprio Réu) neste sentido, qual seja o de “Por efeito deste último pedido, no final de Janeiro de 2013, o Réu enviou ao Autor novos cartões em nome deste.” – cfr. facto n.º 3. dado como provado na sentença recorrida.

  13. É manifesto que devia ter sido dado como provado que «O Réu prescindiu de comunicação escrita que confirmasse o pedido de cancelamento dos cartões.».

  14. A decisão proferida sobre a matéria de facto enferma de manifesto erro de julgamento na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, sendo as alterações propostas pelo Autor/Recorrente absolutamente relevantes para a decisão do presente processo (cfr. art. 662.º do CPC).

  15. As alterações pretendidas pelo Autor à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida revestem-se de manifesto interesse e relevância para a decisão da presente acção, tendo o tribunal a quo feito uma incorrecta aplicação da lei e apreciação das provas produzidas, verificando-se in casu uma situação que permite a alteração da decisão de facto (cfr. art. 662.º, n.º 1 do CPC), o que se requer.

  16. Ficou provado sob os factos n.ºs 5. e 6., em 22.02.2013 e 27.02.2013 que o Autor enviou as cartas juntas aos autos a fls. 15 e 19 e ss.

  17. O conteúdo das cartas acima (de 22.02.2013 e 27.02.2013) corrobora e suporta a comunicação efectuada pelo Autor em 07.01.2013 no sentido de serem cancelados todos os cartões associados à conta bancária titulada pelo Autor, já provada pelo depoimento da testemunha D….

  18. O tribunal a quo não valorizou a conduta adoptada pelo Réu de nunca ter respondido às cartas do Autor e de, volvido cerca de um ano sobre a data dos factos, vir, num volte face surpreendente, recusar o seu conteúdo e disputar a existência da ordem de 07.01.2013 para que todos os cartões associados à conta do Autor fossem cancelados.

    V. As testemunhas trazidas pelo Réu aos autos e conhecedoras do seu conteúdo (das cartas acima de 22.02.2013 e 27.02.2013), o departamento de cartões de crédito a que aludiram as testemunhas do Réu durante os seus depoimentos e o próprio Banco conformaram-se, através do seu silêncio, com o seu conteúdo.

  19. A pretensão de exercício do direito de defesa que o Réu veio alegar nestes autos claramente contraria toda a sua atitude anterior de continuado silêncio face às cartas do Autor.

    X. É manifesto que o Réu agiu em abuso de direito, na forma de supressio, por não ter exercido um direito (de formalmente recusar responsabilidade) entre Fevereiro de 2013 e a data da Oposição que deduziu nestes autos (05.11.2013), sem que, até esse momento, se tivesse dirigido ao Autor com a resposta à reclamação deduzida.

  20. Tal mais não é do que o exercício ilegítimo de um direito de defesa, em manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito (cfr. art. 334.º do Código Civil).

  21. Andou mal o tribunal a quo ao não considerar que a recusa de responsabilidade do Banco volvidos 9 (nove) meses de silêncio face às cartas do Autor foi deduzida em abuso do direito.

    AA. É manifesto o erro de julgamento do tribunal a quo, devendo ser considerado provado que no dia 07.01.2013 o Autor comunicou ao Réu o extravio dos cartões emitidos pelo Réu também em nome da sua esposa, e, consequentemente, a sentença ser revogada e o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia peticionada (cfr. Cláusula 36 e ss. e Cláusula 41.4 e ss. das condições gerais do contrato de utilização dos cartões de crédito, arts. 334.º e 393.º do CC e 639.º, n.º 2 e 640.º do CPC).

    BB. Em momento algum da sentença o tribunal a quo sequer aludiu ao regime jurídico constante do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro, que estabelece o regime jurídico dos serviços de pagamento e da moeda eletrónica, sendo manifesto o erro de julgamento do tribunal a quo (cfr. art. 639.º, n.º 2, alínea c) do CPC).

    1. Nos termos da Cláusula 46.1, alíneas c), d) e h) das condições gerais do contrato de utilização junto aos autos a fls. 88 a 94 e do art. 66.º, n.º 2 do DL 317/2009, «(…) o prestador de...

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