Acórdão nº 198/12.5GAVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelALVES DUARTE
Data da Resolução20 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 198/12.5GAVFR.P1 Instância Local Criminal de Santa Maria da Feira Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório.

B… recorreu da sentença proferida no processo em epígrafe que o absolveu da acusação da prática de um crime de furto qualificado tentado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, n.º 1 e n.º 2, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal, que lhe era imputado, e o condenou como autor material e na forma consumada da prática de um crime de furto tentado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), 202.º, alínea e), 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) e n.º 4, todos do mesmo diploma, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 12, perfazendo o montante global de € 1440, pedindo que seja revogada, concluindo a motivação com as seguintes conclusões: I. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos referidos nos pontos 9, 12 e 14 a 20, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova suficiente para suportar uma condenação criminal.

  1. De acordo com o referido na douta sentença, o Tribunal formou a sua convicção “considerando, essencialmente, o depoimento de C…, em conjugação com o depoimento de D….” III. Não se encontra provado nos autos a propriedade do imóvel em causa e que, alegadamente, foi atribuída a C….

  2. A única testemunha que alegadamente terá presenciado qualquer facto é o próprio ofendido C…. Assim, quanto aos factos, o Tribunal apenas apreciou as declarações do ofendido, pois mais ninguém terá presenciado sua prática.

  3. O próprio tribunal isso admite, quando refere que o depoimento de D…, militar da GNR, “nada pôde esclarecer quanto aos factos — que não observou — o seu depoimento serviu, essencialmente, para conferir credibilidade ao depoimento de C…”.

  4. O Arguido se remeteu ao silêncio, usando do direito constitucional que lhe assiste, e que não pode ser entendido como assumpção de culpa, ou como tendo o condão de atribuir credibilidade a qualquer versão dos factos que seja apresentada.

  5. Em fase de Inquérito, o Reconhecimento Físico/Pessoal encontra-se regulado no artigo 147.º CPP. De acordo com o disposto naquela norma, o acto de reconhecimento passará por duas fases essenciais. Numa primeira fase, a que alude o n.º 1 do referido artigo 147.º CPP, proceder-se-á a um controlo de credibilidade, no âmbito do qual o identificante procederá a uma descrição pormenorizada do sujeito a identificar, elucidando, nomeada e mormente o OPC que dirija o acto, de todas as características físicas e outras de que se recorde. Para além desta descrição, o identificante deverá esclarecer qual a sua relação com o sujeito a identificar, referindo, por exemplo, se já conhecia o sujeito a identificar anteriormente aos factos pelos quais aquele tem a correr (ou ainda não) processo penal contra si; bem como indicar outras circunstâncias que considere relevantes para o sucesso do acto recognitivo.

  6. Caso, todavia, esta primeira descrição não seja cabal, isto é, suficientemente elucidativa e geradora de um reconhecimento positivo, deverá proceder-se em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 147º CPP. Nessa medida, afastar-se-á o identificante, chamando duas pessoas com as maiores semelhanças possíveis (inclusive de vestuário), que se colocarão lado a lado com o sujeito a identificar. Com estes cuidados pretende-se a criação de um ambiente cénico adequado potenciador de uma neutralidade psíquica do identificante e evitando o seu prévio sugestionamento no acto de identificação.

  7. Quanto ao reconhecimento em sede de audiência de julgamento, coloca-se a questão de saber se se aplicam, também aí, as regras gerais relativas ao reconhecimento, tal como previstas no artigo 147.º CPP.

  8. A tendência jurisprudencial anterior à Reforma de 2007 era esmagadora no sentido de entender que “os requisitos do artigo 147º CPP apenas se aplicam à instrução e inquérito e não à audiência de julgamento” (cf. Acórdãos do STJ de 01-02-96 CJ IV-I-198; de 11-05-2000, BMJ 497-293; de 2-10-96, BMJ 460-534; Acórdão da Relação de Évora de 07-12-2004, proc. 25/03-1; Acórdão da Relação de Lisboa de 11-02-2004, proc. 928/2004-3; Acórdão da Relação de Coimbra de 06-12-2006, proc. 146/05.9GCVIS.C1; Acórdão da Relação de Guimarães de 31-05-2004, proc. 2415/03-1; Acórdão da Relação do Porto de 22-01-2003, proc. 0240877; in www.dgsi.pt).

  9. Todavia, apesar deste entendimento maioritário, a jurisprudência foi-se dividindo quanto à natureza dos reconhecimentos em audiência de julgamento. Assim sendo, parte da jurisprudência ia no sentido de considerar que este tipo de reconhecimentos consubstanciaria prova atípica, a qual seria admissível nos termos do disposto no artigo 125.º CPP (“são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”), devendo ser valorada nos termos do preceituado no artigo 127.º CPP (livre apreciação da prova), cuja interpretação no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de nenhuma das regras definidas pelo CPP foi julgada inconstitucional por Acórdão n.º 137/2001, processo n.º 778/00 do Tribunal Constitucional; ao passo que outra parte considerável jurisprudência entendia que o reconhecimento em audiência de julgamento corresponde ao relato de uma testemunha que não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, sem que tal consideração prejudique os direitos do arguido, na medida em, na audiência de julgamento, vigora em toda a sua plenitude o Princípio do Contraditório. Assim sendo, e considerando o reconhecimento em audiência de julgamento como prova testemunhal, devia o referido “reconhecimento” ser livremente apreciado, nos termos do artigo 127.º CPP (cf. neste sentido de que “o reconhecimento de um arguido na audiência de julgamento é prova testemunhal e não prova por reconhecimento” os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 425/2005, proc. n.º 425/05; do STJ de 06-09-2006, proc. n.º 06P1392; da Relação do Porto de 19-01-2000, proc. n.º 9940498 e de 07-11-2007, proc. n.º 0713492).

  10. Com a Reforma de 2007, todavia, a redacção actual do n.º 7 do artigo 147.º prescreve que “o reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer”.

  11. Independentemente das dúvidas quanto à natureza do reconhecimento pessoal em audiência de julgamento, veio o legislador consagrar uma posição diametralmente oposta à anteriormente defendida pela esmagadora maioria da jurisprudência que defendia a inaplicabilidade das regras do artigo 147.º do CPP à audiência de julgamento.

  12. É por demais evidente que o reconhecimento que foi feito ao Arguido, quer em fase de inquérito, quer em fase de julgamento, não respeitou o disposto no artigo 147.º do CPP.

  13. A consequência da ausência das formalidades legais do acto de reconhecimento encontra-se prevista no n.º 7 do artigo 147.º do CPP, onde se lê que “o reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer”.

  14. A ausência de valor como meio de prova tem sido entendida, não obstante, de formas díspares. Parte da doutrina entende que se estará aqui perante uma proibição de prova, geradora de uma nulidade que impede a sua utilização, salvo consentimento da pessoa visada (cf. artigo 126.º n.º 3; neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, anotação 22 ao artigo 147.º, UCP, 2007, págs. 420 e 421), nulidade que ora se invoca para todos os efeitos legais.

  15. Todavia, também já foi entendido (cf. por todos o Acórdão da Relação do Porto de 19-01-2000, proc. 9940498, in www.dgsi.pt) que “O reconhecimento feito pelo arguido sem o cumprimento do art.º 147.º constitui inexistência e não nulidade; é como se o acto não se tivesse realizado”.

  16. Qualquer que seja o entendimento quanto à efectiva e concreta consequência do desrespeito das regras do artigo 147.º CPP, o Tribunal nunca poderá fundar a sua convicção acerca da identidade do autor dos factos, no reconhecimento do Arguido que tiver sido feito contra o legalmente estipulado.

  17. No entanto, e ainda que assim se não considere e se venha a entender que foi efectivamente o Arguido quem se encontrava dentro pátio das instalações do Armazém em causa, não foi produzida em audiência de julgamento qualquer prova quanto à “intenção” que o Arguido teria aquando da sua permanência ou trânsito no aludido local.

  18. O Arguido não foi visto na posse de quaisquer objectos.

  19. O Arguido não foi visto, sequer no interior do armazém, que se encontrava, de resto, fechado.

  20. Nunca poderia dar-se por provado que: “(...) o arguido dirigiu-se a armazém "E…", sito na …, em Santa Maria de Lamas, pertencente a C…, com a intenção de retirar do mesmo, os bens que aí viesse a encontrar e de que tal fosse susceptível”.

  21. Tão pouco existem quaisquer elementos nos autos que sustentem que “Na prossecução de tal objectivo e para aceder ao referido armazém, o arguido subiu e saltou um muro (...)” XXIV. ou sequer que “(...) antes de entrar no aludido armazém e retirar o que quer que fosse”.

  22. Não se podia assim concluir, como fez o tribunal a quo, que “O arguido agiu com o intuito de fazer seus os referidos objectos, sabendo que agia contra a vontade do respectivo proprietário, lesando o património deste, o que representou e quis”.

  23. Não se fez qualquer prova quanto a que objectos o Arguido alegadamente pretendia furtar.

  24. Não basta a alegação feita na douta sentença de que os factos descritos nos pontos 5) a 7) da matéria provada (onde se inclui a referência acima transcrita) “resultam da normalidade das coisas perante o descrito em 1) a 4), sendo certo que nenhuma prova foi produzida que permitisse ao Tribunal afastar ou suspeitar que "o normal acontecer" não se verificou...

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