Acórdão nº 864/13.8PCMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução02 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo comum singular 864/13.8PCMTS da Comarca do Porto, Matosinhos, Instância Local, Secção Criminal, J3 Relator - Ernesto Nascimento Adjunto – Artur Oliveira Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. Efectuado o julgamento foi o arguido B…, condenado, - pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º/1 alínea a) e 2 C Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; - pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º/1 C Penal, na pena de 60 dias multa à taxa diária de € 5,50, no total de € 330,00; - em cúmulo jurídico, rigorosamente, nas mesmas penas.

  1. 2. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido – pugnando pela sua revogação e consequente absolvição pela prática do crime de violência doméstica, declaração de extinção do procedimento criminal, quanto ao crime de injuria, dispensa de pena, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples - apresentando aquilo que denomina de conclusões, mas que nem numa definição abrangente se podem considerar como tal, pois que não constituem, de todo, o resumo das razões do pedido, pelo que aqui se não transcrevem, apenas se enunciando as questões aí suscitadas e que são a de saber se: os factos n.ºs 4, 5 e 6 do elenco dos provados, são conclusivos; os factos provados sob os n.ºs 9 e 10 não têm gravidade suficiente que os permita incluir no âmbito do tipo de ilícito p. e p. pelo artigo 152.º C Penal e, se a conduta do arguido relativamente à ofendida C… é susceptível de se enquadrar no âmbito da figura da retorsão - artigo 143.º/3 alínea b) C Penal - devendo o arguido beneficiar do instituto da dispensa de pena nos termos do disposto no artigo 74.º C Penal.

  2. 3. Na resposta a Magistrada do MP pugna pelo não provimento do recurso.

  3. Subidos os autos a este Tribunal a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta, da mesma forma, convocando o teor da resposta, defende o não provimento do recurso.

    Proferido despacho preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.

  4. Fundamentação III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas no presente – depois de esclarecida a apontada questão da falta de gravação, que não existe no original – é tão só a de saber se, os factos n.ºs 4, 5 e 6 do elenco dos provados, são conclusivos; os factos provados sob os n.ºs 9 e 10 não têm gravidade suficiente que os permita incluir no âmbito do tipo de ilícito p. e p. pelo artigo 152.º C Penal e, se a conduta do arguido relativamente à ofendida C… é susceptível de se enquadrar no âmbito da figura da retorsão - artigo 143.º/3 alínea b) C Penal - devendo o arguido beneficiar do instituto da dispensa de pena nos termos do disposto no artigo 74.º C Penal.

  5. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

    Factos provados O arguido B… e a ofendida D… casaram entre si no dia 23/9/1995.

    Dessa relação nasceu uma filha em 1/07/1997, E….

    O casal fixou residência na rua…, Matosinhos.

    Por altura do ano de 2004, o arguido passou a dirigir-se à ofendida proferindo as agressões verbais, ‘badalhoca’, dizendo-lhe que ‘não valia nada’.

    Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2010, como o arguido (munido de uma arma, com características não se logrou apurar) tivesse dito a filha de ambos que mataria a ofendida se se divorciasse, esta, temendo pela sua integridade física decidiu abandonar a residência de família.

    Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2010, após a saída da ofendida da residência comum, o arguido abordou-a e colocou-lhe as mãos no pescoço e apertou-o com força, tendo a ofendida conseguido fugir.

    Em 27/06/2012, foi decretado o divórcio entre o arguido e a ofendida, por sentença proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Matosinhos.

    Após essa data, como o arguido não tivesse aceitado o divórcio, por diversas vezes, em tom de voz grave e foros de seriedade disse à ofendida: ‘se não fores minha não és de mais ninguém’.

    No dia 13/10/2013, pelas 02h50, a ofendida encontrava-se juntamente com a sua Irmã C… e a sua filha E…, a sair de casa de um amigo, sita na Rua…, tendo todas entrado para o veículo da ofendida.

    Quando a ofendida iniciou a manobra para sair do estacionamento, foi abordado pelo arguido que de imediato desferiu vários pontapés no carro da mesma, ao mesmo tempo que lhe dizia: ‘grande puta, grande vaca, eu dou cabo de ti’, dizendo-lhe, ainda, ‘eu já te comi’ , expressões essas que não se coibiu de proferir na presença da filha de ambos.

    Entretanto, a irmã da ofendida, C… saiu do carro e quando procurava acalmar o arguido, este desferiu-lhe um empurrão, provocando a sua queda no chão.

    Como consequência directa e necessária da conduta do arguido descrita em 6), a ofendida recebeu tratamento hospitalar e, além de dores, sofreu: No Membro superior direito: escoriação com 3 por 2 cm na face posterior do cotovelo; No Membro superior esquerdo: equimose na face posterior do antebraço, adjacente ao cotovelo, com escoriações associadas, em área de 10 por 7cm; No Membro inferior esquerdo: edema marcado do tornozelo, com defesa Marcada à mobilização.

    Tais lesões determinaram necessária e directamente à ofendida 15 (quinze) dias para a cura, com afectação da capacidade de trabalho geral de 15 (quinze) dias e com afectação da capacidade de trabalho profissional de 15 (quinze) dias.

    O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito conseguido de molestar física e psicologicamente a sua mulher - e posteriormente ex-mulher - humilhando-a e menosprezando-a na sua honra e consideração, sabendo que a sua conduta era adequada e idónea a provocar-lhe inquietação e tristeza.

    Agiu com o propósito conseguido de maltratar fisicamente a ofendida C….

    O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

    O desenvolvimento e socialização do arguido decorreu no seio da respectiva família de origem, ressaltando todavia a ausência da figura paterna, a qual terá sido suprida pelo companheiro da mãe, após organização da vida familiar desta.

    A dinâmica família foi descrita como ajustada no aspecto relacional, não sendo realçadas problemáticas assinaláveis de comportamento e adaptabilidade do arguido.

    A nível afectivo e no âmbito da conjugalidade, o casal passou a desenvolver dificuldades pessoais de gestão da relação, observando-se comunicação conflitual e períodos de maior animosidade, trazendo, este contexto, a rotura e dissolução do casamento. Não obstante este factor, prevaleceram as ocorrências de desadequação por parte do arguido, o que levou ao presente envolvimento judicial.

    A pendência do presente processo terá motivado a moderação e reflexão de B…, cessando os episódios conflituais.

    O arguido prestou actividade na área da construção civil.

    Encontra-se desempregado há 4 anos, dedicando-se a biscates, na mesma área, no que retira o rendimento mensal de cerca de € 250/300.

    Vive em casa própria.

    Actualmente não se encontra a pagar prestação relativa ao empréstimo bancário para a sua aquisição, por falta de meios.

    Tem uma filha, à qual não presta alimentos por falta de meios.

    Possui o 2º ano do ciclo preparatório.

    O arguido não regista condenações.

    Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

    A convicção do tribunal formou-se com base na análise conjugada e crítica, da prova produzida e carreada para os autos, nomeadamente, no auto de denúncia de fls. 2 e 60, aditamento de fls. 8, relatório de entrevista social, de fls. 13, relatório da perícia de avaliação do dano corporal, de fls. 18, 21, 77, 153, 191, informação social de fls. 27, informação médica de fls. 127, assento de nascimento de fls. 202, relatório social de fls. 277, CRC de fls. 236. Com os meios de prova atrás indicados, foram conjugados o(s) depoimento(s) das testemunha(s) ouvida(s), apreciando-as à luz das regras da experiência e da livre apreciação (art. 127.º, do CPP).

    O arguido B…, quanto aos factos da acusação, usou do direito ao silêncio, exercício de um direito legal e constitucionalmente reconhecido, nos termos dos artigos 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 61.°, n.º 1, al. c) e 343º, nº 1, do Código de Processo Penal, prestando declarações quanto às suas condições de vida como infra se assinalará.

    Quanto à prova da data da celebração do casamento entre o arguido e ofendida, data do nascimento da filha em comum e do local onde fixaram residência, valorou-se as certidões juntas a fls…., a par do depoimento da ofendida que os confirmou, factos assentes em 1), 2) e 3).

    O depoimento da ofendida D… foi determinante para o esclarecimento no que tange às circunstancias em que a relação entre o casal se desgastou, decorrente das saídas nocturnas do arguido, a ingestão de bebidas alcoólicas, com o acumular de dividas por rendas do bar que exploravam, que o mesmo não pagara, as discussões nocturnas que a impediam de descansar e o surgimento de uma postura de agressividade por parte do arguido, que passou a chamar-lhe ‘puta’ e ‘filha da puta’, ‘não valia nada’ e que ‘andava com todos’, por altura do ano de 2004, que fora em crescendo, com maior intensidade a partir de 2008, culminando no ano de 2010 altura em que se vira obrigada a sair de casa, por receio que o arguido lhe tirasse a vida, sabendo da existência de uma arma, que o mesmo guardava em casa...

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