Acórdão nº 552/12.2TBAMT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução29 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 552/12.2TBAMT.P1 Tribunal de origem: Instância Local de Amarante – Secção Cível (J1) – do T.J. da Comarca de Porto Este Apelações em processo comum e especial (2013) Relator: Des. Luís Cravo 1º Adjunto: Des. Fernando Samões 2º Adjunto: Des. Vieira e Cunha*Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto*1 – RELATÓRIO B… e marido C…, D… e marido E… intentaram acção sumária contra F… e mulher G…, pedindo que os réus sejam condenados a: a) Reconhecer o caminho descrito nos arts. 27 e 29 da petição, em toda a sua extensão, como caminho público; b) Desobstruir o caminho em todo o comprimento da sua propriedade, cerca de 30 metros, removendo as telhas e arames farpados; c) Absterem-se de todo e qualquer ato que possa turvar, limitar ou impedir a utilização por todos do caminho.

Invocaram os autores que são habitantes do …, freguesia …, há mais de 30 anos e que, desde sempre, utilizaram um caminho ali existente para aceder às suas casas, quer para aceder à via pública (Rua …) e tal caminho atravessa o prédio dos réus, sendo que várias gerações da população do lugar atravessaram e querem continuar a atravessar o caminho para alcançar a estrada principal e aceder às moradias existentes no ….

Os réus obstruíram a passagem com a colocação de telhas e arames farpados a poente do seu prédio, na parte em que se inicia o caminho no seu prédio impedindo o trânsito no caminho público.

*Os réus contestaram alegando que o suposto caminho não passa de um carreiro íngreme onde só pode passar uma pessoa de cada vez e recorrendo a apoio de mãos que os réus conservam para sua própria utilidade e que a ser considerado um atravessadouro de passagem entre duas vias foi abolido pelo art. 1383 do CC.

*Foi proferido despacho saneador com seleção da matéria de facto, sendo que tendo-se fixado a matéria assente e a base instrutória, não houve reclamações.

Foi realizada audiência de julgamento, conforme resulta das respectivas actas.

*Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, ficara por apurar o pressuposto da utilização pública e imemorial do caminho, face ao que falecia o fundamento da ação baseado na alegada violação da dominialidade pública do caminho, sendo que os atravessadouros haviam sido erradicados sob o império do art. 1383º do C.Civil, donde o pedido do reconhecimento do caminho como público, formulado na alínea a) da petição tinha de ser negado, o que de igual modo sucedia quanto ao segundo e terceiro pedidos, porquanto eram derivados e formulados em modo consequencial do primeiro, termos em que se concluiu pela total improcedência da ação.

*Inconformados com essa sentença, apresentaram os AA. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1. Os Recorrentes discordam da Douta Decisão proferida pelo Tribunal “a quo”.

Da nulidade do processo, 2. A Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, veio regulamentar, conforme imposição da Constituição da República Portuguesa (ut, artigo 52.º, n.º 3) o direito de ação popular.

  1. Não há dúvidas de que sobre um determinado bem pode incidir um interesse individual, ou seja, um direito subjetivo ou interesse específico de um indivíduo, um interesse público ou interesse geral, subjetivado como interesse do próprio Estado e de outras pessoas coletivas, um interesse difuso, que é a refração em cada indivíduo de interesses da comunidade e um interesse coletivo, quando se trata de um interesse particular comum a certos grupos e categorias.

  2. E pode, assim, sobre um determinado bem recair um interesse individual, mas também um interesse difuso, nada obstando que, para a defesa de tais bens, venham os seus titulares, como no caso concreto, os aqui Recorrentes, residentes do … defender tal direito – o caminho público indevidamente obstruído.

  3. O objeto da ação popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos, interesses da comunidade, global e complexivamente considerada.

  4. Com efeito, "para se falar em ação popular não basta o carácter abstrato da legitimidade e a natureza extensa da categoria onde o agente se integra. É também necessário que essa categoria de indivíduos assente na própria coletividade política, quer globalmente (tipo elementar de ação popular) quer de um modo parcial e restrito. Em todo o caso, o interesse geral e difuso, mercê do qual o agente da ação popular justifica a sua atuação, terá de ser sempre um interesse público, pois é a partir da noção de coletividade política que se opera a atribuição da ação popular".

  5. Por isso mesmo se "tem entendido que a tutela dos interesses coletivos e difusos radica numa conceção objetiva do direito e que o cidadão ou a associação que proponha uma ação com esse fim faz valer uma legitimidade originária específica, nada tendo a ver ou, sendo independente, de um direito subjetivo ou de um interesse material".

  6. Na situação em apreço, é bom de ver que os Autores, aqui recorrentes, alegaram na petição inicial factos demonstrativos de um interesse difuso, ou seja, a refração em cada individuo de interesse unitário da comunidade global fundamentador da ação popular, atente-se inclusivamente o documento junto a fls.--, como abaixo-assinado e o documento junta a fls. --, como declaração da Junta de Freguesia ….

  7. Imputaram de igual forma aos Réus recorridos um ato que se traduziu na violação de um direito de natureza coletiva ou difusa, como seja a obstrução com telhas e arame de um caminho público, utilizado pela comunidade de …, sito esse caminho no ….

  8. Por conseguinte, impunha-se pois a observância do especial regime contido no artigo 15.º da Lei da Ação Popular sobre a citação dos titulares dos interesses por ela pretendidos tutelar, o que, a não ter sucedido, constitui vício que inquina de nulidade todo o processado, de acordo com o previsto no artigo 188.º, alínea a) e no artigo 196.º do Código de Processo Civil.

  9. Nulidade esta óbvia repete-se e que aqui se arguí, devendo pois, ser anulado todo o processado, tal-qualmente a sentença ora objeto de recurso.

    Posto isto, 12. Não obstante a factualidade provada, esta douta Casa da Justiça definiu a passagem em mérito, como um atravessadouro, um atalho que se faz por terrenos particulares, fazendo os seus leitos parte dos caminhos atravessados.

  10. A questão solvenda das presentes conclusões prende-se exatamente com a natureza do caminho ora em análise, a qual erroneamente a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” definiu como atravessadouro.

  11. O Código Civil de 1867 estabelecia, por um lado, serem públicas as coisas naturais ou artificiais apropriadas ou produzidas pelo Estado e pelas corporações públicas e mantidas sob a sua administração e que a todos, individual ou coletivamente, era lícito delas utilizarem, com as restrições impostas por lei ou por regulamento administrativo (proémio do artigo 380.º).

  12. O Decreto-Lei n.º 23 565, de 12 de Fevereiro de 1934, o qual regulou o cadastro dos bens do domínio público do Estado, estabeleceu serem dessa natureza, além de outros, os que estivessem no uso direto e imediato do público (artigo 1.º, alínea g)).

  13. O Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o atual Código Civil, estabeleceu ficar revogada, após o início da sua vigência, toda a legislação relativa às matérias por ele abrangidas, com ressalva da legislação especial a que se fizesse expressa referência (artigo 3.º).

  14. O Código Civil de 1966, no que concerne à noção de coisas, apenas expressa estarem de fora do comércio as que não possam ser objeto de direito privados, tais como as que se encontrarem no domínio público e as insuscetíveis, pela sua natureza de apropriação individual (artigo 202.º, n.º 2).

  15. O Decreto-Lei n.º 23 565, de 12 de Fevereiro de 1934, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de Outubro, que enumerou, para efeitos do inventário geral do património do Estado, os bens integrados no seu domínio público e privado (artigo 18.º).

  16. No quadro de divergência jurisprudencial sobre o conceito de caminho público, foi proferido, no dia 19 de Abril de 1989, pelo Supremo Tribunal de Justiça, um Assento no sentido de serem públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso direto e imediato do público.

  17. O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo, porém a interpretar restritivamente o referido Acórdão, agora com o valor de acórdão de uniformização de jurisprudência – com base no considerando do seu texto que essas coisas serão públicas se estiverem afetadas de forma direta e imediata ao fim de utilidade pública, ou seja, de que a sua utilização tenha por objetivo a satisfação de interesses coletivos de certo grau ou relevância.

  18. O próprio Tribunal “a quo”, sobre o caminho em discussão, entendeu que desde tempos imemoriais o referido caminho serve os residentes da … – mais de quatro gerações sucessivas atravessaram e atravessam o caminho, na sua totalidade, para alcançar a estrada principal e aceder às casas de habitação existentes no ….

  19. Dos depoimentos das testemunhas arroladas e ouvidas em audiência de discussão e julgamento, foi claro a esta douta Casa da Justiça, que o caminho em discussão era inicialmente todo ele em terra batida (como bem explicou a testemunha, anterior Presidente da Junta de …, Senhor H…) e foi sendo melhorado pela própria população ali residente, cedendo em parte propriedade privada, com o auxílio da Junta de Freguesia … e ulteriormente foi mesmo pavimentado pela própria Junta de Freguesia.

  20. Mais clarificou a prova testemunhal, tal-qualmente a fotográfica junta aos autos, que chegados à parte do caminho ora vedado, conquanto era ingreme e todos já possuíam acesso para as suas casas, decidiram não alargar e pavimentar aquela parte do caminho vedada, foi somente colocada, pela Junta de Freguesia …, iluminação pública – ficando essa mesma parte atualmente vedada, em terra batida e de acesso tão só pedonal, (inicio da gravação 00:00:51; fim da gravação 00:25:59, em 18/02/2014, pelas 10:20:53, passagens, 00:03:40 a 00:05:30...

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