Acórdão nº 208/14.1GBSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução19 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 208/14.1GBSTS.P1 Recurso penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I – RelatórioNo âmbito do processo comum que, sob o n.º 208/14.1 GBSTS, corre termos pela Secção Criminal (J2) da Instância Local de Santo Tirso, Comarca do Porto, B…, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, consubstanciado nos factos descritos na peça acusatória de fls. 84/86 dos autos.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença (fls. 128 e segs.), datada de 08.04.2016 e depositada no mesmo dia, com o seguinte dispositivo: “Tudo visto e ponderado, o tribunal decide: a) Condenar o arguido B… pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, nº1 e 69º, nº1, al. a) do C.P. na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €5, no montante global de €350 (trezentos e cinquenta euros), e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses; b) Condenar o arguido nas custas do processo (artigos 513º e 514º Código de Processo Penal), fixando-se a taxa de justiça no mínimo (artigo 8º, nº5 do R.C.P.”.

*Inconformado, veio o arguido interpor recurso da sentença para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral): “I - O arguido recorrente B… condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1 al. a) do CP a ena de 70 dias de multa, à taxa diária de €5,00 no montante global de €350,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses; II - Tal pena única foi aplicada na sequência dos factos tidos como provados, constante dos itens 1 a 6, da matéria de facto dada como provada e os do relatório social do arguido, e que por mera questão de economia processual, se dá por reproduzida.

III - No entanto, não nos podemos conformar com a decisão.

IV - O arguido, no uso dos direitos que lhe são conferidos pelo art. 61.º C.P. P., usou do seu direito ao silencio, o qual não pode ser valorado contra o mesmo.

V - Do silêncio do arguido, conjugado com a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, de igual modo, não pode concluir-se que o arguido tenha praticado o facto dado como provado, dada insuficiência/inexistência de produção de qualquer prova, nomeadamente, testemunhal.

VI - Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente da produção da prova testemunhal, nenhuma das testemunhas confirma que o arguido estava a conduzir o veículo acidentado, VII - Na ausência de depoimentos que confirmem a condução do veiculo pelo arguido, aliás pelo contrário, afirmam que não viram o arguido a conduzir, este deveria ter sido absolvido por obediência ao Principio do in dúbio pro reo.

VIII - O principio do in dúbio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.

IX - Não nos podemos conformar com a motivação por parte do Tribunal a quo, que retira a ilação da condução do veículo pelo arguido, pelo facto de constar do auto de notícia que a proprietária é a mãe do arguido, inexistindo qualquer elemento probatório bastante que ateste a propriedade do veículo.

X - Pelo que o Tribunal a quo ao servir-se da propriedade do veículo (facto não provado) está a fazer uso de prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir quaisquer efeitos em juízo.

XI - Na explanação dos factos dados como provados, é referido que a taxa de álcool no sangue é aferida por exame toxicológico ao sangue do arguido.

XII - A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral de uma pessoa, tendo tal assento constitucional no art. 32.º da CRP.

XIII - A recolha de sangue para exame como procedimento de obtenção de prova, implica necessariamente uma violação da integridade física da pessoa; XIV - Este meio de obtenção de prova, desacompanhado do consentimento do arguido é proibido e a prova assim obtida é nula e a sua valoração processual para condenação de um arguido é inconstitucional.

XV- A utilização de prova extraída do corpo do arguido sem consentimento deste, viola este princípio e viola a integridade moral do arguido a qual é também protegida constitucionalmente pelo artigo 25° nº1 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, em anotação ao qual os Autores Jorge Miranda e Rui Medeiros (in Constituição Portuguesa Anotada), consideram que os testes de alcoolemia que vão para além da pesquisa do teor de álcool no ar expirado “não resistem ao crivo do juízo de inconstitucionalidade”.

XVI - Ao aceitar a admissibilidade da prova obtida através de recolha e análise de sangue a arguido consciente sem lhe ser dado conhecimento e sem a sua autorização, estar-se-ia a violar o princípio fundamental e estruturante da proibição de diligências conducentes à auto-incriminação do Arguido e por arrasto ver-se-iam violados os princípios da dignidade da pessoa, o princípio da presunção da inocência e o princípio do contraditório, declarados e garantidos nos artigos , 25°, 32° nºs 1, 2, e 8 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA e no artigo 126° do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL in totum».

XVII - Estamos perante uma sentença ferida de nulidade, atento o preceituado no art. 379.º, 1, als. B do C.P.P., pois o Tribunal a quo faz a subsunção de factos que não constam na acusação ao referir no enquadramento jurídico penal dos factos que: “Tendo aquele conhecimento, o arguido, ainda assim, não se inibiu de conduzir o veículo identificado, em duas ocasiões diferentes, com taxas de álcool no sangue”.

XIX – Pois, tão pouco se provou a condução do veiculo por parte do arguido uma vez, quanto mais duas… XX- Refere-se ainda o Tribunal a quo de um crime de detenção de arma proibida, quando o arguido recorrente apenas esta acusado de um crime de condução em estado de embriaguez, tao pouco elencado na acusando, ferindo assim a sentença proferida pelo Tribunal a quo de nulidade”.

*Admitido o recurso (despacho de admissão a fls. 149) e notificado o Ministério Público, veio este apresentar a resposta de fls. 151 e segs., que rematou assim: “Deve considerar-se que a sentença recorrida não incorreu em qualquer nulidade ou erro de facto, nem violou qualquer disposição legal, devendo, a final, ser integralmente confirmada, com a improcedência do recurso, determinando-se, no entanto, a sua correcção, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 380.º do Código de Processo Penal, dando-se por não escritas as expressões “em duas ocasiões diferentes” (página 4 da sentença) e “do crime de detenção de arma proibida” (página 6 da sentença).

*Subiram os autos ao tribunal de recurso e, já nesta instância, na vista a que alude o artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer em que, sufragando a posição do Ministério Público na 1.ª instância, conclui pela improcedência do recurso.

*Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, sem resposta do recorrente.

*Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FundamentaçãoSão as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[1] e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso.

O recorrente impugna a decisão recorrida em matéria de facto e, em matéria de direito, argui a nulidade da sentença com o fundamento previsto no artigo 379.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal.

A sentença seria nula porque na respectiva fundamentação se atribui ao arguido dois actos de condução do veículo automóvel identificado “em duas ocasiões diferentes, com taxas de álcool no sangue” (enquadramento jurídico-penal dos factos), além de que se fala em “crime de detenção de arma proibida” (determinação da pena), referências que, na perspectiva do recorrente, configuram uma condenação por factos diversos dos descritos na acusação.

Da leitura integral do texto da sentença resulta bem nítido que estão a mais aquelas referências, que se trata de lapso na sua elaboração (quiçá motivado por operação de copy/paste).

Que assim é revela-o o dispositivo da sentença, em que se condena o arguido pela prática de (um só) crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez.

O único reparo a fazer é por não se ter procedido (na 1.ª instância) à correcção do lapso, como se determina no artigo 380.º do Cód. Proc. Penal.

As questões a apreciar e decidir cingem-se, pois, à decisão sobre matéria de facto, concretamente: - se o tribunal fez incorrecta apreciação e valoração da prova, incorrendo em erro de julgamento em matéria de facto; - se o tribunal admitiu e valorou prova proibida.

*Balizados os termos do recurso, importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida.

Factos Provados:1. No dia 05 de junho de 2014, cerca das 07:20 horas, na Estrada Nacional n.º …, ao km. ….., Santo Tirso, o arguido conduzia na via pública um automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-PD, quando foi interveniente num acidente de viação do qual resultaram danos materiais para o veículo e ferimentos em si próprio.

  1. Realizado o exame toxicológico ao sangue do arguido, o mesmo acusou uma taxa de álcool no seu sangue de 2,30 g/l.

  2. Agindo da forma descrita...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT