Acórdão nº 2612/15.9JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução26 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. 2612/15.9JAPRT.P1 1ª Secção ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DO PORTO 1. RELATÓRIOA – Decisões RecorridasNo processo comum colectivo nº 2612/15.9JAPRT, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Instância Central, 1ª Sessão Criminal, Juiz 13, a arguida B…, foi condenada pela prática, em autoria material e concurso efectivo de: - um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p., pelos Artsº 22, 23, 73, 131 e 132 nº2 al. b), todos do C. Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; - um crime de sequestro simples, p.p., pelo Artº 158 nº1 nº1 do C. Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão; Em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

Foi ainda condenada a pagar ao demandante e assistente, C…, a título de indemnização civil, a quantia de 36.000,00€ (trinta e seis mil euros), pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos, desde o trânsito em julgado até efectivo e integral pagamento.

B – RecursoInconformada com o assim decidido, recorreu a arguida, concluído as suas motivações da seguinte forma (transcrição): 1ª – Vem o presente Recurso interposto do douto Acórdão, pelo qual, foi a Recorrente B…, condenada: - Como autora material e na forma tentada de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131 e 132, nº 2, al. b), e 22; 23 e 73, todos do C.P., na pena de 7 (sete) anos de prisão, em concurso real com a prática em autoria material e na forma consumada de um crime de sequestro simples, p. e p. no artº 158, nº 1, do C.P., na pena de 18 (dezoito) meses de prisão.

Em Cúmulo Jurídico, condenar a arguida na pena única de 8 (oito) anos de prisão efetiva.

- Condenar ainda a arguida, a pagar ao Ofendido a título de danos não patrimoniais a quantia de 36 (trinta e seis) mil euros.

  1. – Quanto aos factos provados e não provados a douta Sentença é totalmente omissa de fundamentação, não considerou, nem relevou os factos alegados pela Recorrente (não fez referência à sua confissão, nem ao seu arrependimento, nem ao facto de ter ingerido bebidas alcoólicas, nem às suas depressões psíquicas, nem investigou as circunstâncias concretas que estiveram na génese dos factos, e estas diligências são essenciais para a decisão, tal omissão acarreta a nulidade da Sentença, pois é de tal modo grave que afeta as garantias de defesa da Recorrente B….

  2. – Estes factos, com relevância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa não foram considerados provados, nem não provados, não tendo relevado para a decisão, em prejuízo da Recorrente e seus direitos e garantias de defesa, porquanto são suscetíveis de excluir/ diminuir/ mitigar a ilicitude e a culpa.

  3. – Na Audiência de Discussão e Julgamento não foi produzida prova direta, indireta ou qualquer outra prova válida e lícita, no que concerne à intenção de matar e ao dolo eventual, necessário para o preenchimento do crime de Homicídio, uma vez que do depoimento das testemunhas não resulta de qualquer forma a intenção de matar, e não pode presumir-se, quando nada foi provado, para além das declarações da Recorrente, que não foram valoradas, pois a mesma referiu que agiu com intenção de agredir, assustar e intimidar, mas nunca matar.

  4. – Não se compreende porque razão o Tribunal “a quo” deu como provados os factos 13 e 14, existindo até contradição entre eles, ficamos sem saber se a arguida, ao fechar a porta à chave, a intenção foi privar o Ofendido de se socorrer (crime de homicídio com dolo eventual) ou privá-lo da liberdade de movimentos (crime de sequestro com dolo direto).

  5. - Quanto a tais factos, houve omissão de pronúncia, pois muito embora a arguida explicasse a sua motivação e as circunstâncias envolventes da prática do crime, o Tribunal omitiu tais factos o que integra a nulidade consubstanciada no artº 379, nº 1, al. a), por referência ao artº 374, nº 2, ambos do C.P.P., o que, implica também a nulidade nos termos dos artºs 374 e 379, nº 1, al. c), todos do C.P.P.

  6. – A fundamentação da douta Sentença recorrida não cumpre a norma do nº 2, do artº 374, do C.P.P., visto que não contém a exposição dos motivos que fundamentaram a decisão do Tribunal “a quo” de considerar provados todos os factos constantes da referida Sentença (factos esses que sustentaram a decisão de condenação da Recorrente), bem como exame crítico das provas que terão servido para formar a sua convição nesse sentido.

  7. – Assim, o Tribunal recorrido violou o disposto a referida norma (e, também, o artº 205, nº 1, da C.R.P.), sendo, por isso, a douta Sentença recorrida nula, nos termos do artº 379, nº 1, al. c), do C.P.P. – o que aqui se vem arguir, nos termos do nº 2, deste último artigo -, devendo ser declarada tal nulidade e, consequentemente, ordenada a remessa do processo ao Tribunal “a quo” para que proceda à elaboração de nova Sentença que contenha as apontadas menções em falta do nº 2, do artº 374, do C.P.P.

  8. – Por mera cautela, invoca-se a inconstitucionalidade da norma do artº 374, nº 2, do C.P.P., quando interpretada (como aconteceu no Acórdão recorrido) no sentido de que a fundamentação das decisões em matéria de facto, se basta com a simples enumeração e reprodução das declarações e depoimentos prestados na Audiência, não exigindo a explicitação do processo de formação da convição do Tribunal, por violação do dever geral de fundamentação das decisões dos Tribunais, artº 205, nº 1, da C.R.P.

  9. – A Recorrente fica sem saber em que provas assentou concretamente a sua condenação pelos crimes acima indicados, ou quais as provas concretas para dar como provados os factos, mormente a intenção de matar em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade, com dolo eventual e na modalidade do menos intenso.

  10. – É que, na verdade, a única prova da ocorrência dos factos e das circunstâncias envolventes, é a confissão (omitida) da Recorrente e as Declarações do Ofendido que das agressões não se lembrava de nada, apenas da arguida, após a agressão, o ter auxiliado a vir para o sofá da sala e ir à casa de banho.

  11. – É, pois, lícito questionar, porque razão se dá credibilidade às declarações da Recorrente para considerar provados os factos da Acusação, mas depois não se julgam credíveis para afastar a especial censurabilidade ou perversidade, nem para afastar a intenção de matar, nem sequer para mitigar a ilicitude e a culpa.

  12. – Assim, deve ser declarada a nulidade da Sentença recorrida, e, consequentemente, ordenada a remessa do processo ao Tribunal “a quo”, ordenando-se novo Julgamento quanto à totalidade do objeto (artºs 374; 379; 426 e 426-A, todos do C.P.P. e artº 205, da C.R.P.).

  13. – Nos termos e para os efeitos do artº 412, nº 3, do C.P.P., está erradamente julgada a matéria de facto ínsita nos números 2; 3; 6; 13; 14 e 15, a prova produzida, analisada objetiva e imparcialmente, conduz a decisão diversa da Recorrida.

  14. – A prova testemunhal, onde foi essencial o depoimento da arguida e a do Ofendido, não conduz, sem dúvidas, à prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada e com dolo eventual.

  15. – Importa proceder à reanálise da prova: - Declarações da testemunha D…, gravadas no sistema Áudio, em uso no Tribunal, na Sessão de Julgamento de 13/10/2016, com início em 14:38:37 e com fim da gravação em 14:58:24; - Declarações da testemunha E…, gravadas no sistema Áudio, em uso no Tribunal, na Sessão de Julgamento de 13/10/2016, com início em 15:35:47 e com fim da gravação em 15:58:05; - Declarações da testemunha F…, gravadas no sistema Áudio, em uso no Tribunal, na Sessão de Julgamento de 13/10/2016, com início em 15:26:39 e com fim da gravação em 15:35:46.

  16. – Ora, destes depoimentos, conjugados com as regras da experiência comum, podemos concluir que a prova é insuficiente para condenar a arguida pelo crime de sequestro simples, e pelo crime de homicídio qualificado, na forma tentada e com dolo eventual, dos quais deve ser absolvida.

  17. – Para melhor análise da prova, transcreve-se as Declarações da arguida B…, gravadas em sistema Áudio em uso no Tribunal, na Sessão de Audiência de Discussão e Julgamento de 13/10/2016, com início em 11:16:19 e fim da gravação em 12:31:50 e na Sessão de Julgamento de 27/10/2016, com início 15:45:55 e fim da gravação 15:56:35: - “Eu pensei que não era grave, não tinha consciência do que tinha acontecido” (04:59/01:15:29) - “Foi verdade” (05:03/01:15:29) - “Neste dia o que é que a Senhora fez exatamente ao seu companheiro?” (Juiz) (05:50/01:15:29) - “Nós tivemos a ver televisão, eu estive a fazer (…) comemos (…) castanhas assadas e bebemos duas garrafas de vinho e uma espumante” (06:10/01:15:29).

    - “Ele começou-me a tratar mal e atirou-me com a tesoura de podar e eu desviei-me, desviei-me e tava muito tonta, ele já me tinha tratado mal” (06:30/01:15:29).

    - “E atirou-me com a tesoura eu desviei-me e a tesoura deu-me no pé, no dedo do pé” (06:50/01:15:29).

    - “Eu tinha bebido muito” (06:58/01:15:29).

    - “Eu estava com muito álcool e estava muito zangada, estava tonta” (07:12/01:15:29).

    - “Desses acontecimentos todos de maus tratos eu enervei-me (…)” (07:17/01:15:29).

    - “Luz devia ter ido abaixo, não sei porquê” (07:21/01:15:29).

    - “Não tive noção do acontecimento” (07:39/01:15:29).

    - “Mas dei-lhe, Sr. Juiz, sei que dei” (07:41/01:15:29).

    - “Não vi onde, não tinha luz” (07:47/01:15:29).

    - “Eu ajudei-o (…)” (12:39/01:15:29).

    - “Eu apanhei-o e trouxe-o para a sala” (13:16/01:15:29).

    - “Ajudei-o a vir para a sala” (13:21/01:15:29).

    - “Depois eu comecei a sentir-me muito mal com dores no peito” (13:35/01:15:29).

    - “Deixei lá o telemóvel na mesinha à beira dele e saí” (13:41/01:15:29).

    - “Ele quando veio viver comigo dei-lhe uma chave e um telemóvel (…), ele tinha chave” (14:02/01:15:29).

    - “Deixei-lhe o telemóvel com ele e disse se ele tivesse alguma coisa para me telefonar” (14:09/01:15:29).

    - “Nunca pensei que lhe fizesse mal para ele morrer (…), nunca na vida” (14:18/01:15:29).

    - “Porque...

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