Acórdão nº 441/13.3TXPRT-L.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL SOARES
Data da Resolução26 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 441/13.3TXPRT-L Comarca do Porto 1º Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto Acórdão deliberado em Conferência1. Relatório 1.1 Decisão recorridaPor despacho proferido em 14 de Novembro de 2016, o tribunal de execução de penas indeferiu o requerimento no qual o recluso B… havia solicitado que lhe fosse oportunamente concedida a liberdade condicional aos cinco sextos da pena de 6 anos e 8 meses de prisão em que foi condenado no processo 669/05.0PABCL, da qual se encontrava por cumprir, à data do requerimento, o remanescente de 2 anos, 2 meses e 13 dias, na sequência de revogação de anterior liberdade condicional concedida. Fundamentalmente, entendeu o tribunal que, tendo o recluso outra pena de 5 anos e 4 meses de prisão para cumprir à ordem do processo 573/13.8GBBCL, resulta do disposto no artigo 63º nº 4 do Código Penal (referem-se a este código todas as normas sem outra indicação) que aquele remanescente terá de ser cumprido por inteiro, sem possibilidade de concessão de nova liberdade condicional aos cinco sextos da pena.

1.2 RecursoO recluso interpôs recurso invocando erro na interpretação e aplicação do direito e pedindo a revogação do despacho e a sua substituição por outro que considere imperativa a concessão de liberdade condicional aos cinco sextos da referida pena. No essencial, concluiu a motivação do recurso invocando o seguinte: - O remanescente de 2 anos, 2 meses e 13 dias de prisão que tem de cumprir não é uma nova pena mas apenas parte da pena originariamente aplicada no processo 669/05.0PABCL, em consequência da revogação de liberdade condicional; como tal, é-lhe aplicável a regra do artigo 61º nº 4.

- Deve-lhe ser concedida nova liberdade condicional aos cinco sextos da pena, em conformidade com o disposto no artigo 61º nº 4, pois para que tal ocorra basta o decurso do tempo e a concordância do condenado.

1.3 Resposta do Ministério PúblicoO Ministério Público respondeu manifestando-se pela improcedência do recurso. Em síntese, alegou o seguinte: - A liberdade condicional obrigatória foi pensada para evitar o cumprimento de longas penas de prisão e facilitar a reintegração social do recluso.

- Ao remanescente da pena que o recluso tem de cumprir não é aplicável a regra da concessão de liberdade condicional aos cinco sextos, uma vez que a execução da pena foi antes interrompida por outro período de liberdade condicional que veio a ser revogada, tendo-se frustrado aquele objectivo de reintegração social.

1.4 Sustentação da decisão recorridaO tribunal recorrido sustentou a decisão acrescentando resumidamente que o remanescente da pena que o recluso tem de cumprir não excede os 6 anos de prisão necessários para a concessão da liberdade condicional obrigatória e que a interrupção da pena no anterior período de liberdade condicional afasta o fundamento da regra da libertação automática aos cinco sextos. O Supremo Tribunal de Justiça, quando chamado a decidir esta questão tem sido uniforme no sentido de afastar a aplicabilidade da regra dos cinco sextos no quadro da execução de uma pena de prisão após a revogação de liberdade condicional.

1.5 Parecer do Ministério Público na RelaçãoO Ministério Público nesta Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. Essencialmente considera que a libertação condicional aos cinco sextos da pena é obrigatória – desde que obtida a concordância do recluso. O artigo 63º nº 4 impede que as duas penas sucessivas sejam consideradas conjuntamente para a concessão da liberdade condicional, mas não implica que a pena onde ocorreu a revogação da liberdade condicional tenha de ser cumprida por inteiro. Essa pena deve ser executada autonomamente e beneficiar da liberdade condicional aos cinco sextos.

  1. Questões a decidir no recursoA controvérsia que emerge do confronto entre o despacho recorrido e a posição do Ministério Público junto do tribunal de execução de penas, por um lado, e o recurso e o parecer do Ministério Público neste tribunal, por outro, enuncia-se sinteticamente assim: ao recluso que cumpria pena de 6 anos e 8 meses de prisão, que viu a respectiva liberdade condicional ser-lhe revogada quando restavam para cumprir 2 anos, 2 meses e 13 dias e que tem ainda para cumprir uma outra pena de 5 anos e 4 meses de prisão, é aplicável a regra da libertação condicional ope legis aos cinco sextos, ou, por virtude da impossibilidade legal de aplicação das regras da execução sucessiva de várias penas, tem de cumprir a primeira pena integralmente, só depois se iniciando o cumprimento da segunda?3. Fundamentação 3.1. Factualidade processual relevante1) No âmbito do Processo n° 669/05.OPABCL, o recorrente foi condenado numa pena de 6 anos e 8 meses de prisão. Em 29ABR2010 foi-lhe concedida liberdade condicional com termo previsto para 12JUL2012.

    2) Por decisão transitada em julgado, proferida no Processo n° 573/13.8GBBCL, foi o recorrente condenado noutra pena de 5 anos e 4 meses de prisão. Iniciou o cumprimento desta pena, cujo termo estava previsto para 2SET2018.

    3) Em virtude desta condenação, foi revogada a liberdade condicional ao recorrente, por decisão transitada em julgado em 14OUT2016, encontrando-se por cumprir o remanescente de 2 anos, 2 meses e 13 dias de prisão. Em 14OUT2016 interrompeu-se o cumprimento da pena referida em 2) e iniciou-se o cumprimento do remanescente da primeira pena, cujo termo está previsto para 27DEZ2018.

    4) Em 3NOV2016 o recorrente requereu ao tribunal que considerasse que aquele remanescente de 2 anos, 2 meses e 13 dias de prisão não tem de ser integralmente cumprido, uma vez que terá direito à liberdade condicional nos cinco sextos da pena originária de 6 anos e 8 meses de prisão.

    5) Depois de colhida a opinião do Ministério Público, que foi negativa, o tribunal proferiu o despacho recorrido.

    3.2. Mérito do recurso3.2.1.

    Na sua aparente simplicidade, a questão que temos de analisar é muito complexa e as soluções interpretativas que a lei nos dá não são inequívocas. A redacção da lei é tudo menos clara, com normas que parecem contradizer-se umas às outras. A doutrina que conhecemos também não resolve esta questão satisfatoriamente. E ao contrário do que se afirmou no despacho de sustentação do recurso, as decisões do Supremo Tribunal de Justiça sobre esta matéria não são uniformes; nem as desse tribunal nem as das Relações. O que se verifica, isso sim, é uma imensa dispersão de respostas judiciais à mesma questão e um tratamento muito diferenciado de reclusos colocados exactamente na mesma situação, sem que seja possível observar o princípio orientador da interpretação e aplicação uniformes do direito, estabelecido no nº 3 do artigo 8º do CC. Numa área extremamente sensível, em que se jogam direitos fundamentais e princípios estruturantes do processo penal, é patente a insegurança jurídica e a incerteza na aplicação do direito, com reclusos que cumprem integralmente as penas e outros que exactamente na mesma situação são libertados aos cinco sextos.

    Como veremos, apesar dos fundamentos persuasivos de ambas as teses interpretativas em confronto, nenhuma apesentou ainda argumentos cruciais, decisivos e plenamente convincentes. Sendo assim, porque aquilo que nos ocupa não é um exercício académico sobre uma hipótese abstracta, mas sim a situação concreta de um recluso que está diante de duas penas de prisão cuja soma atinge os 12 anos e da prossecução das finalidades ressocializadoras subjacentes ao instituto da liberdade condicional, teremos de testar as duas soluções e de ver qual nos dá a resposta mais adequada.

    E, começando exactamente por aí, parece-nos evidente que a aplicação das soluções opostas defendidas no recurso e no despacho recorrido se apresentam problemáticas.

    O que o recorrente pretende é no fundo isto: desconsiderando o período de liberdade condicional revogada, cumpre em primeiro lugar a pena de 6 anos e 8 meses de prisão e é libertado condicionalmente aos cinco sextos da pena, isto é, quando perfizer 5 anos, 6 meses e 20 dias (julgamos que em 17NOV2017, tendo em conta a liquidação vigente); fica em liberdade condicional durante 1 ano, 1 mês e 10 dias até à extinção da pena – não o diz, mas é isso que resulta da lógica do seu raciocínio – (supondo que não volta a violar os deveres inerentes), para depois retornar à prisão e cumprir a outra pena de 5 anos e 4 meses (que também já foi executada parcialmente, em medida que desconhecemos). Ora isto, é bom de ver, não tem sentido. A libertação temporária de um recluso que tem outras penas para cumprir posteriormente contraria as finalidades de ressocialização, que pressupõem uma execução contínua, seguida de um período de liberdade condicional, com sujeição de deveres, de preparação para a liberdade, que uma vez atingida deve ser definitiva, no quadro vigente a essa data. A solução pretendida pelo recorrente não oferece resposta adequada para a compatibilização prática entre a libertação condicional aos cinco sextos da primeira pena e a execução subsequente e autónoma da segunda pena.

    Mas a solução do despacho recorrido também não é satisfatória. Se o arguido tiver de cumprir integralmente a primeira pena de 6 anos e 8 meses de prisão e depois a de 5 anos e 4 meses, só nesta se podendo conceder mais adiante a liberdade condicional quando se chegar a metade ou a um terço, o que sucede é que dos 12 anos de prisão correspondentes à soma das duas penas, terão de ser cumpridos 9 anos e 4 meses (se houver liberdade condicional ao meio da segunda pena) ou então 10 anos, 2 meses e 20 dias (se a liberdade condicional for concedida aos dois terços) ou mesmo os 12 anos (se não beneficiar da liberdade condicional aos cinco sextos da segunda pena, dado que por esta ser inferior a 6 anos não terá a oportunidade dos cinco sextos). Quer dizer que, no limite, o recorrente poderá ter de cumprir um período correspondente à totalidade dos 12 anos de prisão, o que não parece adequar-se ao princípio de que, por regra, nas penas superiores a 6 anos, em...

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