Acórdão nº 414/10.8GBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução05 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 414/10.8GBVFR.P1 Data do acórdão: 5 de Abril de 2017 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Comarca de Aveiro Instância Local de Santa Maria da Feira | Secção Criminal Sumário: 1. O conceito de quantum doloris tradicionalmente catalogado como um parâmetro marcadamente temporário do dano corporal - sendo definido como os sofrimentos padecidos pela vítima em consequência das lesões sofridas desde o momento do sinistro até à sua cura ou à sua consolidação médico-legal -, já se mostra ultrapassado, uma vez que já se admite que sejam valorados e, consequentemente, valorizados, os sofrimentos suportados na fase pós-consolidação, integrando, nomeadamente, as dores físicas crónicas sem repercussão funcional ao sofrimento físico causado pelas sequelas e incapacidades emergentes do facto danoso, bem como os próprios sofrimentos e esforços desenvolvidos pela vítima para poder continuar a realizar, após a consolidação, os trabalhos, tarefas ou demais atividades que antes realizava de forma natural e sem as novas limitações, ou o desgosto em não poder realizá-las.

  1. Um dano biológico, encarado como "capitis deminutio” para a realização de diversas tarefas e atividades, constitui um dano autónomo que tem como consequências danos patrimoniais e danos de natureza não patrimonial.

  2. Se o sinistrado careça substituir o seu veículo automóvel usado por outro veículo dotado de uma "caixa automática", em consequência das sequelas pessoais sofridas com as lesões emergentes de acidente de viação, o lesado não tem direito ao valor do custo de aquisição de uma viatura nova com essas características, uma vez que beneficiaria de um enriquecimento sem causa, resultando a sua situação patrimonial favorecida na exata medida em que beneficiaria da titularidade da propriedade de um veículo automóvel novo, em vez de um veículo automóvel usado de que seria proprietário se o sinistro não tivesse ocorrido, contrariando a ratio do disposto no artigo 566º, nº 2, do Código Civil.

    Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figuram como recorrente principal o demandante B… e como recorrente subordinada a demandada C...

    - Sucursal em Portugal;I – RELATÓRIO1. Em 8 de Julho de 2016 foi proferida a sentença condenatória recorrida, que terminou, na parte relevante ao recurso, com o seguinte dispositivo: «(…) Julgo parcialmente procedente o pedido cível formulado nos autos pelo assistente B… condenando-se a Demandada Companhia de Seguros C…, a pagar ao demandante a quantia de €130.000,00 (cento e trinta mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; mais se condenando a demandada no pagamento ao Demandante da quantia de €289.992,65€ (duzentos e oitenta e nove mil, novecentos e noventa e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento; Condena-se ainda a Demandada no pagamento ao Demandante da quantia que se vier a liquidar em decisão ulterior referente a indemnização pelos custos de tratamento ou de futuras intervenções cirúrgicas, resultantes do agravamento ou evolução das lesões que o Demandante sofreu por força do acidente de viação em causa nos autos, bem como o valor relativo aos danos no capacete e valor dos produtos de apoio que vierem a ser adquiridos pelo Demandante, nos termos supra referidos. Absolvo a demandada C…, do demais peticionado.

    (…).» 2. Inconformado, em parte, com a decisão, o demandante interpôs recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões na motivação do recurso: «O Tribunal a quo não se pronunciou sobre uma questão que deveria ter apreciado por ter sido alegado e invocado autonomamente pelo Demandante no seu pedido de indemnização, designadamente, quanto à pretendida condenação da Demandada, no montante de € 420.000,00 para ressarcimento de Danos Permanentes decorrentes do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, Dano Estético Permanente, Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer, bem como na Repercussão Permanente na Atividade Sexual.

    Verifica-se que esta matéria não foi abordada na douta sentença, apesar de se tratar de uma questão a decidir e que o D. submeteu para apreciação, e que assim se impunha em obediência do disposto no art.° 608.° n.° 2 do C.P.C..

    Com efeito, nos termos do disposto nos art.° 615.° n° 1 al. d) do C.P.Civil, vem o D. arguir a Nulidade da Sentença, por o Tribunal a quo deixar de se pronunciar sobre uma das questões que lhe incumbia apreciar, e que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos, com as legais consequências.

    Sobre esta questão, com interesse para a decisão da causa e para o presente recurso, partindo da culpa exclusiva do arguido na produção do acidente e consequente responsabilidade integral da Demandada no ressarcimento de danos ao Demandante, destaca-se a matéria de facto que o Tribunal a quo na sentença considerou provada sob os pontos 117,.118., 126. a 131., 138. a 152., 154. a 158., 161. a 167., 169. a 171., 174., 175., 246. e 247. que se dá aqui por reproduzida.

    Ora, tendo em conta os factos provados mencionados, o D. é portador de relevantes danos permanentes e incapacidades que acarretam para a sua vida em geral e para a sua própria saúde e que são independentes da sua atividade profissional dado que o Decreto-lei 352/2007, de 23 de Outubro veio consagrar duas tabelas diferentes para a avaliação do dano corporal: uma para avaliação do dano corporal laboral (anexo I àquele diploma); e a outra para avaliação do dano corporal civil (anexo II ao mesmo diploma).

    Por força deste diploma, os conceitos de I.P.P. e de I.P.G. são distintos tanto que cada vez é mais comum encontrarmos decisões judiciais em que a I.P.G. (atualmente designado de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psiquica) conduz a um ressarcimento autónomo quando em termos laborais a I.P.P. implica uma perda da capacidade de ganho do lesado, como é o caso dos presentes autos e, nessa medida, impõe-se quanto a essas incapacidades uma apreciação e indemnização distintas - veja-se a este propósito os Ac. T.R.P. de 29/09/2011 in www.dgsi.pt; Ac. T.R.G. de 12/01/2012 in www.dgsi.pt; cfr. ainda o Ac. T.R.G. de 06/11/2012 in www.dgsi.pt.

    Assim, na avaliação do dano corporal civil temos desde logo, e como principal, o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica que é o parâmetro do dano que corresponde a uma afetação definitiva da integridade físico-psíquica da pessoa, constitutiva de um défice funcional permanente com repercussão nas atividades da vida diária, familiar e social e sendo independentes da atividade profissional ou de formação.

    Resulta assim que valoriza-se não só o dano no corpo como a sua repercussão funcional e para as atividades da vida diária. É pois determinado tendo em conta a globalidade das sequelas do caso concreto (corpo, funções e situações de vida) e tendo como elemento indicativo de referência, a Tabela de Avaliação de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II do Decreto-Lei 352/2007, de 23 de Outubro).

    Com base nas Sequelas Lesionais, Funcionais e Situacionais de que o D. é portador o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica foi fixado em 55 pontos (em 100).

    Outro parâmetro do dano alegado e que se deu por demonstrado, é a Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer, sendo que este dano anteriormente designado por Prejuízo de Afirmação Pessoal, correspondente à impossibilidade estrita e específica para a vítima de se dedicar a certas atividades culturais ou de lazer, praticadas previamente ao evento responsável pelas sequelas e que representavam para a vítima um amplo espaço de realização pessoal, tendo sido fixado no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

    Outro dano verificado é o Dano Estético Permanente que correspondendo á repercussão das sequelas, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afetação da imagem da vítima quer em relação a si próprio, quer perante os outros, em que foi fixado no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

    Foi igualmente alegado e dado como provado a Repercussão Permanente na Atividade Sexual correspondendo este dano à limitação total ou parcial do nível de desempenho/gratificação de natureza sexual, decorrente das sequelas físicas e/ou psíquicas, não se incluindo aqui os aspetos relacionados com a capacidade de procriação, sendo que foi fixado no grau 2.

    Como é possível constatar, estamos perante consideráveis sequelas que afetam o D. de forma marcante e que o limita nas suas aptidões a nível diário, familiar e social e que se manterão durante toda a sua vida.

    Ora, a indemnização por estes Danos Permanentes resultantes do Défice Funcional Permanente da integridade Físico-Psiquica, Dano Estético Permanente, Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer, Repercussão Permanente na Atividade Sexual, deve ser calculada tendo em atenção ao tempo provável de vida do lesado, sabendo-se, como se sabe, que a esperança média de vida, em Portugal, tem vindo a aumentar nos homens e nas mulheres, situando-se atualmente no caso dos homens em cerca dos 76 anos de idade, conforme indicadores do Instituto Nacional de Estatística, que pode ser consultado através do sítio - www.ine.pt ou www.pordata.pt.

    Assim, tendo em conta as importantes sequelas físicas e psicológicas, e considerando a idade do Demandante, impõe-se também a condenação da DD. no ressarcimento destes danos ao D., e com apelo a um juízo de equidade, no montante de € 385.000,00 (Trezentos e oitenta e cinco mil euros) que pelo presente recurso se pretende que seja acolhido e em obediência, nomeadamente, do...

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