Acórdão nº 2625/12.2TBPNF-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | AMARAL FERREIRA |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
TRPorto.
Apelação nº 2625/12.2TBPNF-A.P1 - 2017.
Relator: Amaral Ferreira (1126).
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Adj.: Des. Deolinda Varão.
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Adj.: Des. Freitas Vieira.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO.
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Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que, contra ela e outro, moveu “B..., S.A.
”, pretendendo obter o pagamento da quantia de € 324.152,52 de capital e juros vencidos, acrescida de juros vincendos, em que o título executivo são duas escrituras pública de mútuo com hipoteca, deduziu a executada C...
, representada pelo curador D..., oposição à execução, por cuja procedência pugna, com a consequente improcedência da acção executiva.
Alega para tanto, e em resumo, que não prestou qualquer garantia real sobre o imóvel de que é usufrutuária para garantia de bom e integral pagamento ao exequente da dívida contraída, e confessada, pelo co-executado E..., nem outorgou qualquer mútuo com a exequente, estando convicta de que a sua presença nas escrituras era necessária apenas para autorizar que o nu proprietário pudesse dar de hipoteca a raiz, motivo pelo qual não se recusou a comparecer nas escrituras, e que não prestou qualquer declaração negocial no sentido de dar de hipoteca o usufruto, como resulta da análise das escrituras, mais aduzindo que, mesmo a considerar-se que nelas emitiu a tal declaração negocial, nunca teve consciência de emitir uma qualquer declaração negocial no sentido de dar de garantia o usufruto, hipoteca que é ineficaz por não se mostrar registada.
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Recebidos os embargos e notificada para o efeito, contestou a exequente que, impugnando a totalidade da alegação da embargante, termina a pugnar pela improcedência dos embargos, com o consequente prosseguimento da execução.
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Proferido despacho saneador, que, declarando a validade e regularidade da instância e fixando o valor da causa, identificou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova, procedeu-se a julgamento com gravação da prova produzida e observância do formalismo legal, após o que foi proferida sentença que, declarando os factos provados e os não provados, contendo a respectiva motivação, decidiu nos seguintes termos: “Nestes termos, decide-se julgar a presente oposição à execução deduzida pela embargante/executada C... totalmente procedente, determinando-se, em consequência, a extinção da instância executiva, relativamente à executada C..., prosseguindo os autos no que concerne ao executado E...
”.
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Inconformada, apelou a exequente/embargada que, nas respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões: 1ª.
A referida sentença merece censura, carecendo de qualquer fundamento, de facto ou de Direito.
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Não pode o Recorrente concordar com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que se não encontra demonstrado devidamente que a Executada tivesse comparecido nas escrituras com a convicção de que apenas estivesse a autorizar a hipoteca do imóvel no tocante à sua raiz.
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Considera o Recorrente existirem razões para alteração da decisão sobre o ponto 3 da matéria de facto, tendo em atenção a análise dos meios de prova, os princípios processuais e as regras de repartição do ónus da prova, o que, conjugado com a restante factualidade dada como provada na sentença, haveria de levar à improcedência dos embargos deduzidos pela Executada, C....
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Relativamente à testemunha F...
, afigura-se incompreensível que o Tribunal a quo pudesse considerar o depoimento daquele congruente e verosímil, uma vez que, embora referisse que a Executada, C...
, sua avó, discutia habitualmente todos os assuntos bancários consigo mesmo, com seu pai, D... (Curador da Executada), e com seu tio, o Executado E..., acabou por admitir desconhecimento da existência da escritura outorgada entre a Executada C..., o Executado E... e o Banco H..., S.A.
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É, para além disso, inverosímil que a testemunha almoçasse durante 5 anos (período que medeia a ocorrência da celebração das escrituras de mútuo com hipoteca com o I..., S.A e o B...), ininterruptamente, com sua avó, pai e tio, de forma a poder garantir que aquela só tivesse comparecido no dia das escrituras e que nunca tivesse sido informada pelo Executado, E..., dos detalhes dos negócios.
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Acresce que o Tribunal a quo desconsiderou em absoluto as declarações da testemunha J..., que referiu de forma peremptória que o crédito concedido pelo B... teve como finalidade a transferência da hipoteca sobre a propriedade plena incidente sobre o imóvel sub judice então registada a favor do I..., S.A.
, 7ª.
Sendo isto corroborado pelo próprio teor das escrituras [doc.(s) 1 e 2 do requerimento executivo], que referem não apenas que o crédito concedido pelo B... se destinava à liquidação de empréstimo contraído junto da I..., S.A. (fazendo menção à existência de duas hipotecas, registadas a favor do I..., S.A. e a favor do H..., S.A.).
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Recorde-se que a Executada outorgou juntamente com o Executado, pelo menos quatro escrituras de mútuo com hipoteca, onde declarou hipotecar o seu direito de usufruto, designadamente uma com o I..., S.A em 1999, outra com o H..., S.A.
em 2003 e duas outras com o B... em 2004.
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Identifica-se, por conseguinte, manifesta contradição entre o depoimento da testemunha F...
e o teor do depoimento da testemunha J...
, o que impede o Tribunal de valorar apenas o primeiro destes depoimentos sem a devida fundamentação, omitindo por completo, e de forma insustentável, o segundo.
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Por outro lado, é reprovável que o Tribunal a quo tenha considerado que os segmentos da declaração da testemunha F..., onde considerava que a Executada «sempre tinha comunicado que pretendia um sítio e nunca ser encaminhada para o lar», eram reveladores de que esta jamais hipotecaria o seu direito de usufruto sobre o imóvel dado em garantia ao B..., encontrando-se esta conclusão claramente contraditada pelo facto de a Executada C... possuir o usufruto de dois imóveis desde 1999, a saber: o prédio urbano sito na Rua ... e o prédio urbano sito Rua ..., conforme cadernetas prediais juntas aos autos principais.
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Ademais, em sede de alegações finais, o Exequente chamou à atenção do douto Tribunal a quo que, ao contrário da informação carreada para os autos de que a Executada, C..., vivia no imóvel sub judice, se encontrava a menção na caderneta predial do outro imóvel (prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o número 1938 da freguesia ...) de que era este a habitação permanente da Executada, fazendo com que estivesse isento de IMI.
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Do mesmo modo, realçou o Exequente, em sede de alegações finais, que aquele facto, constante da referida caderneta predial, teria sido comunicado em 2009, data em que a Executada tinha 80% de incapacidade, o que nos levaria à conclusão de que tivesse sido comunicado por um dos filhos da Executada, pelo seu Curador ou pelo Executado E...
, 13ª.
Resultando, assim, do exposto que, ou os filhos da Executada tivessem mentido à Autoridade Tributária (o que deveria, por seu lado, suscitar por parte do Tribunal a quo uma remissão para a Autoridade Tributária da situação), ou estariam a mentir ao Tribunal a quo.
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Portanto, contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, este ignorou o interesse da testemunha F...
no desfecho dos autos, não logrando, por isso, «erradicar o apelo ao sangue» e escolhendo replicar as informações enganosas prestadas pelo seu tio, Executado E..., a prejudicar este e a sua avó.
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Ademais, note-se que o Tribunal a quo ignorou as contradições existentes entre o depoimento desta testemunha e os elementos constantes nos autos, uma vez que é dito pela testemunha que apenas tiveram conhecimento da existência desta execução meses antes da realização da audiência de julgamento, quando, na verdade, já a 24 de Janeiro de 2013, o seu pai, Curador da Executada (à data ainda sem esta função), apresentara um requerimento nos presentes autos a requerer que a citação fosse declarada nula por falta de conhecimento desta por parte da Executada incapaz.
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Concluímos, pois, que, no que à testemunha F...
concerne, não existe imparcialidade subjectiva, mas antes notório interesse em relação às partes que são executadas nestes autos.
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Ora, se, relativamente à testemunha F...
, não é certo que tudo o que disse correspondesse integralmente à realidade, devendo a sua perspectiva ser suplantada por outros meios de prova mais sólidos, quanto à testemunha E...
é inevitável concluir-se que faltou à verdade numerosas vezes, face à conveniência das suas declarações para si e para a Executada, prestando declarações marcadas por inúmeras confusões, contradições, e havendo indícios de preparação do depoimento.
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Com efeito, o Tribunal a quo ignorou que as declarações do Executado E...
e aquelas prestadas pela testemunha F... apresentavam contradições, pois o primeiro, com receio de que o Tribunal a quo se apercebesse de que tinha as escrituras consigo e de que já as lera, e que isso de algum modo o prejudicasse, afirmou que as escrituras foram lidas pelo sobrinho F...
, que as tinha em casa do irmão, D..., contradizendo o que fora já declarado pelo segundo.
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Em segundo lugar, refira-se que o facto de este não ter especificado os bens partilhados aquando a morte do seu pai tem como fundamento o facto de querer ocultar que a sua mãe, C..., detinha o usufruto de dois imóveis, o que iria prejudicar a versão carreada para os autos de que a Executada jamais hipotecaria o seu direito de usufruto por recear ficar sem casa.
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Mais: note-se que o Executado E...
apenas recorda em detalhe factos e circunstâncias favoráveis à versão da Executada carreada para estes autos, em contraste com uma patente falta de memória sobre tudo o que pudesse prejudicá-la, como a data em que o seu próprio pai faleceu e em que foi realizada a partilha da herança, na qual se incluíam dois imóveis sobre os quais a Executada detém direito de usufruto.
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Acresce que não é de todo plausível que o Executado E...
tivesse por hábito ler as escrituras que celebrava e não tivesse...
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