Acórdão nº 2070/16.0T9VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução15 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso nº 2070/16.0T9VFR.P1 Origem: Comarca de Aveiro- Juízo Local Criminal de St.ª M.ª Feira- Juiz 2 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido B...

, nos termos constantes de folhas 83-85, imputando-lhe a coautoria material de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea e), todos do Código Penal.

Remetidos os autos para a fase de julgamento, foi proferido despacho de saneamento do processo, declarando a acusação pública manifestamente infundada, por falta de narração dos factos – mais especificamente por aí não ter sido descrito o momento temporal da prática dos factos – e rejeitando-a, ao abrigo do preceituado no artigo 311º, n.º 2, alínea a) e n.º3, alínea b), ambos do Código de Processo Penal.

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs o presente recurso, acabando por formular as seguintes conclusões: «1. Nos autos à margem identificados foi deduzida acusação pública contra o arguido B..., nos termos constantes do despacho de fls. 83-85, imputando-lhe a prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º1, 204º, n.º 2, alínea e), por referência ao disposto no artigo 202º, alínea e), todos do Código Penal.

  1. Remetidos os autos a julgamento, foi proferido despacho de saneamento do processo, declarando a acusação pública manifestamente infundada, por falta de narração dos factos, ao abrigo do preceituado no artigo 311º, n.º2, alínea a) e n.º3, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, porquanto não foi descrito o momento temporal da prática dos factos.

  2. A invocada nulidade do despacho de acusação (nos termos do artº 283º, nº3, do CPP), não integra qualquer nulidade “insanável” e por isso, não poderia ser oficiosamente declarada, como o foi, atento o elenco taxativo das nulidades insanáveis previsto no artigo 119º do Código de Processo Penal e o disposto no art. 120º, n.º1 do mesmo diploma legal.

  3. O momento temporal da prática do facto, não configura qualquer elemento essencial do crime de furto imputado, pelo que não é tal omissão suficiente para se equiparar a uma falta de narração dos factos.

  4. Tal omissão não é suscetível de prejudicar o direito de defesa do arguido, em conformidade com o disposto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, porquanto do despacho de acusação encontra-se concretizado o objeto do processo (o arguido tem conhecimento do local, dos objetos subtraídos e do modo de atuação).

  5. A acusação contém todos os factos que justificam a aplicação da pena ao arguido, e que são configuradores do elemento objetivo e subjetivo do referido crime – o arguido subtraiu coisa alheia guardada em interior de habitação, por meio de escalamento, mais fazendo-o de forma livre, deliberada e consciente ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  6. A omissão da descrição do momento da prática dos factos não consubstancia causa de “nulidade” ou de “rejeição” da acusação, podendo ser colmatada por força do disposto no art. 358º do Código de Processo Penal, com a simples reprodução em julgamento dos elementos de prova que constam da peça acusatória (tal como ocorreu no PCC n.º 426/15.5PAVFR conforme certidão que se juntou).

  7. O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 119º, 120º, 283º, n.º1, al. b), 311º, n.º2º, al. a) e n.º 3º, al. b) todos do Código de Processo Penal.

  8. O Tribunal a quo, ao assim decidir, extravasou os seus limites cognoscíveis, indo muito para além dos poderes a que se encontrava vinculado, conhecendo de questões que não poderia conhecer, porque não verificadas, pelo que a decisão recorrida enferma de nulidade, em conformidade com o disposto no artigo 379º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal.

  9. Pelo que deverá tal despacho ser revogada e substituída por outro que ordene o recebimento dos autos e a marcação de data para julgamento.»*O arguido respondeu ao recurso, resumindo a sua posição nos seguintes termos: «1.ª- O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido B..., imputando-lhe a prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao disposto no artigo 202.º, alínea e), todos do Código Penal.

  1. - Remetidos os autos a julgamento, foi proferido despacho de saneamento do processo, rejeitando a acusação pública deduzida contra o arguido, por falta de narração dos factos que integrariam a descrição do tipo de ilícito, ao abrigo do preceituado no artigo 311.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alínea b), ambos do Código de Processo Penal.

  2. - O Ministério Público, discordando com o decidido, recorreu de tal despacho.

  3. - Ora, salvo o devido respeito, a decisão, a decisão do tribunal a quo não merece qualquer reparo.

  4. - Referiu o Ministério Público que, de facto, não consta da acusação pública a circunstância temporal da prática dos factos.

  5. - Todavia, questionou: “- Será que tal omissão é suficiente para determinar a rejeição da acusação, por manifestamente infundada, em conformidade com o disposto no artigo 311.º do Código de Processo Penal? - Tal omissão fere, irremediavelmente, as garantias de defesa do arguido? - A verificação de tal nulidade é assim do conhecimento oficioso? - Em que medida tal facto contende com a verificação do ilícito imputado ao arguido? - Por fim, não poderia o Tribunal a quo em momento ulterior, nomeadamente, tendo por base o disposto no art. 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aditar tal facto e, consequentemente, apreciar as demais questões (alegada inimputabilidade em razão da idade do agente) em que baseou o seu raciocínio?” 7.ª- Ora, dispõe o artigo 311.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quanto ao “saneamento do processo”, que “se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido: a) de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada (…).

  6. - E acrescenta o n.º 3 que “para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: (…) b) quando não contenha a narração dos factos (…).

  7. - Por outro lado, para se entender melhor em que consiste aquela “narração dos factos” temos que recuar no Código de Processo Penal, concretamente ao n.º 3 do artigo 283.º, que refere que “a acusação contém, sob pena de nulidade: (…) b) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática (…).” 10.ª- Ora, com o respeito que é devido, não poderia a lei ser mais clara no que a esta matéria diz respeito ou, por outras palavras, quanto à sua interpretação e aplicação.

  8. - No caso em apreço, concretamente na acusação do Ministério Público, não consta, em momento algum, o tempo da prática dos factos – como aliás refere o Ministério Público nas suas alegações de recurso -, 12.ª- Sendo que, uma vez que tal referência era possível – como volta a referir o Ministério Público –, estamos, sem dúvida, perante uma omissão, isto é, perante a falta de narração de um facto, 13.ª- Não justificável pelo seu desconhecimento ou qualquer outra impossibilidade, como vimos.

  9. - Posto isto, o tribunal a quo limitou-se, e bem, a aplicar lei: quando a acusação não contém a narração dos factos (designadamente o tempo da sua prática), considera-se (além de nula, nos termos do artigo 283.º, n.º 3 do CPP) manifestamente infundada, e, por esse facto, pode ser rejeitada, 15.ª- Dentro dos poderes que são concedidos ao Mmo. Juiz nesta fase do processo.

  10. - A exata e correta aplicação da lei demonstra, pois, que aquela omissão foi (e é) suficiente para se classificar a acusação como “manifestamente infundada” e para se determinar pela sua rejeição. 17.ª- Por outro lado, o “problema” da nulidade da acusação pública, ao abrigo do preceituado no artigo 283.º, n.º 3 do CPP, é questão que se soma ao dilema da rejeição da acusação por “manifestamente infundada”, e não necessariamente consequência uma da outra.

  11. - Isto é, não é requisito para a rejeição da acusação pública, por “manifestamente infundada”, que a mesma seja nula, por não preencher os requisitos do artigo 283.º, n.º 3 do CPP, 19.ª- Embora possa haver essa coincidência, como será o caso.

  12. - Todavia, mesmo não tendo sido sanada, antecipadamente ao saneamento do processo, essa nulidade (sem levantar por aqui a questão da oportunidade e possibilidade de sanação dessa nulidade, que entendemos não se aplicar ao caso), “a acusação pública vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial”, 21.ª- Nos termos do disposto no artigo 311.º do CPP.

  13. - E nesta fase – saneamento do processo – recebidos os autos, é que o presidente irá despachar no sentido, por exemplo, de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada (com base num dos quaisquer motivos elencados no n.º 3 do artigo 311.º do CPP).

  14. - Mais, nos presentes autos, não houve lugar a instrução, pelo que, como também resulta claro da citada disposição legal (artigo 311.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), o tribunal a quo tinha poderes para proferir despacho no sentido que o fez.

24.º- Ora, este é o entendimento de muita da jurisprudência portuguesa.

25.º- Por outro lado, refere o Mmo. Juiz a quo que “em todas as situações, a indicação da localização temporal dos factos imputados” – bem como de todos os outros factos que possam...

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