Acórdão nº 600/15.4GBILH.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução22 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 600/15.4GBILH.P1 Data do acórdão: 22 de Novembro de 2017 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Comarca de Aveiro Juízo Local Criminal de Aveiro Sumário: Uma situação de "ciúme patológico" dirigido a namorada ou ex-namorada, manifestada nas condutas a seguir descritas que atingiram a ofendida na sua integridade física e, de uma forma grave, o seu bem-estar emocional, preenche os elementos objetivos do tipo legal de crime de violência doméstica: a) insultos soezes dirigidos à namorada ou ex-namorada, também publicamente e por SMS, que afetaram a dignidade da vítima; b) ameaça à vida e/ou à integridade física da ofendida; c) agressão física à vítima, d) subtração de telemóvel da ofendida; e) violação da privacidade das comunicações e acesso ilegítimo à conta de Facebook da vítima; f) destruição de telemóvel da ofendida; g) arrombamento de porta de entrada de residência da ofendida; e h) difamação torpe da ofendida junto da mãe desta.

Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B...; I – RELATÓRIO1. Em 5 de Julho de 2017 foi proferida nos presentes autos a sentença que terminou com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgando procedente a acusação, decide-se condenar B...: I - pela prática desde Maio de 2015 até 06 de Setembro de 2016 de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, n.° 1, al. b), n.°s 2, 4 e 5, do Código Penal: a) na pena de dois anos e seis meses de prisão, que se suspende na sua execução por igual período com regime de prova que contemple o respeito pela proibição de contacto com a vítima e a frequência de programa de promoção de competências pessoais e emocionais e de prevenção de comportamentos abusivos na conjugalidade, tudo mediante plano a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção Social (artigos 50°, n.°s 1, 2, 3 e 5; 52°, n.°s 1 e 2; 53°, n.° 1; e 54° do Código Penal e artigo 494° do Código de Processo Penal), b) na pena acessória de proibição de contactos com C..., pelo período de um ano, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância e c) na pena acessória de proibição de uso e porte de armas, pelo período de dois anos e seis meses; d) a pagar a C... compensação que se fixa em €1.000,00 (mil euros); e) a pagar custas processuais, fixando-se a taxa de justiça criminal em 2,5 UC's, a que acrescem legais encargos (artigos 513° e 514°, n.°1 do Código de Processo Penal e artigo 8°, n.° 9, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo da oportuna consideração da decisão que vier a ser proferida relativamente ao pedido de apoio judiciário que apresentou (fls. 368 segs.).

  1. Mais decide-se manter, até trânsito em julgado da condenação, a sujeição do arguido às medidas de coacção aplicadas em 20.09.2015, sendo que as obrigações decorrentes do termo de identidade e residência subsistirão até extinção das penas (artigo 214°, n.°1, al. e), do Código de Processo Penal).» 2. Inconformado com a sentença condenatória, o arguido interpôs recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões[1] da motivação de recurso: "O presente Recurso tem como objeto tanto matéria de facto como de direito da sentença que ora se recorre, a qual condenou o arguido pela prática de um crime de Violência Doméstica p. e p. pelo art. 143° do C.P., na pena de dois anos e seis meses de prisão, que se suspende na sua execução por igual período com regime de prova, na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida pelo período de um ano, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, na pena acessória de uso e porte de arma pela período de dois anos e seis meses e, por fim, a pagar à ofendida compensação que se fixou em €1.000,00 (mil euros).

    Entende o Recorrente que, e salvo melhor entendimento, da prova produzida em sede de Audiência de discussão de julgamento, não poderiam resultar como provados os factos n°s 7,10, 11, 12,13,14,15, 16,23, 24 e 26, e que o Tribunal a quo deu como provados, pelo que, tais factos foram indevidamente dados como provados.

    Tendo sido indevidamente dados como provados pelo Tribunal a quo, a sentença de que ora se recorre viola o disposto no art. 355° n° 1 do C.P.P., porquanto tais factos não resultaram provados da prova concebida em audiência de julgamento.

    E tais factos foram indevidamente dados como provados porquanto os depoimentos das testemunhas não os corroboraram, nem os atestaram, sendo que tais depoimentos contrariam os factos dados como provados pelo Tribunal a quo.

    Nomeadamente, o depoimento da ofendida que, relativamente ao facto n° 7, se demonstrou demasiado impreciso, incoerente e com evidentes contradições, conforme já exposto na motivação do presente recurso, apresentando uma explicação do empurrão que, segundo as regras da experiência, é pouco plausível de ter acontecido daquela forma, porquanto, é na prática impossível que um homem de estatura vulgar (como o é o arguido) conseguisse empurrar a ofendida sem que para tal empurrasse a porta do carro que estava aberta entre os dois, principalmente, porque a ofendida alegou estar debruçada para retirar os seus pertences do carro. Ainda sobre o depoimento da ofendida, o mesmo foi, em certas ocasiões, ao encontro do alegado pelo aqui recorrente, no entanto, posteriormente acabava por desmentir e apresentar outra versão sobre os mesmos factos.

    Relativamente ao facto dado como provado n° 10, o mesmo foi indevidamente dado como provado (pelo menos parcialmente), porquanto o próprio depoimento da ofendida não o corroborou na totalidade, tendo a ofendida negado que o aqui recorrente lhe tenho dito que a ia matar e que a tenha ameaçado de furar os pneus, pelo que, tal facto nunca poderia ter sido dado como provado na íntegra pelo Tribunal a quo.

    O facto n° 11 foi indevidamente dado como provado pelo Tribunal a quo, porquanto da prova produzida, nomeadamente do depoimento da testemunha D..., da testemunha E... e ainda da testemunha F..., resultou precisamente o oposto, ou seja, que a ofendida e o aqui recorrente mantinham uma relação amorosa, pelo que, tal facto não poderia ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo.

    Relativamente ao facto n° 12, o mesmo foi indevidamente dado por provado pelo Tribunal a quo, porquanto, assentou a sua convicção somente em afirmações genéricas e vagas, sem indicação de tempo, modo e lugar, o que não podia fazer por tais factos vagos impedirem um eficaz direito de defesa, bem como o exercício do contraditório. Efetivamente, não foi produzida prova suficiente que permitisse ao Tribunal a quo dar tal facto como provado, apenas baseando-se no depoimento da ofendida, do qual resultou somente a alegação de tais factos, sem precisar datas, locais, e prova documental que sustentasse o alegado por aquela.

    Os factos n°s 13, 14, 15 e 16 foram indevidamente dados como provados, porquanto, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente o depoimento do arguido e da testemunha D..., verificou-se uma clara contradição com a versão alegada pela ofendida, conforme já exposto na motivação do presente recurso, pelo que, face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, tais factos nunca poderiam ter sido dados como provados.

    Foi ainda indevidamente dado como provados os facto n° 23, 24 e 26 porquanto, do depoimento da testemunha F..., o qual mereceu toda a credibilidade e isenção por parte do Tribunal a quo, resultou evidente que a ofendida era vista com o aqui recorrente e que não demonstrava qualquer medo por aquele, angústia ou revolta, e que "iam normalmente como um casal", pelo que, face a tal depoimento, o Tribunal a quo nunca poderia dar como provado tal facto. Não se conseguiu produzir prova suficiente para que o Tribunal a quo pudesse dar tais factos como provados.

    O Tribunal a quo, ao dar como provados os acima mencionados factos, violou, entre outros, o Princípio da Livre apreciação da prova, consagrado no art. 127° do C.P.P., e o Princípio da Imediação, consagrado no art. 355° do C.P.P., porquanto tais factos não resultaram comprovados da prova produzida em sede de audiência de julgamento.

    Por outro lado, o Tribunal a quo, com o devido respeito que merece, considerou, indevidamente, dados como não provados os factos IV e VII da sentença a que ora se recorre.

    E fê-lo indevidamente porque, salvo melhor entendimento, resultou claro e evidente dos depoimentos prestados pelo arguido e pelas testemunhas D... e E..., ter sido produzida prova suficiente para considerar tais factos como provados.

    E relativamente ao facto VI, o Tribunal a quo, desconsiderou por completo a prova documental junta aos autos, mesmo após a ofendida ter confirmado aquele número como sendo o seu, não podendo desvalorar por completo um documento junto de teor imprescindível para a descoberta da verdade material, sem qualquer justificação ou contraprova.

    Ao considerar tais factos como não provados, apesar de ter resultado evidente o contrário da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente pelos depoimentos das testemunhas D... e E... e pelo documento junto aos autos aquando a Contestação, a sentença a que ora se recorre, viola o disposto no art. 127° do C.P.P.

    Por outro lado, e sem prescindir do supra exposto, os factos dados como provados não se inserem no objeto tutelado pela incriminação prevista no art. 152° do C.P., isto porque, a nossa lei procura tutelar com tal incriminação o bem jurídico saúde, integrando a saúde física, psíquica e moral.

    Isto porque, quanto ao conceito de maus-tratos e à identificação de comportamentos suscetíveís de enquadrar o conceito de maus-tratos, Nuno Brandão (em "A tutela especial reforçada da violência doméstica", Revista Julgar n° 12, Set-Dez 2010, pp9-4) entende que "devem estar em causa atos que pelo seu carácter violento sejam, por si ou quando conjugados com outros, idóneos a refletir-se negativamente sobre a saúde física ou psíquica da...

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