Acórdão nº 348/14.7T8STS-W.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução03 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 348/14.7T8STS-W.P1-Apelação Origem: Comarca do Porto-Santo Tirso-Inst. Central-1ª Sec.Comércio-J4 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge Seabra Sumário: I- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

II- A parte que impugne a decisão da matéria de facto não pode limitar-se a transcrever os depoimentos e concluir, sem mais, que com base neles se devem alterar determinados pontos factuais, a par disso terá de fazer a sua análise crítica.

III- Nos termos do nº 1 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais (que consagra o denominado princípio da especialidade do fim), a capacidade de uma sociedade comercial é medida pelo seu fim mediato, que é a obtenção de lucros, pelo que, por via de regra, não compreende a prática de actos gratuitos.

IV- A lei prevê, contudo, nos nºs 2 e 3 do citado artigo 6.º, factos impeditivos dessa incapacidade de prática de actos de natureza não lucrativa, permitindo, designadamente, que uma sociedade preste gratuitamente garantias a dívida de terceiro quando tenha um justificado interesse próprio na garantia ou quando esteja com a sociedade cuja dívida é garantida em relação de domínio ou de grupo.

V- O credor hipotecário, pelas forças do bem onerado com a hipoteca, apenas se pode fazer pagar até ao limite do seu crédito, sendo-lhe vedado, pela proibição do pacto comissório a que se refere o artigo 694.º do Cód. Civil, fazer seu, seja o prédio onerado, seja mais do que o montante do crédito que a hipoteca, segundo o seu título constitutivo, protege.

VI- Portanto, a hipotética diferença entre o montante da dívida e o valor do prédio que garante o seu cumprimento é irrelevante porque, face ao regime legal da hipoteca, está por natureza excluído ocorrer desproporção para efeito do disposto na alínea d) do citado artigo 158.º do CPEREF.

*I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Massa Falida B..., S.A, com sede na Rua ..., ..., Trofa, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, sob a forma do processo ordinário contra C..., S.A., com sede na ..., .., ..., Porto, pedindo que: a) Seja declarada nula, a constituição da garantia, isto é da hipoteca, a favor da Ré, que visou garantir o cumprimento de obrigações da sociedade B1..., S.A. para com a Ré, até ao limite máximo de Esc. 276.000.000$00 (duzentos e setenta e seis milhões de escudos), ou seja, € 1.376.682,20 (um milhão, trezentos e setenta e seis mil, seiscentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos); b) Como consequência da nulidade, requer o cancelamento do registo da referida hipoteca, nos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso, nas fichas n.º 00450/230487, n.º 00966/260290 e n.º 00650/110288, registado pela inscrição C-5, ap.33/031298 e respectivo averbamento de conversão av. 1, ap. 18/260299; c) Subsidiariamente, ser declarada ineficaz, em relação à massa falida, aqui Autora, a constituição da garantia, prestada à Ré, que onera os prédios da falida, de modo a ser liquidado em benefício dos credores, em sede de processo de falência.

*Para tanto, e em síntese, alegou que por sentença proferida em 12/07/2000, já transitada em julgado, foi declarada falida a sociedade comercial B..., S.A..

Em sede de reclamação de créditos, veio a Ré reclamar o seu crédito no valor de Esc. 228.426.666$00 (duzentos e vinte e oito milhões, quatrocentos e vinte e seis mil, seiscentos e sessenta e seis escudos), correspondente a € 1.139.287,41 (um milhão, cento e trinta e nove mil, duzentos e oitenta e sete euros e quarenta e um cêntimos).

Crédito este resultante da prestação de garantia da sociedade B..., S.A. a favor da Ré, mediante a constituição de hipoteca voluntária sobre três imóveis propriedade daquela, situados na Rua ..., ..., ... e descritos na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso, nas fichas n.º 00450/230487, n.º 00966/260290 e 00650/110288.

Tal garantia visou garantir o cumprimento de obrigações da sociedade B1..., Lda para com a Ré, até ao limite máximo de Esc. 276.000.000$00 (duzentos e setenta e seis milhões de euros), ou seja, € 1.376.682,20 (um milhão, trezentos e setenta e seis mil, seiscentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos).

Os prédios onerados representam o principal activo da sociedade Autora e constituem simultaneamente as suas instalações.

Tal hipoteca viola o princípio da especialidade do fim a que as sociedades comerciais estão vinculadas, nos termos do disposto no artigo 6.º do Código das Sociedades Comercias, pelo que, tal hipoteca é a nula, já que foi, também, prestada de forma gratuita.

Acresce, ainda, que tal hipoteca foi constituída numa fase em que a B..., S.A. passava por enormes dificuldades económicas e financeiras. Os principais credores que reclamaram no processo de falência da Autora apresentam créditos constituídos em data anterior à constituição daquela hipoteca.

Os bens dados de hipoteca constituem as instalações da falida e seus únicos bens. Com tal hipoteca a sociedade B..., S.A. ficou despojada do seu património para satisfação dos seus credores.

*O Réu regularmente citado, apresentou contestação, impugnando os factos alegados pela Autora em sede de petição inicial concluindo pela improcedência da acção.

*Foi elaborado despacho saneador, no qual se atestou a regularidade da instância, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

*A fls. 706, E..., Lda veio requerer a sua intervenção acessória ao lado da Autora, a qual foi admitida nos autos.

*Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do ritualismo legal.

*A final, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente por não provada e absolveu o Réu dos pedidos contra eles formulados.

*Não se conformando com o assim decidido veio a Autora interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: 1-O julgamento da matéria de facto padece de um erro de apreciação e valoração da prova produzida, concretamente dos depoimentos das testemunhas, F..., G..., H..., I..., J... e K...-estes três funcionários do C..., S.A.. os dois primeiros seus procuradores na escritura pública de hipoteca outorgada no dia 12/02/1999, aqui impugnada-cujos depoimentos se encontram gravados e se transcrevem excertos, que aqui se consideram integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, encontrando-se a final a transcrição completa a fim de que este Alto Tribunal melhor possa reapreciar a matéria aqui impugnada nos seguintes artigos: -F...: 35°e 48°;-G...: nos mesmos;-H...: 48°;-I...: 40° e 63°;-J...: os mesmos-K...:-63°- conjugados com os documentos a seguir identificados, erro que após a devida reponderação e reexame, se impõe seja corrigido, modificando-se a matéria de facto dada como provada e não provada, julgando-se a impugnação apresentada procedente, no sentido de que sejam modificados os factos dados como provados sob os números 19°e 23°-que inclua a matéria de facto dada como provada sob as alíneas a) e 27 e se aditem sete factos novos, sob os números, 28, 29, 30, 31 e 32 que inclua a matéria de facto dada como não provada sob as alíneas b) e c) e 34°-que inclua a matéria de facto dada como não provada sob a alínea d).

2 -da Prova documental a seguir referida a douta sentença recorrida apenas faz referência aos 8 primeiros documentos e mesmo na valoração destes, a mesma não é a adequada, cuidada e prudente, o que se impõe seja corrigido; 3-da prova documental, muito relevante para a descoberta da verdade material e para uma boa justa e prudente decisão da causa, constante dos autos, a seguir identificada, a douta a sentença recorrida faz uma errada apreciação dos documentos 1 a 8 e ignora os restantes documentos: 1.-Acta da falida B... fls. 295 a 297; 2.-Escritura pública de hipoteca fls. 51 a 57; 3.-Carta/proposta dê financiamento ao C... de 19/10/1998: fls. 989 a 995; 4.-Cheques fls. 1441 a 1473; 6.-Extracto de conta da falida de 02/1999 fls. 236 a 1239; 7.-Livro de registo de acções da falida fls. 758 a 778 8.-Contrato "..." com o mesmo Banco de 12/02/1999 1088 a 1098; Reclamações de crédito dos credores: 9.-Centro regional de Segurança Social fls. 293 a 295; 10.-L..., S.A. fls. 398 a 462; 11.-M..., S.A. fls. 156 a 163; 12.-Iapmei fls. 622 a 649 13.-N... fls. 84 a 112 fls. 266 a 267; 14.-O... fls. 266 A 267; 15.-P... fls. 203 a 211; 16.-Q..., Lda fls. 2 e seguintes dos Autos Principais; 17.-Relatório da administração fiscal fls. 775 a 831 da Falência; 18.-Certidão da Execução Ordinária n° 433/99, do extinto 2«juízo eivei deste Tribunal Instaurada pelo C... contra: a falida, a sociedade B1... e os administradores de ambas, G... e S... fls. 1279 a 1299; 19.-Certidão da reclamação de créditos n° 147/2001-A, do extinto 4° juízo cível do mesmo Tribunal, apresentada pelo mesmo Banco, contra os falidos: o administrador S... e mulher fls. 1344 a 1349 20.-Certidão da reclamação de créditos nº 156/01-A, do extinto juízo cível do mesmo Tribunal, apresentada pelo mesmo Banco, contra os falidos: o administrador G... e mulher fls. 1350 a 1355; 21.-Certidão da falência da B1..., S.A., extraída do Processo n° 715/1999, do extinto 2o juízo cível do mesmo Tribunal fls. 365 a 373 22.-Certidão do registo comercial das duas acima sociedades identificadas, juntas aos autos.

  1. - A matéria de facto impugnada, dada como provada sob os números 19°, 23° e 27°, tem a seguinte redacção: 19- Em Janeiro de 1999, a sociedade Falida já apresentava incumprimentos no pagamento a alguns fornecedores; 23-A hipoteca foi constituída sobre os prédios identificados em C), porquanto a B... tinha interesse no financiamento por dele depender a sua independência no grupo; 27- A B..., S.A. tinha, desde 1996 um capital social de Esc. 500.000.000$00 (quinhentos milhões de escudos) que era detido em...

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