Acórdão nº 37/14.2GCOVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DION
Data da Resolução21 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

RECURSO PENAL n.º 37/14.2GCOVR.P12ª Secção Criminal CONFERÊNCIA Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Jorge Langweg Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO 1.

No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Singular n.º 37/14.2GCOVR, do Juízo Local Criminal de Ovar, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, por sentença proferida a 13 de Dezembro de 2016, mas apenas depositada no dia seguinte (14/12/2016) foi o arguido B...

, com os demais sinais dos autos, absolvido da prática do crime de furto simples, previsto e punível pelo art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal, que lhe estava imputado, e condenado pela prática de 1 (um) crime de apropriação ilegítima, previsto e punível pelo art. 209º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 15,00 (quinze euros).

  1. Mais foi condenado a pagar, solidariamente com a sua representada “C..., L.da”, ao demandante D...

    , com os demais sinais dos autos, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, desde a sua notificação para contestarem o pedido civil até efectivo e integral pagamento.

  2. No decurso da audiência de julgamento, mais concretamente na sessão inicialmente designada para leitura de sentença, a 18 de Novembro de 2016, o arguido, confrontado com despacho a determinar a junção de documentos ao demandante civil e consequente interrupção da audiência e designação de nova data para o acto de publicitação da decisão, arguiu irregularidade, por entender que não se verificavam os pressupostos da reabertura da audiência que, todavia, veio a ser indeferida e cominada com 2 UC´s de taxa de justiça, por se entender que estava em causa acto anómalo à normal e regular tramitação dos presentes autos.

  3. Inconformado com tais decisões, o arguido B... delas interpôs recurso, o mesmo fazendo a demandada “C..., L.da”, no tocante à sentença, finalizando a motivação com as seguintes conclusões: (transcrição sem destaques) Recurso Interlocutório 1. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pela Inst. Local de Ovar no dia 18/11/2016 (cf. acta de audiência a fls…), despacho esse indeferiu a irregularidade arguida pelo recorrente relativa ao despacho proferido nesse mesmo dia e que ordenou a reabertura da audiência/produção de prova após ter sido declarada encerrada em 10-11-2016 a audiência de discussão e bem assim condenou o mesmo ao pagamento de uma taxa de justiça de 2 UC´s pela prática de ato anómalo (a arguição da própria irregularidade).

  4. O recurso tem por motivação a irregularidade do despacho proferido a 18/11/2016 e que ordenou a reabertura da audiência/produção de prova quanto à factualidade constante da Acusação/PIC após ter sido declarada encerrada a audiência em 10-11-2016 por violação do disposto nos artigos 165º, 340º, 360º nº 4, 361º nº 2, 371º e 371º-A CPP e bem assim a ilegalidade da tributação em 2 UC´s por errada interpretação do artigo 7º nº 8 do RCP.

  5. O artigo 340º não pode ser aplicado para sustentar/ordenar a produção de prova quanto aos factos constantes da acusação/PIC uma vez declarada encerrada a discussão.

  6. Se a prova que o Tribunal a quo pretende produzir após o encerramento da audiência de discussão não incidir sobre questões de determinabilidade da sanção está vedada tal iniciativa processual pelo que o despacho que determinou a produção/junção de prova documental violou (ou pelo menos fez uma incorrecta interpretação/aplicação) os artigos 340º, 360º nº4, 361º nº 2 e 371º do CPP devendo ser considerado irregular com as devidas e legais consequências (artigo 123º CPP) nomeadamente a invalidade dos actos subsequentes.

    Isto porque; 5. Findas as alegações seguem-se as últimas declarações do arguido e é declarada encerrada a audiência (artigo 361º do CPP) ficando esgotada a possibilidade de se usar o disposto no artigo 340º ou 360º nº 4 até porque a própria redação do artigo 361º nº 2 prevê uma única possibilidade de reabertura da audiência: o artigo 371º CPP (e atualmente após a reforma de 2007 o artigo 371º-A) 6. A inaplicabilidade do artigo 340º para determinação de produção de prova após o encerramento da audiência de discussão resulta da conjugação do disposto nos artigos 360º nº 4 e 361º nº 2.

  7. Se fosse intenção do legislador estender a aplicabilidade do artigo 340º para além da fase de alegações orais não faria sentido a consagração expressa da interrupção das mesmas para efeitos de produção probatória uma vez que logicamente tal estaria abrangido pelo próprio artigo 340º.

  8. Da conjugação do acima exposto resulta que, nos termos do artigo 165º do CPP só podem ser juntos documentos até ao encerramento da audiência, isso é, até ao encerramento da discussão, sendo que a mesma é declarada encerrada com as últimas declarações de arguido.

  9. No âmbito do nosso sistema processual encontramos preceitos que são verdadeiras manifestações do princípio da investigação, podendo o Tribunal ordenar oficiosamente a produção de meios de prova indispensáveis para a boa decisão da causa (ex: artigo 340º) sendo que subjacente a tais construções normativas está pois a descoberta da verdade material não podendo contudo a busca da verdade sacrificar o papel do julgador afectando a sua imparcialidade decisória transmutando-o em “órgão inquisitório”.

  10. O julgador deve ser um terceiro imparcial e uma consagração ampla do modelo investigatório na estrutura essencialmente acusatória do nosso sistema processual penal remete o Juiz para um papel activo na busca de material probatório colocando-o não numa posição de decisor mas de interveniente na própria produção probatória colocando em crise a própria legitimidade como julgador na medida em que este facilmente “perderá a posição objectiva e distanciada, própria dum julgado neutro, convertendo-o, pelo menos aos olhos do acusado, num seu adversário” 11. Conforme decidiu o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão datado de 10-02-2014 que veio a julgar procedente a arguição de irregularidade. A reabertura da audiência de julgamento para produção de prova suplementar só é lícita (só é possível) quando for necessária para a determinação da sanção aplicável ou, então, para benefício do próprio arguido, maxime para a sua absolvição: se é possível reabrir a audiência para aplicação de lei penal mais favorável, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, o mesmo deve ocorrer (após o encerramento da audiência) se surgir um meio de prova capaz de favorecer o arguido. IV – O art. 371.º do CPP só pode justificar a reabertura da audiência para as finalidades ali previstas, ou seja, "nos termos do n.º 2 do artigo 369.º", o qual pressupõe a necessidade de produção de prova suplementar "para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar.

  11. O despacho proferido em 18-11-2016 que ordenou reabertura da audiência/ produção de prova/junção de prova documental após ter sido declarada encerrada a audiência violou os artigos 165º, 340º, 360º nº 4, 361º nº 2 e 37º do CPP devendo ser considerado irregular com as devidas e legais consequências (artigo 123º CPP) nomeadamente a invalidade dos actos subsequentes que possuem conexão lógica e história com aquele (a junção dos documentos e a própria sentença).

  12. O Tribunal a quo ao condenar o recorrente ao pagamento de uma taxa de justiça de 2 UC´S por “acto processual anómalo” violou os artigos 7º do RCP”.

  13. A arguição de irregularidade não consubstancia um desvio ao normal andamento processual pelo que é insuscetível de tributação nem tendo autonomia processual própria.

  14. O entendimento de que a arguição de irregularidades é processada como um incidente processual, objeto de tributação em caso de improcedência, não tem qualquer suporte legal.

  15. O regime de custas em processo penal encontra-se expressamente previsto nos artigos 513º a 524º do Código de Processo Penal e no artigo 8.º do RCP 17. Da análise global do mesmo emerge a inexistência de norma específica para o processo penal que tribute como incidente arguição de nulidades e/ou irregularidades.

  16. Quanto muito poderia equacionar-se a aplicação de taxa sancionatória especial prevista no artigo 521º nº 1. Sucede porém que tal taxa está reservada a comportamento processual que entorpeça o andamento do processo injustificadamente o que manifestamente não é o caso nem tal artigo foi invocado pelo Tribunal a quo.

  17. O despacho recorrido na parte em que condena o recorrente ao pagamento de uma taxa de justiça de 2 UC é ilegal devendo ser revogado tendo o Tribunal a quo feito uma incorreta interpretação do artigo 7º do RCP.

    Recurso da Sentença Arguido B...

  18. É interposto o presente recurso da decisão proferida pelo Juízo Local Criminal de Ovar que a) Absolve o arguido B... do crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, antes o condenando (por convolação) pela prática, em autoria material, de um crime de apropriação ilegítima, p. e p. pelo art. 209º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €15,00 (quinze euros). b) Condena os demandados civis E... e “C..., Lda.”, a pagarem solidariamente ao demandante civil D... a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida dos correspondentes juros legais, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 805º, n.º 2, al. b), e n.º 3, 806º, n.ºs 1 e 2, e 559º, nº 1, ambos do Código Civil, contabilizados desde a notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil, e até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os do mais peticionado.

  19. O recorrente vinha acusado da prática de um crime de furto simples (203º n.º 1 do CP) e realizada a audiência de discussão e julgamento veio o recorrente a ser condenado, por convolação, pela prática de um crime de apropriação ilegítima, p. e p. pelo art. 209º, n.º 1, do Código Penal.

  20. A natureza acusatória do sistema processual penal português determina a existência...

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