Acórdão nº 6993/10.2TBMTS-K.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 6993/10.2TBMTS-K.P1 [Comarca do Porto / Juízo de Comércio de Santo Tirso] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório:No decurso da fase da liquidação do processo de insolvência em que é insolvente B…, contribuinte fiscal n.º ………, foi colocado à venda, mediante propostas em carta fechada o prédio urbano composto por casa de habitação com dois pisos e logradouro, sito na Rua … n.º …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº 552 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4691º, da freguesia da União de Freguesias de … e ....

Na publicidade da venda o administrador da insolvência mencionou que era condição de aceitação das propostas que fosse junto com estas, como caução, um cheque visado à ordem da massa insolvente no montante correspondente a 20% do valor base do bem ou garantia bancária no mesmo valor.

O credor C… apresentou uma proposta de aquisição do referido imóvel no valor de €101.001,01, juntando com a mesma um cheque visado à ordem da massa insolvente no valor de €24.441,10, correspondente a 20% do valor base do imóvel.

Na sequência da aceitação da proposta o administrador de insolvência, em representação da massa insolvente, celebrou com o credor C… um contrato de compra e venda da fracção pelo preço de €101.001,01.

Na cláusula segunda do referido contrato, relativa ao preço do bem, consignou-se que o adquirente depositou «a quantia de €24.441,10, estando dispensado de pagar o preço na qualidade de credor garantido, por direito de retenção, considerando-se o remanescente assegurado no encontro de contas que … terá de receber da massa insolvente, salvo no montante indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente, nos termos do n.º 2 do artigo 172.º, do CIRE».

Posteriormente, o credor adquirente requereu ao tribunal que fosse ordenado ao administrador da insolvência que restitua o cheque visado referindo que o cheque foi entregue a título de caução nos termos do artigo 164.º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e que em resultado da verificação e graduação do seu crédito o adquirente estava dispensado do pagamento do preço.

Foi ouvido o administrador da insolvência, o qual se opôs ao pedido de restituição, sustentando que o cheque serve de garantia ao pagamento das dívidas e custas da massa insolvente, pelo que não pode ser restituído até ao apuramento desses encargos.

A Mma. Juíza a quo proferiu então o seguinte despacho: «Indefere-se a restituição do cheque uma vez que o pagamento de 20% se destina a acautelar a dívidas da massa insolvente. Oportunamente se aferirá da existência de saldo a restituir ao proponente.».

Do assim decidido, o credor adquirente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1) O despacho de que se recorre decide da seguinte forma “Indefere-se a restituição do cheque uma vez que o pagamento de 20% se destina a acautelar a dívidas da massa insolvente”, a uma questão em que os aqui recorrentes apresentaram diversos argumentos para o seu direito à restituição do cheque, necessário e imprescindível se tornava rebater tal fundamentação de maneira a, de forma simples e clara, demonstrar que os recorrentes não tinham razão na sua pretensão.

2)Da simples leitura desta frase se conclui não conter a decisão qualquer justificação de direito. Inquestionável, sem dúvida.

3) O reporte à sustentação e facto, é, apenas, feita uma afirmação conclusiva, desamparada de qualquer suporte fáctico que não permite apreender e perceber qual a razão do acautelamento e qual a justificação para o percentual de 20%.

4) O tribunal ao proferir esta decisão não respeitou a obrigação de fundamentação, a que estava sujeito e tinha o dever funcional de cumprir religiosamente.

5) A decisão sob censura não representa um despacho de mero expediente, dado tratar-se de decidir da restituição ou não de um cheque, pelo que seria obrigatória a competente fundamentação.

6) A decisão sob censura está ferida de nulidade, nos termos das disposições combinada dos artigos 613º, n.º 3, e 615º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil.

7) E consubstancia, ainda, a violação do regime do artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, pois não se tratando de uma decisão de mero expediente, não está devidamente fundamentada, de acordo com o regime dos artigos 607º, n.ºs 3 e 4 e 154º, do sobredito código.

8) Os recorrentes são credores da massa insolvente da B…, no montante de €232.802,93, tendo o seu crédito sido verificado e graduado como garantido por direito de retenção sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º 552, no montante de €114.723,52, e a parte remanescente, ou seja, €118.079,41, verificado e graduado como crédito comum.

9) Nas diligências de liquidação, o AI nomeado, publicitou a venda do imóvel sob o qual impendia o direito de retenção dos recorrentes, a decorrer na modalidade de “propostas em carta fechada”, a realizar no seu escritório, no dia 5 de Julho de 2012, pelas 9H30M, a que correspondia o lote 1, em que a condição para aceitação da proposta seria a entrega como “caução”, um cheque visado à ordem da “massa insolvente B…”, no montante correspondente a 20% do valor base do bem, ou garantia bancária no mesmo valor.

10) Considerando que o valor base de venda do imóvel era de €122.205,48, cfr. doc. n.º 1, os recorrentes apresentaram uma proposta em carta fechada, e atenta a condição de validade da proposta ser a apresentação, a título de caução, de um cheque visado com o valor de 20% do valor base, instruíram a proposta, no valor de €101.001,00, com um cheque visado no valor de €24.441,10.

11) A caução é uma garantia especial de uma obrigação com regime de prestação previsto no artigo 623º e seguintes do Código Civil.

12) Como garantia do cumprimento de uma obrigação, só pode ser executada, no caso de o devedor ou o obrigado ao cumprimento da obrigação a não satisfazer.

13) Os recorrentes nunca foram notificados para o cumprimento de qualquer obrigação.

14) A exigência legal da caução de 20% do valor base do bem a vende, tem como ratio legis a eliminação de propostas não sérias, falsas, simuladas, como, invariavelmente vinha sucedendo em processos executivos e de falência.

15) Compreendem os bens da massa insolvente aqueles que foram apreendidos pelo AI nomeado, após a declaração de insolvência e servirem para satisfação das dívidas aos credores, bem como aqueles bens ou rendimentos que a massa insolvente adquirir após a declaração de insolvência.

16) O cheque em crise não foi entregue para realizar qualquer pagamento, sinal, antecipação de pagamento.

17) O cheque foi entregue para cumprir com a condição de validade da proposta apresentada, como caução.

18) Foi nestes precisos termos que os recorrentes entregaram o cheque visado à ordem da massa insolvente.

18) Os recorrentes e os restantes proponentes não foram alertados que a quantia de 20% do valor base se destinaria ao pagamento de custas do processo, remunerações do AI ou pagamento de dívidas da massa insolvente.

19) O valor titulado por esse cheque não corresponde nenhum rendimento da massa e, em consequência não pode ser apreendido e utilizado em seu favor.

20) O imóvel foi adjudicado aos recorrentes com dispensa do pagamento do preço.

21) No contrato de compra e venda, fez-se constar, por imposição do Sr. Administrador da Insolvência, a eventual responsabilidade dos recorrentes, por dívidas da massa insolvente, nos termos do n.º2, do artigo 172º, do CIRE.

22) Só são pagas as dívidas da massa insolvente que estiverem verificadas por sentença, transitada em julgado, nos termos das disposições combinadas dos artigos 140º e 173º do CIRE.

23) No caso “sub iudice” não se faz qualquer menção de dívidas que se encontrem nesta situação.

24) O artigo 165.º do CIRE garante aos credores de insolvência com garantia real, o que é o caso, uma posição idêntica àquela que teriam num processo executivo comum.

25) Em consequência, impõe-se a restituição do cheque aos aqui recorrentes, ou a transferência do seu valor nominal, ou seja, a quantia de €24.441,10.

26) Mas mesmo que assim não se considere, temos de atentar ao preceituado no artigo 172.º, n.º 2 do CIRE, em que a imputação das dívidas da massa a cada bem vendido não pode exceder a proporção de 10%.

27) E neste caso em concreto, essa imputação ascende a 20%, em clara violação do preceituado invocado retro.

28) O despacho em crise violou as seguintes disposições legais, entre outras, art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa, artigos, 613.º, 615.º, 607.º, 815.º, todos do Código do Processo Civil, artigo 24.º, n.º 1 e 154, n.º 1 da Lei 62/2013 de 26/08, artigo 165.º, artigo 172, n.º 2, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

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