Acórdão nº 379/16.2T8PVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelMIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Data da Resolução16 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 379/16.2T8PVZ.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Póvoa de Varzim – Juízo Central – 2ª Secção Cível, Juiz 3 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade*Sumário I- Entre nós vigora um “modelo do recurso de reponderação” em que o seu âmbito se encontra objetivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido, não podendo, assim, o tribunal ad quem conhecer de questão nova que não seja do conhecimento oficioso.

II- O erro de julgamento, enquanto fundamento da responsabilidade civil do Estado por atos da função judicial, deve ser demonstrado no próprio processo em que foi cometido e através dos meios de impugnação que forem aí admissíveis, e não na ação de responsabilidade em que se pretenda efetivar o direito de indemnização ou em recurso extraordinário de revisão.

III – A “prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente” a que se alude no nº 2 do artigo 13º da Lei nº 67/2007, de 31.12 constitui uma verdadeira condição (de procedência) da ação para efetivação da responsabilidade por erro judiciário e não um pressuposto processual negativo cuja inobservância conduza à absolvição da instância.

IV- Consequentemente se não se fizer a prova dessa prévia revogação da decisão danosa, não será possível considerar verificada a ilicitude, o que determina, só por si, a improcedência dessa ação.

V- Apesar do seu caráter restritivo, a exigência estabelecida no citado nº 2 do art. 13º da Lei nº 67/2007, de 31.12 não cerceia de forma arbitrária e desproporcionada o princípio da responsabilidade do Estado, não enfermando consequentemente de vício de inconstitucionalidade material por afronta aos princípios da segurança jurídica, da confiança jurídica e da unidade do sistema jurídico e do Estado de direito, da igualdade, da proporcionalidade e do acesso ao direito plasmados nos arts. 2º, 13º, 18º, 20º e 22º da Lei Fundamental.

*Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO B..., C... e D... intentaram a presente ação declarativa com processo comum contra o Estado Português alegando, em síntese, que, em 28 de março de 1995, propuseram uma ação declarativa sob a forma de processo sumário (que, sob o nº 188/95, correu termos no extinto 2º Juízo Cível do Tribunal de Santo Tirso) contra E..., Companhia de Seguros, F..., SPA, G... e Fundo de Garantia Automóvel (e em que foram intervenientes Brisa – Auto-Estradas de Portugal, S.A., H..., S.A. (H1...), Companhia de Seguros I..., S.A. e J..., Companhia de Seguros, S.A.), na qual concluíram pela condenação dos demandados no pagamento da quantia de 29.408.050$00, vindo a ser proferida, em 11 de junho de 2009, sentença que julgou essa ação improcedente e, em consequência, absolveu os réus e os intervenientes do pedido formulado, ato decisório esse de que foi sucessivamente interposto recurso para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça, que o confirmaram.

Acrescentam que na referida ação, para além da demora na prolação das decisões, foram cometidos erros grosseiros pelos juízes que as proferiram (desde logo porque foram julgados provados factos impossíveis) e geradores de danos aos autores, indemnizáveis no âmbito da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.

Concluem pedindo a condenação do réu no pagamento de um montante a liquidar em execução de sentença, que nessa altura, corresponda à quantia de €146.686,73, segundo o critério do artigo 561º do CC.

O réu Estado Português apresentou contestação na qual, desde logo, se defendeu por exceção dilatória, invocando a incompetência absoluta da jurisdição comum para conhecer do pedido formulado pelos autores por demora na realização da justiça; excecionou ainda a prescrição do direito destes, posto que os factos que substanciam o pedido que aduziram são do seu conhecimento há mais de três anos, considerando a data em que o demandado foi citado para a presente ação.

Acrescenta ainda que a presente ação deverá improceder, já que, neste tipo de ação de indemnização contra o Estado, é seu pressuposto essencial que as decisões proferidas tenham sido objeto de recurso, reclamação ou pedido de reforma no âmbito do próprio processo em que foram proferidas e nessa sequência tenham as decisões danosas sido revogadas pela jurisdição competente, o que, todavia, não se verificou no caso vertente.

Os Autores responderam a esta matéria nos termos que resultam do requerimento de resposta de fls. 101 e seguintes, defendendo que ao caso se aplica o n.º 3 do art. 498º do Código Civil, pois “configurando-se, em concreto, um homicídio por negligência grosseira, o prazo de prescrição é de dez anos, conforme resulta do art. 137º, n.º 2, conjugado com o art. 118º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal”; ademais, defendem que se fosse necessário a prévia revogação da decisão danosa, a presente ação não teria razão de ser, pelo menos em parte, ao que acresce que a necessidade de interpor uma ação declarativa para declarar que o Supremo Tribunal de Justiça errou ou de propor um prévio recurso de revisão da sentença, nos termos dos artigos 696º e seguintes do CPC, cuja revogação seria pressuposto da ação de indemnização, se traduz em qualquer caso em hipóteses burocratizantes, dispendiosas e prolongariam desnecessariamente no tempo o que deve ser julgado de uma só vez.

Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual veio a ser proferido saneador/sentença no qual se declarou “este Tribunal materialmente incompetente para conhecer do pedido de indemnização formulado pelos Autores na parte em que se alicerçam na violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, absolvendo o Réu da instância, quanto a esse pedido”. De igual modo se decidiu “julgar procedente a exceção de prescrição invocada e ainda que assim não fosse, julgar a ação manifestamente improcedente pela não verificação do pressuposto a que alude o nº 2 do art. 13º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, absolvendo assim o Estado Português do pedido que contra si foi formulado pelos Autores”.

Não se conformando com o assim decidido veio a autora B... interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES: 1.ª A sentença de que aqui se recorre, aferrada aos esquemas ou aspectos técnico-jurídicos e técnico-processuais, que mais que uma leitura das essências que dão corpo aos superiores princípios que dão consistência às ideias de direito e de justiça, que são princípios que expressam valores ético-jurídicos que a Constituição acolhe, espelha uma concepção própria do positivismo nominalista, em que este, nas palavras da lei tem o seu sentido e finalidade, relegando as coisas da vida e do convívio humano para posição secundária. Por isso deverá ser revogada. Posto isto: 2.ª Com base no facto dos Autores terem alegado que esperaram 19 anos por uma sentença judicial, facto que impediu o testemunho de uma pessoa que esteve no trágico evento, em que essa alegação teve em vista a demonstração da anormalidade do curso do processo cuja sentença é fundamento da presente acção, o Tribunal absolveu o Estado do pedido, quanto a este aspecto, por ser materialmente incompetente para conhecer de tal pedido. Todavia, os Autores não formularam qualquer pedido com base nesse facto, pelo que, nessa parte, a sentença deve ser revogada, porque violou o disposto nos art.ºs 552.º, n.º 1, e), 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, d) do C.P.C..

  1. Em relação ao pedido que os Autores formularam, o Tribunal decidiu assim: “Pelo exposto decide o tribunal julgar desde já procedente a excepção de prescrição invocada e ainda que assim não fosse, julgar a acção manifestamente improcedente pela não verificação do pressuposto a que alude o n.º 2 do art.º 13.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, absolvendo assim o Estado Português do pedido contra si formulado pelos Autores B..., C... e D...”.

  2. O esquema judicativo seguido pelo Tribunal é ilegal. A prescrição é uma excepção peremptória cuja verificação leva à absolvição do pedido, enquanto o requisito previsto no n.º 2 do referido art.º 13.º da Lei n.º 67/2007 (sem prejuízo do que adiante é alegado) é um pressuposto processual negativo, cuja verificação (caso seja normativamente válido) tem como consequência a absolvição da instância. Assim sendo as coisas, o Tribunal recorrido teria de se pronunciar primeiro sobre esse pressuposto, cuja falta levaria à absolvição da instância, já não podendo pronunciar-se sobre a prescrição. Com este modo de decidir o Tribunal violou o disposto nos art.ºs 577.º, 278.º, n.º 1, e) e 595.º, n.º 1, a) do C.P.C., pelo que a decisão deve ser revogada.

  3. Ao contrário do que foi escrito na sentença recorrida o direito dos Autores não prescreveu, por várias razões. Na verdade, se esta acção tinha de ser precedida da revogação da sentença proferida na acção que é fundamento da presente, sempre importaria determinar como essa sentença deveria ser revogada (acção autónoma, recurso e que recurso), e dentro de que prazo. Faltando estes esclarecimentos, e faltando a enunciação dos factos que integrariam a matéria jurídica esclarecida, nunca o Tribunal podia declarar o direito prescrito.

  4. A prescrição também não ocorreu por outras razões. Seja qual for o entendimento que se queira dar ao disposto no nº 2 do art.º 13.º referido, os efeitos do caso julgado da sentença que não reconheceu o direito dos Autores, em consequência de grave erro judiciário, não serão alterados. Essa sentença é que se tornou a causa (causa-título) do direito dos Autores contra Estado Português, resultando esse direito da conjugação do disposto nos art.ºs 2.º; 3.º, nº 1; 13.º; 202.º, nº1 e 22.º da Constituição, directamente aplicáveis por força do seu art.º 18.º, nº1.

  5. O direito constituído nos termos da conclusão 6.ª resultou do incumprimento do Estado perante os Autores...

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