Acórdão nº 279/14.0TAFLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução08 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. Nº 279/14.0TAFLG.P1 Secção Inst. Criminal – J2 – Inst. Central - Marco Canaveses, Comarca de Porto Este Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: Secção Inst. Criminal – J2 – Inst. Central - Marco Canaveses, Comarca de Porto Este, processo supra referido, em que é arguido B…, acusado da prática de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º n.º 1 do CP, foi proferida Decisão Instrutória de não pronúncia com o seguinte teor: “ (…) 3.2. Factos suficientemente indiciados.

  1. No dia 05/08/2013, foi dirigida ao DIAP de Felgueiras, sito nesta cidade e instância local de Felgueiras, uma queixa-crime contra os ora assistentes C.. e D….

  2. O arguido encontrava-se de relações sociais e familiares cortadas com os assistentes.

  3. A denúncia apresentada, que correu termos pelo DIAP de Felgueiras, pelo inq. n.º 441/13.3TAFLG, tinha o seguinte conteúdo, que se transcreve, em síntese, no que interessa e é relevante: “os arguidos remeteram para a sede da sociedade E…, Lda, duas cartas anónimas, uma delas dirigida ao seu legal representante (…), uma delas acompanhada de um cheque (…), pertencente à sociedade anónima F…, S.A., da qual são accionistas e legais representantes os arguidos. (…). Nas referidas missivas são feitas várias insinuações sobre a proveniência dos rendimentos do assistente. (…) Os arguidos agiram de forma deliberada, com pleno conhecimento da ilicitude do seu comportamento, agindo, assim dolosamente e com intuito de ofender gravemente a honra, consideração, o bom nome e reputação do assistente.” 4. No fim do inquérito, o M.P. consignou não existirem indícios suficientes da verificação do crime.

  4. Contudo, ainda assim, foi deduzida acusação particular pelo crime de difamação.

  5. Os assistentes e aí arguidos, notificados da acusação particular, requereram a abertura da instrução, tendo a final vindo a ser proferido despacho de não pronúncia.

  6. Quer na queixa quer na acusação particular sempre foi fundamentada a convicção de que os assistentes haviam sido os autores dos factos aí denunciados, no facto de “(…) o texto eventualmente escrito pelo punho da D….”.

  7. Todavia, conforme melhor consta da decisão instrutória, “o escrito (…) está escrito em computador e foi impresso por uma impressora, logo não está manuscrito para que pudesse ser comparada a sua escrita com a assinatura da arguida constante no cheque junto aos autos. Donde, perante tal depoimento, cremos que tal declaração do assistente roça a denúncia caluniosa, já que o mesmo não podia deixar de saber que estava a imputar um facto falso à arguida em causa, qual seja o de ter redigido pelo seu punho o escrito de fls. (…)”.

  8. Não se conformando com tal decisão instrutória, foi interposto recurso para o Tribunal da Relação, tendo a final sido mantida a decisão recorrida.

  9. Na queixa-crime, na acusação particular e no recurso interposto, é afirmado terem sido os assistentes os autores materiais dos factos.

    3.3. Factos não suficientemente indiciados.

  10. Foi o arguido quem dirigiu ao DIAP de Felgueiras, a queixa-crime referida em 1.

  11. Foi o arguido quem decidiu deduzir acusação particular referida em 5.

  12. Foi o arguido quem interpôs recurso para o Tribunal da Relação.

  13. Foi o arguido quem assinou e subscreveu, o referido em 11, 12 e 13.

  14. O arguido sabia que os assistentes nada tinham a ver com os factos denunciados e neles não comparticiparam a qualquer título, nem os praticaram por intermédio de terceiros ou os mandaram cometer, encontrando-se consciente da falsidade das imputações.

  15. O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com a intenção pré-ordenada de denunciar os assistentes, pela prática de factos ilícitos com relevância criminal, não obstante saber que tal imputação era falsa e não correspondia à realidade. 17. Agiu ainda bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

    3.4. Motivação.

    A factualidade dada como suficientemente indiciada resulta de uma análise das peças processuais que fazem parte do processo de inquérito 441/13.3TAFLG.G1 (queixa – fls. 64 a 68 -; acusação particular – fls. 97 a 92, requerimento de abertura da instrução – fls. 93 a 101; despacho de não pronúncia – fls. 191 a 210; e acórdão do Tribula da Relação de Guimarães – fls. 121 a 122).

    Dito isto, vejamos os factos dados como não suficientemente indiciados.

    Diz-se na acusação que o arguido dirigiu ao DIAP de Felgueiras a queixa-crime.

    Com todo o respeito não existem indícios de ter sido o arguido, no sentido naturalístico do termo, a pessoa que enviou a queixa, porquanto não sendo a mesma por ele subscrita, já que o foi apenas pela mandatária (Dr.ª G…), tudo indicia ter sido a respectiva causídica, ou alguém desconhecido por sua ordem, quem procedeu ao envio da queixa.

    Tal como foi a referida causídica quem a redigiu – aliás utilizando papel timbrado.

    E o que se diz relativamente à queixa, vale exactamente nos mesmos termos para a acusação particular e para a interposição do recurso, já que as referidas peças processuais são apenas assinadas pela supra referida mandatária, o que se mostra documentado nos autos quanto à acusação particular e quanto ao recurso pese embora se não mostre junto aos autos fisicamente tal peça jurídica o normal é a mesma apenas ser subscrita por advogado, já que é obrigatória a assistência.

    O que se acaba de dizer é categórico quer no que diz respeito ao envio quer no que diz respeito aos dizeres. Embora não se reconheça que o Advogado goza no exercício da sua profissão de prorrogativas destinadas ao exercício livre do mandato, não podendo ser sancionado pela prática de actos conformes ao estatuto da respectiva profissão, o certo é que a Il. Advogada não foi ouvida no processo.

    Não foi, mas podia e devia. Pelo menos devia ter sido tentada a sua inquirição, certamente na qualidade de testemunha, cabendo-lhe então nessa qualidade responder ou suscitar ou não questões ligadas ao segredo profissional, mas que, se invocado, poderia ser ultrapassado mediante o recurso ao mecanismo processual previsto no artigo 135.º do CPP.

    E esta constatação não colide flagrantemente com uma outra e que é a de que de acordo com as regras próprias da deontologia profissional o advogado escreve na peça processual os factos que lhe são transmitidos pelo seu cliente, convencido de que correspondem à verdade.

    Esta regra embora tendencialmente verdadeira não é absoluta.

    E assim, sem mais, não pode ter-se por assente (mesmo que indiciariamente) que o teor da queixa corresponde ao que fora transmitido à advogada subscritora pelo ora arguido, então queixoso (e o que vale para a queixa vale para a acusação particular e para o requerimento de recurso – aliás peças processuais que encerram um conteúdo técnico-jurídico).

    Na verdade, como se referiu, o subscritor de cada uma das referidas peças não foi o arguido.

    É que aquela verdade, a ser quase absoluta, e não é, apenas podia valer para a queixa e já não para a acusação particular (o facto de o MP ter afirmado a ausência de indícios suficientes teria de ser um elemento de interrupção na crença na verdade do contado pelo ora arguido) e muito menos para o recurso (a própria decisão instrutória já falava em “denúncia caluniosa” – cfr. fls. 203 – mas mesmo assim a Il. mandatária interpôs recurso).

    E basta olhar para o teor da queixa e da acusação particular para se constatar ser esta uma cópia daquela.

    Quando se sabe que no que diz respeito à participação nos dizeres insertos nas peças processuais e às relações entre os advogados subscritores e os mandantes – a saber com recurso ao que resulta do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23/05/2012, proc. 1289/10.2T3AVR.C1, www.dgsi.pt/jtrp (e que o STJ acolheu no acórdão de 18/06/2014, proc. 144/11.3TRPRT.S1) – é possível configurar três situações distintas: Uma em que o advogado transfere para a peça processual aquilo que o cliente lhe disse depois de o advertir expressamente das consequências que daí podem ocorrer; Outra em...

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