Acórdão nº 256/16.7PAPVZ-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução29 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. 256/16.7PAPVZ-B.P1 1ª Secção ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo comum nº 256/16.7PAPVZ, que corre termos na Comarca do Porto, Instância Central de Matosinhos, 2ª Secção de Instrução Criminal, J1, o M.P. deduziu acusação contra B…, C… e D…, pela prática, em co-autoria material e concurso efectivo de: - um crime de furto qualificado, praticado a 12/03, p.p., pelos Artsº 203 nº1, 204 nsº1 al. f) e 2 als. e) e g), por referência ao Artº 202 al. e), todos do C. Penal; - um crime de furto qualificado, praticado a 17/03, p.p., pelos Artsº 203 nº1, 204 nº2 als. a), e) e g), por referência ao Artº 202 als. b), d) e f), todos do C. Penal; - dois crimes de uso de documento contrafeito, p.p., pelos Artsº 256 nº1 als. e) e f) e 255 al. a), ambos do C. Penal e - um crime de associação criminosa, p.p., pelo Artº 299 nsº1, 2 e 5 do C. Penal.

Os arguidos requereram a abertura de instrução, solicitando a sua não pronúncia pelos crimes imputados.

Realizada a mesma, foi decidido: - não pronunciar os três arguidos pelo crimes de associação criminosa que lhes era imputado; - não pronunciar o arguido B…, pelos dois crimes de uso de documento contrafeito que lhe era imputados; - pronunciar os arguidos nos demais termos constantes da acusação pública e acima referenciados.

B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o M.P. junto do tribunal recorrido, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): 1º Cerca das 17h45m, do dia 17/03/2016, o arguido B… foi constituído como arguido na Esquadra da PSP …, tendo assinado o respectivo auto redigido em castelhano.

2º Apesar de saber que a isso não estava obrigado, decidiu colaborar com as autoridades policiais e indicou a morada que tinha arrendado para si e para os co-arguidos, tendo seguido com os agentes da PSP até ao referido local e aberto da porta de casa.

3º O arguido B… consentiu de forma implícita a referida busca domiciliária, bem como as buscas aos veículos que utilizavam.

4º Tendo assinado a autorização de busca domiciliária à sua residência, sita na R. …, nº …, ….-… em Vila Nova de Gaia, no dia 17/03/2016, às 19h.

4º Acontece que este auto de autorização está redigido em português.

5º Assim, o MMº Juiz a quo considerou que a busca domiciliária era nula, por ter sido documentada a autorização na língua portuguesa, nos termos do disposto no art. 92º, nº 2 e 120º, nº 2, c) do CPP.

6º E, decidiu que, apesar de a mesma ter sido efectuada ao abrigo do disposto no art. 251º do CPP, ao não ter sido validada pelo JIC, nos termos do art. 174º, nº 6, do CPP, busca era nula bem como as consequentes apreensões, nos termos do disposto no art. 120º, nº 3, c) e 122º, nº 1 e nº 2 do CPP.

7º E, estando, assim, invalidade de forma significativa a prova indiciária, não pronunciou os arguidos pelo crime de associação criminosa, p e p pelo art. 299, nºs 1, 2 e 5 do CPP nem o arguido B… pela prática de dois crimes de uso de documento contrafeito, p e p pelo 256º, nº 1, e) e f) e 255º, a) do Cód. Penal.

8º O despacho recorrido violou o disposto no art. 174 do CPP, bem como os arts. 92º, nº 2 e 120º, nº 2, c) do CPP.

9º Pois que o arguido manifestou inequivocamente o seu consentimento para a realização da busca domiciliária e não arguiu a nulidade prevista no art. 92º, nº 2 do CPP, no prazo de 10 dias.

10º Deste modo, salvo melhor opinião, deve ser decidido que a busca foi realizada de acordo com os requisitos legais, tal como resulta dos respectivos autos e validada por despacho da autoridade policial competente.

11º Mantendo-se válida toda a prova indiciada, devem os arguidos ser pronunciados pelos crimes pelos quais foram acusados.

DEVE, assim, ser dado provimento ao presente recurso, revogando o despacho que considerou nula a busca domiciliária e, consequentemente, proferir despacho de pronúncia nos precisos termos em que os arguidos foram acusados.

C – Resposta ao Recurso Os arguidos responderam ao recurso, concluindo da seguinte forma (transcrição): 1. Não assiste qualquer razão ao recorrente Ministério Público, na medida em que, é manifesto que a busca domiciliária efectuada nos presentes autos é nula, e consequentemente as provas recolhidas através da referida diligência não podem ser valoradas, por igualmente nulas.

  1. Foi violado o disposto no artigo 92.º n.º 2 do Código de Processo Penal, uma vez que, apesar de resultar dos autos que os recorridos não conhecem, e muito menos dominam a língua portuguesa, não lhe foi nomeado intérprete aquando da autorização para realização de busca, nem na diligência em si mesma.

  2. A inobservância da regra de nomeação de interprete, consubstancia uma nulidade prevista no artigo 120.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal, sendo certo que, não assiste qualquer razão à recorrente quando refere que a referida nulidade foi arguida tempestivamente.

  3. Não era exigível que os recorridos invocassem a referida nulidade até ao termo do ato em que a mesma foi cometida, uma vez que, por um lado, não estavam representados por defensor, e por outro lado, porque a reação a tal violação da lei pressupõe conhecimentos técnicos-jurídicos que os mesmos não detêm por não serem advogados.

  4. O defensor só conseguiu arguir a referida nulidade aquando do recurso apresentado da medida de coação aplicada, pois, o processo estava em segredo de justiça, e não lhe foi permitida a consulta do processo, sendo ainda certo que, aquando da realização do primeiro interrogatório judicial o defensor ainda não tinha conhecimento de que os recorridos tinham assinado autorização para a realização de busca domiciliária sem a presença de intérprete e sem que o auto estivesse traduzido para espanhol.

  5. É falso que o arguido B… tenha assinado a referida autorização depois de ter decidido colaborar com as autoridades, pois, através do visionamento das fotografias juntas aos autos, dúvidas não existem de que os arguidos só prestaram informações às autoridades policiais após terem sido agredidos.

  6. A nulidade por falte de nomeação de intérprete foi arguida logo que o defensor dos recorridos teve conhecimento da mesma, pelo que, é manifesto que acarreta a invalidade da autorização, e, consequentemente, da busca e das apreensões.

  7. Apesar de constar dos autos que os arguidos são cidadãos de nacionalidade Colombiana e Guatemalteca, e não são conhecedores, e muito menos dominam a língua portuguesa, e pesar de já terem a qualidade de arguidos aquando da realização da busca, e, por isso serem beneficiários dos direitos inerentes a tal qualidade, a verdade é que, em violação do disposto no artigo 64.º alínea d) do Código de Processo Penal, aquando da autorização e da realização da busca domiciliária, os recorrentes não estavam representados por defensor.

  8. Tal situação, constitui uma nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea c) do Código de Processo Penal.

  9. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 122 do Código de Processo Penal, as nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem, pelo que, é manifesto que além das autorizações, também as buscas, quer domiciliárias, quer não domiciliárias, e as apreensões efetuadas são inválidas.

  10. Quanto à busca domiciliária importa também referir que o mesmo também não foi feito aquando da detenção de flagrante delito, conforme pretende fazer crer a Exmª Senhora Procuradora da República no recurso a que se responde.

  11. Os recorridos foram detidos através de mandado de detenção fora de flagrante delito, no entanto, mesmo que tivessem sido detidos em flagrante delito a verdade é que, aquando da realização da busca domiciliária o flagrante delito já havia cessado, pois, o recorrido B… foi detido às 17.00 horas, posteriormente foi para a esquadra da PSP onde foi constituído arguido pelas 17:45h, e a busca domiciliária só ocorreu às 19:50h, pelo que, quando ocorreu a busca domiciliária já não havia flagrante delito, o qual cessou com a detenção.

  12. Neste sentido, perante situação semelhante, seja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.02.2015, proc. n.º 81/14.0PJLRS-A.L-1, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.01.2016, proc. n.º 360/15.9PBLRS-A.L1-9, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-12-2009, proc. n.º 60/09.PJCSC-AL1-5.

  13. No âmbito do direito comparado, importa referir que tal entendimento tem sido entendimento pela jurisprudência e doutrina espanhola.

  14. Os requisitos do flagrante delito, numa interpretação constitucional do preceito que permite a entrada policial no domicílio, para busca, são a perceção evidente do...

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