Acórdão nº 6914/16.9T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MOTA RIBEIRO
Data da Resolução22 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 6914/16.9T8PRT.P1 – 4.ª Secção Relator: Francisco Mota Ribeiro*Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto1. RELATÓRIO1.1.

No dia 08 de fevereiro de 2016, o relator proferiu nestes autos a seguinte decisão sumária: “1. Relatório 1.1. No âmbito do processo contraordenacional, que teve por base o auto de notícia de contraordenação levantado a 17/12/2005 pela Divisão de Trânsito, notificada a recorrente do arquivamento dos autos por prescrição, veio a mesma solicitar a restituição da quantia voluntariamente paga, de €500,00, correspondente ao valor mínimo da coima, p. e p. pelos art.ºs 81º, nºs 1 e 5, al. b), 138º e 146º, al. j) do Código da Estrada, pretensão que lhe foi negada pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).

1.2. Não se conformando, impugnou a recorrente judicialmente tal decisão, nos termos que constam de fls. 36 a 44 dos autos.

1.3. Por despacho proferido na Secção de Pequena Criminalidade, J 1, da Instância Local da Comarca do Porto, de 15/09/2016, foi julgada improcedente a impugnação judicial.

1.4. Não se conformando novamente, interpôs recurso de tal decisão, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões: “A/ Em processo de contraordenação, o pagamento do depósito efetuado no momento da autuação, não se converte sempre em pagamento voluntário da coima; B/ Devendo ser restituído ao arguido sempre que é proferida decisão de arquivamento por prescrição.

C/ Aceitar-se o contrário constituirá grave violação do direito de defesa, do direito ao recurso, da violação da presunção de inocência e do instituto da prescrição.

D/ A recorrente apresentou impugnação judicial da decisão condenatória proferida pela ANSR, que não foi julgada por inércia, por culpa exclusivamente imputável àquela Autoridade Administrativa - que não a apreciou como devia e estava obrigada, nem a remeteu ao Tribunal para que fosse julgada.

E/ À recorrente não estava vedada a possibilidade de, em impugnação judicial, ver discutida e julgada a prática da infração em que viria a ser condenada; F/ Pelo que, tendo-lhe sido vedada tal possibilidade pela atuação da ANSR, viu a recorrente restringidos os seus direitos de defesa e à tutela efetiva, ferindo de ilegalidade e de inconstitucionalidade a decisão proferida, por violar o disposto no art.º 55º e 59º do RGCO e os art.ºs 18º, 20º e 32º da Constituição da Republica Portuguesa.

G/ A recorrente não se conforma com o facto de a ANSR não restituir as cauções prestadas pelos arguidos, nos casos em que, por inércia sua, os processos de contraordenação prescreverem, não lhe cabendo a possibilidade de, nos casos em que os processos prescreveram (em que deixou os processos prescreverem), apurar do preenchimento dos requisitos do art.º 173° do Código da Estrada; H/ Manter-se a decisão agora sob recurso configura violação do direito de defesa da recorrente, que, não obstante ter impugnado judicialmente a decisão condenatória proferida, não viu decidido tal recurso por culpa da ANSR e, não obstante, acabou - sem julgamento - condenada no pagamento de €500,00.

I/ A apresentação da defesa em processo contraordenacional, tem carácter facultativo, e não pode ter qualquer efeito cominatório - como acabou por lhe fixar a decisão da Autoridade Administrativa e a sentença em crise; J/ Em matéria contraordenacional o direito de defesa não se esgota na apresentação da defesa à matéria que consta do auto de contraordenação - vai para além desse momento, até ao momento em que a decisão condenatória pode ser judicialmente impugnada (e ainda não transitou em julgado).

K) Tendo a aqui recorrente optado por exerce o seu direito de defesa após prolação pela ANSR da decisão de condenação - mediante impugnação judicial, apresentada no tempo e modo próprios-, não pode entender-se que o valor por si pago no momento da autuação, se converteu em pagamento voluntário da coima.

L/ O direito ao recurso, que constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal (aplicável ao processo contraordenacional), com consagração constitucional, foi de forma inaceitável limitado à recorrente, por absoluta inércia da ANSR que, após apresentação daquele, nada fez senão recusar a restituição à recorrente do valor por si pago.

M/ No processo de contraordenação hão de valer os direitos e garantias constitucionalmente consagrados de direito de audiência e defesa, de acesso ao direito e á tutela jurisdicional efetiva, sob pena de violação da Lei Fundamental.

N/ A decisão de que se recorre não atentou, nem por um momento, no facto que determinou que o processo tivesse sido arquivado - a prescrição.

0/ O processo prescreveu porque a autoridade administrativa não proferiu decisão em tempo útil, pretendendo agora aproveitar-se da sua própria inércia, em claro prejuízo da recorrente, cujo processo nunca foi objeto de decisão.

P/ Não restituir o pagamento efetuado configura transmissão patrimonial sem causa justificativa, isto é, enriquecimento sem causa, que impõe a obrigação de restituir o que foi “indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou” (de acordo com o art.º 473º do Código Civil).

Q/ Restituição que impõe também o princípio da presunção da inocência, que vale no processo contraordenacional, já que a não restituição do valor pago configura imputação á recorrente de culpa provável, traduzindo a atribuição de efeitos resultantes da determinação da culpa da recorrente, sem que previamente se tenha provado a sua culpabilidade.

R/ O arquivamento do processo, declarada que foi a prescrição, não é suficiente para repor a situação em que a recorrente se encontrava antes da instauração do procedimento contraordenacional. Essa situação só se mostra reposta se lhe for restituído o que - mal ou bem, a titulo de coima ou de depósito - pagou, tenha ou não apresentado defesa escrita.

S/ Num Estado que se quer de Direito é inadmissível que sejam desta forma preteridos os direitos dos cidadãos, em clara afronta dos princípios legais e constitucionais que regem a defesa dos arguidos também nos processos de...

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