Acórdão nº 2115/04.7TBOVR.P3 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelVIERA E CUNHA
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

● Rec. 2115/04.7TBOVR.P3.

Relator – Vieira e Cunha.

Adjuntos – Desembargadores Maria Eiró e João Proença Costa.

Decisão de 1ª instância de 29/5/2016.

Acórdão do Tribunal da Relação do PortoNotícia ExplicativaRecursos de apelação independente e subordinado interpostos na acção com processo declarativo e forma comum ordinária nº2115/04.7TBOVR, da Comarca de Aveiro, Instância Central.

Autores – B… e mulher C….

Ré – D…, S.A.

Interveniente Principal (pelo lado passivo) – E…, S.A.

PedidoQue a Ré seja condenada a remover toda a estrutura da subestação eléctrica, incluindo as seis linhas de alta tensão que passam por cima do prédio dos AA., sustentadas por dois postes, ou, em alternativa, a proceder à desactivação/encerramento da mesma.

Subsidiariamente:A indemnizar os AA. na quantia de €157.000, correspondente ao valor da desvalorização do prédio dos AA., nos termos referidos em 42º a 54º e 78º a 87º da P.I., acrescida dos juros vincendos, à taxa de 7%, desde a data da citação, até integral pagamento.

Em qualquer dos casos, condenada a Ré a pagar aos AA.

: A quantia de €12.500, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos, acrescida dos juros vincendos, á taxa de 7%, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

Tese dos AutoresSão proprietários de um prédio urbano destinado a habitação, construído em 1969; a Ré, por volta de 1972, instalou uma subestação de alta tensão (central eléctrica) em local contíguo ao prédio dos AA., que causou e continua a causar graves danos aos AA.

Designadamente, sofrem os AA. de sensação de calor, irritações de pele, inflamações, dores de cabeça e de ossos e articulações, provocados por calor e ambiente pesado sentido na casa de habitação e que tem motivado que a Autora mulher venha recorrendo a médicos de diversas especialidades.

Os transformadores e os ventiladores da subestação provocam ruído incomodativo e penoso, claramente audível, sobretudo à noite.

Estes sintomas agravam-se com chuva e humidade, acontecendo explosões nos isoladores cerâmicos da subestação. Os AA. verificam, em consequência, queda de um candeeiro e rachadelas nas paredes.

Dois potentes holofotes estiveram virados para a habitação dos AA.

Esta situação desvaloriza o prédio dos AA.

Computam o valor do respectivo dano não patrimonial no valor que peticionam.

A fls. 118 dos autos, deduzem o incidente de intervenção provocada, a título subsidiário, de:Tese da RéA subestação identificada não pertence à Ré.

Impugna motivadamente a factualidade descrita na Petição Inicial.

Tese da Interveniente E… Os prejuízos invocados pelos AA. ocorreram há mais de 3 anos antes da citação da Interveniente, pelo que o direito dos AA. se encontra prescrito.

A instalação em causa existe desde 1972, sujeita a projecto e obedecendo a todas as boas regras da arte.

Os proprietários dos terrenos foram indemnizados.

Os direitos da Interveniente sobre a subestação e as linhas aéreas foram também adquiridos por usucapião.

Impugnam os danos invocados pelos AA., nas respectivas pessoas.

Saneador-SentençaConhecendo parcialmente da procedência da excepção peremptória de prescrição do direito à indemnização, o Mmº Juiz “a quo” julgou tal excepção improcedente, na medida em que os danos invocados se reportem aos últimos três anos anteriores à acção.

O assim decidido transitou em julgado.

SentençaA final, a Mmª Juiz “a quo” julgou a acção parcialmente procedente, pelo que respeita apenas à Interveniente E…, S.A., e, em resultado disso, condenou a Interveniente E…, S.A., a pagar ao A. B…, por danos não patrimoniais, €4.000,00; e à A. C…, por danos não patrimoniais, €6.000,00.

Estando actualizadas estas quantias, os juros de mora, à taxa civil, são devidos desde a data da prolação da sentença.

No mais, foram a Ré e a Interveniente absolvidas do pedido.

Conclusões do Recurso de Apelação apresentado pelos Autores: 1.O tribunal a quo não apreciou devidamente, na sua globalidade, a prova produzida, pelo que existe erro de julgamento na apreciação da matéria de facto.

  1. Atendendo à prova produzida, nomeadamente, testemunhal e declarações de parte dos Autores, deveria ter ficado a constar dos Factos Provados o que consta do IV – A) das presentes alegações, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

  2. Atendendo à prova produzida, nomeadamente, testemunhal e declarações de parte dos Autores, os FACTOS PROVADOS da sentença, nºs 12, 13, 16, e 38, não estão inteiramente correctos, pelo que se impõe a alteração dos mesmos nos termos expostos em IV-B) das presentes alegações, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

  3. Atendendo à insuficiência da prova produzida, não se deveria ter dado como provado o que consta do: Facto Provado nº28, nos termos expostos em IV-C) das presentes alegações, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

  4. Sem prejuízo de virem a ser dados como provados os factos sobre os quais se entende que não foi feita uma correcta apreciação da prova, a matéria de facto provada, designadamente, em 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18 dos Factos Provados, configura a existência concreta de danos não patrimoniais sofridos pelos Autores.

  5. Estes danos são imputáveis à actividade desenvolvida pela Interveniente E1… na subestação e na exploração das linhas que dela chegam e saem, designadamente, das linhas que passam sobre a casa dos Autores, uma vez que in casu, se encontram verificados os elementos integradores da responsabilidade civil extracontratual da Interveniente E1…, nos termos expostos em V-A) das presentes alegações, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

  6. A Interveniente E1… não ilidiu a presunção de culpa do 493º, nº2, dado que não mostrou que “empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”, nos termos expostos em V-A) das presentes alegações, e que aqui se dá por integramente reproduzido.

  7. Mesmo admitindo – o que só por mera hipótese se presume, que a Interveniente conseguiu ilidir a presunção de culpa do nº 2 do art. 493º do CC, sempre teriam que sobrepor-se, no caso concreto, os direitos de personalidade dos Autores ofendidos com a actividade da Interveniente E1…, aos direitos económicos desta última, nos termos expostos em V-A) das presentes alegações, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

  8. Temos, assim, de um lado, o direito dos Autores a um ambiente de vida humano, sadio, ecologicamente equilibrado (art.66º da CRP), o direito ao repouso necessário à preservação da integridade pessoal (art.25º da CRP), o direito à saúde (art. 64º da CRP),o direito à habitação que preserve a intimidade pessoal e a privacidade da família (art. 65º da CRP), o direito à tutela geral da personalidade prevista no art.º70º do C. Civil; e, do outro, temos o direito da Interveniente E1… ao exercício da sua actividade económica/comercial de exploração/distribuição de energia eléctrica (direito à iniciativa privada).

  9. Pelo que estará aqui em causa a questão da compatibilização entre direitos fundamentais em conflito.

  10. A C.R.P. concede uma maior protecção aos direitos de natureza “Direitos, Liberdades, Garantias”, do que aos direitos de natureza “económica, social e cultural”.

  11. Por sua vez, determina o art.º 335º, nº1 do CC que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”.

    E o seu nº2 acrescenta que “se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.” 13.A jurisprudência dominante tem vindo a entender que no caso de colisão entre um direito de personalidade e um direito de não personalidade (direito económico), devem prevalecer, em princípio os bens ou valores pessoais aos bens ou valores patrimoniais, de acordo com o estipulado no nº2 do artigo citado.

  12. E, ainda, que o exercício de uma actividade económica deve ceder perante direitos de personalidade merecedores de tutela jurídica, mesmo nos casos em que aquela actividade seja autorizada administrativamente, ou respeite, por exemplo os níveis de ruído permitidos por lei, desde que provados danos em concreto.

  13. Nestes casos, mesmo que a actividade em causa possua as competentes licenças de exploração/funcionamento, continua a existir o direito de oposição por particulares quando haja ofensa dos seus direitos de personalidade. É que os direitos de personalidade são protegidos, em termos gerais, contra qualquer ofensa ilícita, independentemente de culpa ou de intenção de prejudicar terceiros.

  14. Há que averiguar, in casu, se se justifica um dever/obrigação por parte dos AA. de suportar, em exclusivo, na sua esfera jurídica, lesões dos seus mais elementares direitos de personalidade, constitucionalmente protegidos, em nome do interesse público que, inegavelmente, reveste a actividade privada desenvolvida pela Interveniente E1….

  15. Entende-se que no caso concreto deverão prevalecer os direitos dos Autores supra descritos, em detrimento do direito económico da Interveniente E1… ao exercício da sua actividade comercial, nos termos supra exposto em V-B), que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

  16. Como se entendeu no Ac. Rel. Lisboa, de 12.02.2013, Proc. 110/2000.L1-7, in www.dgsi.pt, num caso semelhante de colisão de direitos, “Todavia, os particulares não estão sujeitos ao dever de, em qualquer circunstância, em nome do interesse público, suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios que em nome do bem comum ou da sociedade devam ser suportadas por esta.” 19.Pelo que assiste aos Autores o direito de exigirem a remoção ou desactivação da subestação e das linhas que passam sobre a casa.

  17. É que, apesar da remoção ou desactivação da subestação e das linhas ter um custo económico apreciável, pelo menos, para o comum das pessoas, nunca é demais salientar que os lucros da E… em 2014 foram de 1.040 milhões de euros! E que em 2015 a própria E… fez uma previsão de lucros...

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