Acórdão nº 462/13.6TALSD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução31 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pr462/13.6TALSD.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – B… veio interpor recurso da sentença do Juiz 1 da Secção Criminal da Instância Local de Lousada do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este que o condenou, pela prática de um crime de falsidade de depoimento, p. e p. pelo artigo 360.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de noventa dias de multa, à taxa diária de seis euros.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso: « A- Discorda-se dos pontos 2.1.2.,2.1.9,2.1.11 e 2.1.12 da fundamentação da sentença, porquanto é manifestamente insuficiente a prova produzida para que aquela matéria pudesse ser dada como provada.

B.- O Tribunal entendeu ser suficiente o depoimento de uma testemunha, no sentido de ter sido efetuada a advertência das consequências penais de um eventual depoimento falso ao arguido, considerando que "o facto deste militar não se recordar da situação concreta em nada retira credibilidade ao seu depoimento" C.- Acrescentou ainda sobre este ponto a Douta sentença que "Na verdade, a testemunha demonstrou claramente a certeza de que efectuou a advertência em causa, por ser esta a prática habitual".

D.- A credibilidade do depoimento advém precisamente do facto do militar ter admitido que apenas viu o arguido uma vez, que não tem outro motivo para se recordar do seu depoimento e que tem a convicção de que efetuou a advertência, porque "era sempre feita".

E.- Ou seja, a testemunha não se recorda concretamente do facto e fez apelo a regras de comportamento e a lugares comuns ("as pessoas têm direitos" ou “as pessoas têm de ser alertadas") para suprir a falta de memória sobre o incidente, produzindo algo pior do que um depoimento indireto: Um depoimento por silogismo! F.- Ora tal é manifestamente insuficiente para que se dê como provado que foi efetuada a advertência das consequências criminais da prestação de falso depoimento! G.- A circunstância da advertência se encontrar num plano gráfico que antecede a prestação do depoimento, inserido num listagem que culmina com um quadradinho onde se insere uma cruzinha, em nada esclarece a dúvida, pois teoricamente a cruzinha poderia ter sido colocada mesmo antes de ter sido feita a advertência (e ela ter sido mesmo feita) ou depois (e ela não ter sido efetuada)! H.- O artigo 127.º do Código do Processo Penal (CPP) é inconstitucional na interpretação de que para prova de que foi efetuada uma advertência das consequências penais da falsidade de depoimento basta que o agente responsável, não se recordando do caso em concreto, afirme que aquela foi efetuada porque o era sempre, estando a mesma documentada numa listagem a verificar através de cruzes, que antecede a prestação do depoimento, por violação dos princípios da presunção da inocência de e do "in dubio pro reo" ínsitos no art.º 32º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o que expressamente se invoca.

  1. O ponto 2.1.9 não poderia ter sido dado como provado visto que pressupõe que em ambos os momentos o arguido sabia que prestava depoimentos contraditórios o que desde logo é uma impossibilidade num deles: Quando presta o primeiro depoimento não há nenhum para contradizer e não poderia adivinhar que meses mais tarde iria prestar outro em sentido divergente e por maioria de razão, o ponto 2.1.11., por se referir a ambos os depoimentos e o ponto 2.1.12. ao não os discriminar não poderiam ter sido dados como provado.

J.- Em função da alteração factual ora propugnada, e tendo em conta que a advertência atrás glosada, constituía um facto importante da Acusação, que motivou o adiamento da audiência para a audição de testemunha não arrolada pela Acusação e a defesa acérrima que o Tribunal pretendeu fazer daquele facto, implica que mesmo no domínio da tese que sustenta a condenação, esta teria de ser drasticamente (e não apenas sensivelmente) atenuada.

K.- Aliás tendo em conta o bem jurídica tutelado é muito mais grave faltar à verdade depois de efetuada a advertência das suas consequências penais, do que não se provando que tal aviso fora feito! L.- Questiona-se a tese sindicada na Douta sentença, que é maioritária, mas não unânime, segundo a qual, basta a contraditoriedade de depoimentos, ainda que não se saiba qual deles é desconforme à verdade, para a verificação do tipo de crime em causa.

M.- Remetendo para as considerações e justificações que os arestos infra citados emprestam à discussão, bem como a respetiva doutrina e jurisprudência, atrevemo-nos a concluir que à luz dos princípios da legalidade e presunção da inocência não se pode condenar alguém por um facto alternativo (ou foi num momento ou foi noutro) sem certeza de quando foi cometida a infração e com a certeza que num desses momentos alternativos nenhuma infração foi verificada! N.- O artigo 360°/1 do Código Penal é assim inconstitucional, quando interpretado no sentido de que basta a contraditoriedade entre dois depoimentos no âmbito do mesmo processo para que se verifique o respetivo o ilicito aí tipificado, por violação dos princípios da legalidade (art.º 29° da CRP) e da presunção da inocência (art.º 32° da CRP), o que se invoca.

SEM PRESCINDIR 0.- A considerar válida a tese sufragada na sentença, sustentamos que a contraditoriedade deverá ocorrer num plano de plena igualdade de pressupostos, i.e., de que em ambos os momentos o arguido tenha sido advertido das consequências criminais pela eventual prestação de falso depoimento, o que não é o caso.

P.- o artigo 360°/1 do Código Penal é também inconstitucional, quando interpretado no sentido de que basta a contraditoriedade entre dois depoimento e no âmbito do mesmo processo para que se verifique o respetivo o ilícito ai tipificado, quando apenas num desses momentos o arguido tenha sido advertido das consequências criminais pela eventual prestação de falso depoimento por violação dos princípios da legalidade (art.º 29° da CRP), da presunção da inocência (art.º 32° da CRP) e ainda da Confiança nas Instituições e Estado de Direito democráticos (art.º 2° da CRP), o que subsidiariamente e por cautela se invoca.» O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes: - saber se o Tribunal a quo não deveria ter baseado a sua decisão, no que se refere ao facto de o arguido ter sido advertido de que estava obrigado a responder com verdade, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, pelo agente da G.N.R. que o inquiriu, por este ter declarado não se recordar do caso em concreto, sendo que era essa a prática habitual; - saber se o artigo 127.º do Código de Processo Penal na interpretação que permite atribuir relevo probatório a tal depoimento, é inconstitucional por violação dos princípios da presunção de inocência do arguido e in dubio pro reo, ínsitos no artigo 32.º da Constituição; - saber se os factos descritos nos pontos 2.1.9, 2.1.11 e 2.1.12 do elenco dos factos provados da sentença recorrida não deveriam ter sido considerados provados; - saber se o...

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