Acórdão nº 68/08.1TAOAZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL SOARES
Data da Resolução26 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 68/08.1TAOAZ Comarca de Aveiro, Tribunal de Oliveira de Azeméis Instância Local, Secção Criminal, J1 Acórdão, decidido em Conferência no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório 1.1 Decisão recorrida Por sentença proferida em 5 de Novembro de 2015, foi o arguido B… absolvido do crime de participação económica em negócio, previsto no artigo 26º da Lei 34/87, de 16 de Junho (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos – LCRTCP) pelo qual tinha sido pronunciado.

1.2 Recursos O Ministério Público interpôs recurso da sentença e manifestou manter interesse no recurso admitido com subida diferida que tinha interposto do despacho que na audiência de julgamento, realizada em 3JUN2015, lhe tinha indeferido um requerimento de prova.

1.2.1 No recurso interlocutório, o Ministério pedira a anulação do processado e da sentença que viesse a ser proferida e o reenvio do processo para julgamento com produção da prova omitida e prolação de nova sentença. Para tanto, invocou essencialmente o seguinte: - No decurso do depoimento de uma testemunha, que fez alusão a factos relevantes para a demonstração da intencionalidade do crime imputado ao arguido, requereu ao tribunal que notificasse os serviços municipais para juntarem um documento comprovativo desses factos; - O tribunal indeferiu esse requerimento, por considerar que o documento em causa não era relevante, mas determinou ao Município que juntasse outros que considerou mais relevantes, diferentes do pretendido pelo Ministério Público; - Porém, o documento cuja junção o tribunal recusou era essencial para a descoberta da verdade, pois poderia resultar demonstrar um indício que, juntamente com outros, seria importante para a prova indirecta do crime imputado na pronúncia; - Não se encontrando naquele momento ainda finalizada a produção de prova, não podia o tribunal considerar o documento absolutamente irrelevante, não conexo com o objecto do processo ou dilatório, ao ponto de rejeitar a sua junção; - O tribunal, ao não ordenar uma diligência de prova necessária, frustrou a possibilidade de analisar a relevância do documento em falta e de o compaginar com outros elementos de prova, impedindo também que pudesse vir a ser objecto de avaliação em sede de recurso; - O despacho recorrido violou o poder-dever do juiz investigar o facto sujeito a julgamento, imposto pelo artigo 340º nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal[1].

1.2.2 No recurso final, o Ministério Público pediu a revogação da sentença absolutória, com reenvio para julgamento, ou, subsidiariamente, a condenação do arguido pelo crime de abuso de poderes, em pena de prisão efectiva não inferior a 2 anos. Fundamentou-se em resumo nas seguintes alegações: - Era essencial saber se o arguido vendeu os estaleiros da Câmara Municipal por 17€/m2, num contexto de necessidades de tesouraria do Município, exactamente na mesma altura em que propôs a compra de um prédio com 6.762 m2, por 1.5 milhões de euros, à razão de 221,82€/m2, quando apenas era necessária a área de 2.046m2, sem recurso a expropriação e sem aprovação prévia dos órgãos municipais; - O indeferimento da junção de prova documental daquela venda frustrou a possibilidade de analisar a sua relevância e por isso violou o disposto no artigo 340º nº 1 do CPP; - Deve em consequência o despacho de indeferimento ser julgado nulo e substituído por outro que notifique o município para juntar o aludido documento, anulando-se o processado e a sentença e determinando-se o reenvio para julgamento daquela prova e prolação de nova sentença; - Mesmo que assim não se entenda, deve chegar-se à mesma conclusão por o Ministério Público ter renovado mais tarde o requerimento de junção do mesmo documento e ter depois arguido a nulidade do despacho que novamente indeferiu o seu pedido, por violação do princípio da verdade material a que alude o referido artigo 340º nº 1 e por falta de fundamentação, nos termos do artigo 97º nº 5; - O conhecimento do referido documento era determinante para a prova do dolo imputado ao arguido, pois ajudaria a melhor inferir a violação intencional dos seus deveres funcionais; - Além disso, a sentença incorreu na nulidade prevista no artigo 379º nº 1 al. c), de omissão de pronúncia, uma vez que não se pronunciou sobre o crime de abuso de poderes, previsto no artigo 26º da LCRTCP, que estava imputado na pronúncia; - Subsidiariamente, os factos que foram considerados não provados, sob os números 2 a 9, não poderiam deixar de ter sido julgados provados, em face dos documentos e dos depoimentos testemunhais indicados no recurso e em obediência aos ditames da lógica da vida, das regras da experiência comum, da apreciação unitária, globalizante e dialéctica de todas as evidências probatórias que importava ponderar à luz do artigo 127º; - A apreciação correcta da prova não poderia deixar de levar a concluir que o arguido, como Presidente da Câmara Municipal, violou os seus deveres com o único propósito de intencionalmente beneficiar ilegitimamente o património de terceiros, à custa de dinheiros públicos, tendo incorrido no crime de participação económica em negócio imputado na acusação; - Mesmo que assim não fosse, sempre se imporia a sua condenação pelo crime de abuso de poderes, uma vez que estava investido de especiais deveres funcionais de isenção e boa gestão e actuou intencionalmente em oposição ao fim para o qual tais poderes lhe foram concedidos; - A condenação do arguido, que se impunha, atenta as particularidades especialmente ilícitas do caso, não poderia ser inferior a uma pena de 2 anos de prisão efectiva.

1.3 Resposta do arguido O arguido não respondeu ao recurso interlocutório.

Quanto ao recurso final, respondeu alegando no essencial o seguinte: - As duas decisões que indeferiram o mesmo pedido de requisição dos documentos pretendidos pelo Ministério Público resultaram da desnecessidade de carrear para o processo provas de um negócio que não é controvertido mas que nada tem a ver com o crime imputado ao arguido; - O tribunal, ao fazer juntar prova documental relativa aos relatórios de contas do Município, de 2004 a 2009, assegurou a descoberta da verdade material, no que respeita à prova das dificuldades financeiras que o Ministério Público considerava relevante; - A sentença não incorreu em omissão de pronúncia, uma vez que o arguido vinha pronunciado apenas pelo um crime de participação económica em negócio; o crime de abuso de poder vinha imputado em concurso aparente, não tendo o tribunal de se pronunciar sobre os vários ilícitos legais em aparência, mas apenas sobre o dominante que consome os outros; - O arguido não praticou nenhum daqueles crimes pois não actuou com violação dos deus deveres nem em benefício próprio ou de terceiros; - Das provas indicadas pelo Ministério Público não resulta que os factos impugnados tenham sido incorrectamente julgados.

1.4 Parecer do Ministério Público na Relação Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interlocutório e do recurso final, remetendo para as alegações do Ministério Público no Tribunal recorrido.

  1. Questões a decidir no recurso As questões que temos de decidir no recurso são sequencialmente as seguintes: - Legalidade do primeiro despacho que indeferiu uma diligência de prova requerida pelo Ministério Público; - Legalidade do segundo despacho que voltou a indeferir idêntico requerimento; - Nulidade da sentença por omissão de pronúncia; - Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento; - Condenação do arguido pelo crime de participação económica em negócio ou ao menos pelo crime de abuso de poderes.

  2. Fundamentação 3.1. Legalidade do primeiro despacho que indeferiu uma diligência de prova requerida pelo Ministério Público No decurso da audiência de 3JUN2015, durante a inquirição de uma testemunha, o Ministério Publico requereu ao tribunal que notificasse os serviços camarários para juntarem o documento de transmissão dos estaleiros da Câmara Municipal, com identificação do respectivo prédio, por o considerar pertinente para demonstrar a intencionalidade do arguido em lesar o Município e beneficiar terceiros. No essencial, o raciocínio do Ministério Público sobre a necessidade daquela prova parece ter sido este: se o arguido estava acusado de ter determinado a Câmara Municipal a adquirir um terreno de que não precisava na totalidade (Quinta C…) e a cuja parte sobrante não veio a ser dado qualquer destino útil, por um preço muito superior ao real, a mais de 220€/m2, e sem prévia aprovação camarária, isso só pode significar que quis beneficiar ilicitamente o património dos proprietários desse terreno; então, a prova de que pela mesma altura o Município se defrontava com dificuldades de tesouraria, em resultado das quais teve de vender um prédio com um pavilhão implantado, pelo preço de 17€/m2, é importante para demonstrar indirectamente a intencionalidade do outro negócio causador de prejuízo.

    A Sra. Juiz considerou que carrear para o processo elementos individualizados do exercício camarário (referindo-se ao contrato de compra e venda dos estaleiros) não permitia extrair qualquer ilação sobre o défice contabilístico à data da proposta de compra da Quinta C… por 1.5 milhões. Considerou, no entanto, que já era importante para tirar aquela eventual ilação carrear para o processo informação sobre a liquidez do Município nos anos de 2004 a 2009, correspondentes ao período que mediou entre a proposta e a efectivação da compra da Quinta C…. Decidiu, assim, não deferir o pedido do Ministério Público de notificação da Câmara Municipal para juntar a escritura de compra dos estaleiros, mas, ao mesmo tempo, oficiosamente, determinou que juntasse os relatórios de contas dos exercícios de 2004 a 2009.

    É deste despacho que vem interposto o recurso interlocutório.

    Antes de analisarmos o recurso devemos ver se o meio de impugnação é o próprio, uma vez não é isenta de controvérsia na jurisprudencia a questão de saber se a...

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