Acórdão nº 3822/12.6TBGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Outubro de 2016
Magistrado Responsável | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA |
Data da Resolução | 27 de Outubro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso de Apelação Processo n.º 3822/12.6TBGDM.P1 [Comarca do Porto/Inst. Central/Porto/Sec. Cível] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, solteira, contribuinte n.º ………, residente em …, instaurou acção judicial declarativa contra C…, separado judicialmente de pessoas e bens, contribuinte n.º ………, residente em …, D… e E…, residentes em …, pedindo que se declare que autora e 1.º réu viveram em situação análoga às dos cônjuges pelo período de 26 anos e se condenem os réus, solidariamente, a restituir à autora a quantia de €112.229,52, por enriquecimento sem causa.
Para o efeito alegou que viveu em situação análoga às dos cônjuges com o 1.º réu cerca de 26 anos; que em 02.03.1999 o 1.º réu outorgou com a 2.ª ré, esta por si e em representação da 3.ª Ré, sua filha, então menor, um contrato-promessa de compra e venda de um prédio urbano; a autora e o 1.º réu residem desde Março de 1999 nesse imóvel cujo preço está integralmente pago pelo menos desde Agosto de 2007, tendo a autora contribuído com o produto do seu trabalho para efectuar esse pagamento; a escritura de compra e venda seria outorgada após pagamento integral do preço, mas sempre depois da 3.ª ré atingir a maioridade, em dia e hora a indicar pelo 1.º réu, mas o 1.º réu recusa-se a celebrar a escritura, receando a autora que este convença as rés a celebrar a escritura com terceira pessoa.
Na contestação que apresentou o réu C… invocou a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade da Autora e a sua própria ilegitimidade e quanto aos factos reconheceu a vivência em comum com a autora, em condições análogas às dos cônjuges, durante cerca de 26 anos, tendo tal vivência sido harmoniosa até 2010, impugnou que o preço acordado no contrato-promessa esteja integralmente pago, faltando pagar, por incapacidade financeira, valor não inferior a €30.000,00, e impugnou que a autora tenha contribuído com o seu património para o pagamento do preço acordado, pois nunca exerceu actividade remunerada.
A ré F… também contestou, arguindo a ilegitimidade da autora, impugnando os factos alegados, com excepção da celebração do contrato-promessa, e alegando que do preço acordado ainda está por pagar quantia superior a €30.000,00, que as rés têm pactuado com o incumprimento do contrato porque o réu tem manifestado vontade e feito esforço para cumprir, não obstante as suas graves dificuldades financeiras que foram igualmente relatadas às rés pela autora e que se o pagamento total do preço tivesse sido feito há muito o imóvel seria propriedade do réu.
Após julgamento foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo os réus do pedido.
Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: A – […]; B – […]; C - O estatuído no n.º 3 do artigo 8.º da Lei 7/2001 prevê que “A declaração judicial de dissolução da união de facto deve ser proferida na acção mediante a qual o interessado pretende exercer direitos dependentes da dissolução da união de facto, ou em acção que siga o regime processual das acções de estado.” D - No seguimento, de resto, de jurisprudência uniforme deste Tribunal da Relação, a declaração judicial de cessação da união de facto justifica-se e impõe-se quando uma das partes pretende (o que sucede com a autora), através dela (não sendo ela - a se - o objectivo principal), lograr o reconhecimento de determinados direitos (v.g. divisão de bens comuns adquiridos no decurso da relação), cuja existência conjunta deixou de se justificar - in Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 1638/08.3TVLSB.L1-1.
E - Acontece que não é isso que pretende a autora, pois a mesma pretende que lhe seja reconhecido um direito que se verifica independentemente da dissolução ou não da união de facto, dissolução essa que por acaso ocorreu e se encontra provado nos autos.
F - Pretende que seja reconhecido que os réus enriqueceram sem causa justificativa à custa do seu empobrecimento, e como tal que sejam condenados solidariamente, já que, encontrando-se o imóvel objecto da querela nos presentes autos integralmente pago, conforme provado, o certo é que a titularidade do mesmo ainda está registada a favor das rés F… e E…, existindo apenas um contrato promessa entre aquelas e o réu C….
G - Verificados os requisitos para que se esteja perante uma situação de enriquecimento sem causa, no caso em apreço, e porque não se trata de fazer valer direitos dependentes da cessação da união de facto pois não está a requerer a divisão de um bem que seja comum aos ex-conviventes, devem os réus ser condenados como requerido.
H - Discordamos do entendimento do tribunal “a quo” que considera que a pretensão deduzida pela autora está votada ao insucesso, por se verificar a falta de uma condição da acção. E continua que só existe enriquecimento sem causa quando ocorre o termo da união de facto, porque só nessa data é que cessa a causa justificativa da deslocação patrimonial. Nestas circunstâncias, o pedido de declaração da dissolução constitui uma condição para o exercício desses direitos e deve ser formulado na acção em que se pretende exercer esses direitos.
I – Encontra-se provado que a autora e o réu C… viveram em união de facto pelo período de 26 anos, e que a mesma cessou em 2010, pelo que se encontra alegada e provada a causa justificativa da deslocação patrimonial.
J - Efectivamente não existe essa causa justificativa existindo, outrossim, um conluio entre os réus por forma a obstar à realização da justiça tributária e bem assim de prejudicar a autora.
K - Ora, de acordo com a jurisprudência maioritária, há enriquecimento injustificado sempre que o valor é recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
L - A Autora pagou parte da quantia acordada para aquisição do imóvel objecto dos autos. O pagamento foi efectuado na expectativa de aquisição da propriedade do imóvel em causa, o que não se verificou em virtude de o contrato promessa se encontrar elaborado apenas em nome dos réus. As partes acordaram na celebração daquele contrato promessa em virtude da união de facto que se verificava entre a autora e o réu C…. As rés F… e E… eram conhecedoras da vontade real das partes. Ao não ser celebrado o contrato definitivo há um enriquecimento injustificado já que todos os valores recebidos fruto do trabalho da autora foram-no por virtude de uma causa que deixou de existir.
M - Ao proferir a decisão de que se recorre, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 473.º.º o Código Civil e Lei 7/2001 de 11 de Maio.
Os recorridos não apresentaram resposta às alegações da recorrente.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões: i- se a autora necessitava de ter formulado o pedido de declaração judicial da dissolução da união de facto e se esse pedido foi ou não formulado; ii- se estão reunidos os requisitos para poder ser reconhecido o direito da autora ao recebimento de metade do valor pago a título de sinal e princípio de pagamento.
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Os factos: Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1. A autora e o réu C… viveram em situação análoga à dos cônjuges durante cerca de 26 anos, até 2010, dormindo juntos na mesma casa, gozando férias juntos e educando os seus filhos, tendo uma relação harmoniosa e saudável.
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Em 02.03.1999, o réu C… celebrou com a ré F…, esta por si e em representação da ré E…, sua filha, então menor, o contrato-promessa de compra e venda titulado pelo documento junto a fls. 22 a 26 dos autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido.
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Através de tal contrato, as rés F… e E… prometeram vender ao réu C…, que prometeu comprar, o prédio urbano sito na Rua …, nºs …/…, freguesia de …, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4463 (em Livro) e sob o nº 946/19900306, da freguesia de … (em Ficha).
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Desde Março de 1999 até à data da cessação da convivência, a autora e o réu C… residiram em tal imóvel.
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O preço global acordado no contrato-promessa (que incluiu o conjunto de maquinaria que constava de uma relação autónoma com os respectivos valores de cada máquina) foi de €224.459,05 (à data, 45.000.000$00), a ser pago, a título de sinal ou reforço de sinal e princípio de pagamento, nos seguintes moldes: 5.1. A quantia de 3.000.000$00, já recebida à data do contrato promessa; 5.2. A quantia de 1.000.000$00, titulada por letra de câmbio aceite para 31.03.99; 5.3. A quantia de 1.000.000$00, titulada por letra de câmbio aceite para 31.05.99; 5.4. A quantia de 5.000.000$00, através de cheque datado para 05.03.99; 5.5. A quantia de 5.000.000$00, através de cheque datado para 31.05.99; 5.6. A quantia de 30.000.000$00, em 100 prestações mensais de 300.000$00, sendo uma para 28.02.99, outra para 30.04.99 e as restantes 98, também de 300.000$00, no último dia de cada mês, com início em 30.06.99 e sempre sucessivamente.
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Ficou ainda acordado que a escritura de compra e venda seria outorgada após pagamento integral do preço, mas sempre depois da ré E… atingir a maioridade, em dia e hora a indicar pelo réu C….
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O preço acordado no contrato promessa encontra-se integralmente pago, desde data não concretamente apurada.
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Durante a vivência em comum, a autora exerceu uma profissão remunerada e contribuiu, com tal remuneração, para as despesas quotidianas do agregado familiar.
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Durante a vivência em comum, a autora contribuiu, ainda que através de trabalho não remunerado e desempenho de tarefas domésticas, juntamente com o réu C…, para a criação de um património comum, incluindo a...
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