Acórdão nº 1779/13.5JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DOLORES SILVA E SOUSA
Data da Resolução12 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec. Penal 1779/13.5JAPRT.P1 Comarca do Porto Instância Central Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação do Porto.

  1. Secção criminal.

I-Relatório.

No Processo Comum Coletivo n.º 1779/13.5JAPRT da Instância Central, 1ª secção criminal, juiz 4, foi submetido a julgamento o arguido B…, nascido a 18 de Agosto de 1993, melhor identificado na sentença a fls. 595.

O acórdão de 23 de Fevereiro de 2015, depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «Em julgar a acusação procedente, nos moldes expostos, e, em consequência, condenar o arguido B… pelo cometimento, em autoria material, de um crime, agravado, de abuso sexual de criança, p. e p. pelos artigos 171º, nºs 1 e 2, e 177º, nº4, ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, todavia, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, com regime de prova, assente num plano de readaptação social com incidência no acompanhamento psicológico ou, se necessário se revelar, psiquiátrico, e que deverá privilegiar uma intervenção atenta, direcionada para as questões relacionadas da sexualidade.

Mais condenam o arguido B… no pagamento das custas do processo, fixando-se em 4 (quatro) UC a taxa de justiça devida pelo mesmo.

(…)»*Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso apresentando a motivação de fls. 615 a 664, que remata com as seguintes conclusões: «1- O arguido B… foi condenado na douta decisão recorrida pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171º, nºs 1 e 2, e 177º, nº4, ambos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova.

2- Em aplicação das atenuações previstas nos artºs 73º e 74º do Código Penal, por força do regime penal especial para jovens previsto no Decreto-Lei nº401/82 de 23 de Setembro, passou-se para um limite máximo de pena aplicável reduzido de 1/3 e um limite mínimo reduzido a 1/5, obtendo-se, assim, uma moldura penal abstractamente aplicável de 10 meses e 24 dias de prisão a 10 anos de prisão.

Foi decidido suspender a execução da pena por igual período de tempo, “sujeita a regime de prova assente num plano de readaptação social com incidência no acompanhamento psicológico ou, se necessário se revelar, psiquiátrico e que deverá privilegiar uma intervenção atenta direcionada para as questões relacionais e da sexualidade.” 3- Não obstante a bem fundada decisão em matéria de facto constante da douta decisão recorrida, discorda-se da mesma, no seu ponto III, quanto ao enquadramento jurídico-penal, quando considera somente um crime de abuso sexual de criança e omite a consideração da pluralidade de crimes verificada de acordo com os factos provados; 4- Dos factos provados nos pontos j) e k); l) e m) e n) e o) da matéria de facto provada no douto acórdão, supra citados, decorre que o arguido cometeu os actos de abuso sexual sobre a menor C… – de relacionamento sexual vaginal – por três vezes, em dias diversos da segunda quinzena de Agosto de 2013, pelo que os mesmos não deveriam ter sido subsumidos numa unidade criminosa, o que não coincide com os exatos contornos da conduta do arguido, tal como resultante do julgamento.

5- Em casos similares de prática do crime de abuso sexual de crianças, vem a Jurisprudência fixando como o enquadramento jurídico-penal mais adequado a essa realidade criminosa muito específica a da pluralidade de crimes, ainda que referentes à mesma vítima, cfr. Ac. desse TRP de 15.05.2013 – Proc. 1209/10.4JAPRT.P1 (dgsi.pt); 6- Nesse quadro, é de defender que, no caso concreto, ocorreu uma renovação da vontade do arguido e da sua decisão de violar a lei penal e o bem jurídico tutelado no tipo em causa, pois em cada uma das três ocasiões narradas na decisão de facto, o arguido formulou a sua resolução criminosa de abusar da menor C…, e em cada vez ocorreu uma autónoma lesão do bem jurídico em causa.

7- Com efeito, a matéria de facto provada nem sequer apresenta dificuldades práticas na determinação do número de vezes que o arguido manteve relacionamento sexual com a menor – que foram indubitavelmente três – sendo certo que então bem sabia o arguido que a menor tinha 12 anos de idade e se determinou, de modo livre e consciente, sem usar preservativo, a manter com ela os comportamentos sexuais descritos, pelo que preencheu de cada vez os elementos objetivos e subjetivos de um crime de abuso sexual de criança.

8- A actuação do arguido, embora aproveitando o mesmo contexto situacional que lhe permitiu o fácil acesso à intimidade da menor, foi necessariamente comandado por uma diversa resolução e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido.

9- Efectuado o correto enquadramento jurídico da conduta do arguido, impõe-se concluir que este cometeu, em concurso real, três crimes de abuso sexual de criança, agravado, previsto e punido, cada um deles, pelo disposto no nº1 e 2, do artigo 171º e pelo nº4 do artº177º, do Código Penal.

10- Para tanto, deveria o tribunal a quo ter cumprido a comunicação a que alude o artº 358º, nºs 1 e 3 do C.P.P., por alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, de admitir em concreto, uma vez que o Ministério Público imputou expressamente ao arguido factos concretos que se repetiram por três ocasiões, como o arguido bem sabia, e tal como veio a ser julgado provado.

11- Deste modo, ao manter a aplicação da figura da unidade criminosa à actuação do arguido tal como provada, e nem equacionando a aplicação do concurso efectivo de crimes de abuso sexual de criança, a douta decisão recorrida violou o disposto nos artºs 30º, nº 1, 171º, nºs 1 e 2, e 177º, nº4, todos do Código Penal, bem como o disposto no artº 358º, nºs 1 a 3, do C.P.P.

12 – Discorda-se ainda, no momento da escolha e medida da pena, da aplicação em benefício do arguido da atenuação decorrente do regime penal especial para jovens previsto no Decreto-Lei nº401/82 de 23 de Setembro, atenta a sua idade à data da prática dos factos.

13- Com efeito, o arguido cometeu os factos aos 19-20 anos de idade, sobre uma criança de 12 anos de idade; 14- E visou o legislador, com o regime penal especial para jovens previsto no Decreto-Lei nº401/82 de 23 de Setembro, “consagrar um tratamento diferenciado que permita uma adequada individualização das reacções da sociedade” quanto aos jovens delinquentes daquela faixa etária.

15- Releva em concreto a previsão legal do artº 4º daquele diploma legal, segundo a qual: “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.” 16- Mas, atentando-se no elenco dos factos provados, bem como na fundamentação da escolha e da medida da pena, temos que o tribunal a quo fez prevalecer a idade e desconsiderou a existência de antecedentes criminais do arguido, designadamente por crime de abuso sexual de criança antes praticado, e não valorou suficientemente quer as exigências de prevenção geral, negativa e positiva, quer a personalidade especialmente desvaliosa revelada pelo arguido através da prática dos factos criminosos abusivos em causa, a qual não se reduz nem se pode equacionar tão-só como sendo o típico perfil de um jovem delinquente, numa experimentação de desviância própria da idade.

17- De facto, a personalidade revelada nos factos, pela sua gravidade, modo de actuação sobre uma menina de 12 anos de idade, a que teve especial acesso íntimo em virtude da confiança da sua guardiã, a irmã mais velha, bem como a grave violação do bem juridico-penal eminentemente pessoal da autodeterminação sexual da criança, mostra-se “especialmente desvaliosa” e “vincadamente propensa” a um comportamento endogenamente abusivo ao nível sexual, concluindo-se necessariamente que não está o arguido permeável a colher o benefício ressocializador resultante de uma sanção mais benevolente por parte do sistema de justiça.

18- Antes se impõe, quanto a ele, uma penalização que implique a privação da liberdade e um claro juízo de censura e reprovação por parte da sociedade, que permita a tomada de consciência necessária à ressocialização neste caso, pois não demonstrou o arguido nem arrependimento, nem qualquer outro sinal de respeito ou afecto pela menor vítima dos seus actos.

19- O tribunal a quo não apreciou de forma rigorosa nem corretamente as elevadas exigências de prevenção geral em concreto verificadas, e mostrou-se muito pouco sensível às consequências dos factos para a vítima, que engravidou aos 12 anos em virtude dos actos perpetrados pelo arguido e foi sujeita a IVG, processo necessariamente traumático para uma criança.

20- De igual modo, desvalorizaram-se as exigências de prevenção especial, omitindo-se a análise dos factores concretos relacionados com as potencialidades de reinserção social e de reequilíbrio pessoal do arguido, sendo que a favor deste só a sua juventude milita – e nada mais.

21- O arguido tem já um percurso de condenações penais, uma delas em pena suspensa pela prática de crime da mesma natureza, com regime de prova em cumprimento, o que evidencia uma personalidade imune quer à pena, quer aos efeitos nocivos para os outros de uma conduta sexualmente abusiva repetida, como neste caso, sobre uma menina de 12 anos, a que teve um especial acesso na intimidade do lar desta e a quem causou a gravidez e a sujeição a interrupção voluntária da gravidez 22- Foi com base na sua juventude que o colectivo decidiu aplicar a atenuação especial referida, entendendo que desta resultariam vantagens para a reinserção social do arguido.

23- Faltou aqui ponderar melhor o tipo de crime em causa e o que este revela de uma personalidade jovem, que expressou a sua sexualidade do modo abusivo e lesivo descrito, sendo que a questão premente e prévia à sua ressocialização é a exigência de conformar e reconfigurar a sua personalidade a esse nível.

24- Tal juízo fundado permitiria afastar...

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