Acórdão nº 319/14.3TTVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | PAULA LEAL DE CARVALHO |
Data da Resolução | 18 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Procº nº 319/14.3TTVFR.P1 Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 867) Adjuntos: Des. Rui Penha Des. Maria José Costa Pinto Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, LDª, pedindo que: a Ré seja condenada a reconhecer o contrato de trabalho que celebrou com a A. em 01.04.2008, declarando-se ilegal e infundada a cessação do mesmo operada em 11/10/2014, face à inobservância do disposto no art. 10º da Lei 101/2009, de 08.09, bem como a pagar-lhe a quantia de €20.669,01 referente a créditos laborais em dívida e a de €5.000,00 a título de indemnização por “danos morais”, tudo acrescido de juros de mora à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento.
Para tanto, alega em síntese que: em regime de prestação de trabalho no domicílio, a A. foi admitida ao serviço da R. em 1/4/2006, para lhe prestar serviços de colagem, escolha, contagem e embalamento de caixas de cartão, atividade que exerceu de forma contínua e ininterrupta até 7/1/14. Pelo exercício das suas funções a A. era remunerada com o salário médio mensal de €430,01.
Em 7/11/2013 a R., fazendo alusão a um aviso prévio de 60 dias, enviou à A. uma carta comunicando-lhe a cessação do contrato de trabalho com fundamento em “… razões ligadas com o processo de certificação da Qualidade”, fundamento este que, segundo diz, não tem qualquer razão de ser, pois a A. sempre desenvolveu o seu trabalho com o máximo de dedicação e diligência, para alem de que não lhe foi, como deveria, concedida formação profissional, não respeitando a cessação do contrato qualquer das exigências do Art. 10º da Lei 101/2009, reclamando, em consequência, a indemnização de €1.720,04 nos termos do art. 11º, nº 2, da Lei 101/2009.
A Ré não lhe pagou os encargos relativos a energia, água, telefone, aquisição e manutenção de equipamentos necessários e imprescindíveis ao exercício da sua atividade levada a cabo no seu domicílio, a título do que reclama as quantias de €1.260,00 de eletricidade, €420,00 de água e €865,20, de luvas, molas e tijolos.
Em consequência de redução de atividade imputável à Ré, reclama, ao abrigo do art. 9º, nº 1, da Lei 101/2009, o pagamento da quantia de €16.263,77.
A falta de formação profissional, a cessação do vínculo contratual com a imputação infundada e injustificada da falta de qualidade do serviço prestado, o facto de a Ré ter declarado à Segurança Social as remunerações de base como sendo subsídios, situação que apenas foi regularizada mediante a intervenção da Segurança Social no início de 2012 e a circunstância da remuneração apenas incluir os trabalhos de colagem quando, além desta, a A. procedia também à escolha, contagem e embalamento do produto, acarretou para a A. “muita angústia e ansiedade”, em consequência do que reclama a quantia de €5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
A Ré contestou impugnando o alegado pela A. e concluindo pela improcedência da ação.
Para tanto alega, em síntese, que a A. sabia que a R. fixava a remuneração dos seus trabalhadores ao domicílio com base em tabelas, segundo o tamanho das caixas, e que esses valores incluíam todo o serviço prestado e os custos inerentes, nunca tendo a R. pago qualquer valor adicional a nenhuma trabalhadora no domicílio. Acrescenta que a A recebeu as remunerações segundo o regime acordado do início até final, sem qualquer reclamação, só após a cessação do contrato vindo exigir um valor maior. Mais diz que denunciou, a Ré, o contrato de trabalho ao abrigo do art. 10º, nº 2, da Lei 101/2009, não havendo lugar à indemnização reclamada, carecendo também de fundamento a indemnização por danos não patrimoniais.
Fixado o valor da ação, em €25.669,01, proferido despacho saneador tabelar, dispensada a seleção da matéria de facto e realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova pessoal nela prestada, foi proferida sentença, nela incluída a decisão da matéria de facto, que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos.
Inconformada, a A. recorreu, tendo formulado as seguintes, e prolixas, conclusões: “1.ª) Porque foi alegado e se fez prova de que a Ré, embora obrigada (cfr. n.º 1 do artigo 6.º da Lei 101/2009 de 8 de Setembro), não deu formação profissional à Autora e que em termos de Segurança Social, a Ré sempre declarou as remunerações base desta como sendo subsídios, sendo totalmente omissa quanto aos mesmos, a douta sentença recorrida padece da nulidade prevista na alínea d), 1.ª parte do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
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) Pelo depoimento das testemunhas da Autora, D…, E… e F…, das da Ré, G… e H…, para cujos depoimentos supra transcritos remetemos e aqui damos por reproduzidos na íntegra e também pelos doc. de fls. 7 a 8 v., doc. de fls. 9 a 10 v. e doc. de fls. 34, o Tribunal “ a quo” deveria ter dado como provado que a Ré nunca pagou à Autora os encargos de energia, água, telefone, aquisição e manutenção dos equipamentos necessários e imprescindíveis ao exercício da actividade que desenvolvia no domicílio e, bem assim, que ao longo da execução do contrato de trabalho que existiu entre ambas, por causa imputável à Ré, registaram-se quebras na produção para além dos 3 meses, as quais levariam à indemnização da Autora (cfr. artigo 9.º da Lei 101/2009 de 8 de Setembro).
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) Na verdade, quanto à primeira das indicadas questões ao minuto 17:33, a testemunha D… afirmou: “A C… só nos fornecia a cola … e as caixas”, ao minuto 05:07, E… referiu: “Fornecia as caixas que vinham em paletes basicamente com lixo… sem ser escolhidas, sem nada, depois as pessoas tinham aquele trabalho todo” ao minuto 05:54 disse também: “Fornecia cola e cartão” e ao minuto 24:36 voltou a referir: “As caixas, a cola e o fio” F…, ao minuto 04:09, referiu que os materiais que a Ré fornecia eram “Cola e Cartão”, G… (Engº, funcionário da Ré) ao minuto 05:06 referiu: “Ora bem a empresa dava cola em termos de consumíveis dava cola e fio…” e quanto ao fornecimento de pincéis pela Ré ao minuto 05:31 referiu: “Pincéis ora sinceramente pincéis não sei…” e também uma outra testemunha da Ré, designadamente, H… (escriturária, funcionária da Ré),ao minuto 06:20 referiu: “ A gente dava a cola o fio e o transporte…”.
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) Resulta também da prova produzida e, por isso, o Tribunal “ a quo deveria ter considerado provado que além das caixas de cartão e da cola, a Autora necessitava dos seguintes materiais: pincéis, luvas, molas, tijolos, fio, água, luz e telefone, sendo certo que a Ré só fornecia as caixas a cola e o fio.
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) Foi isso mesmo que ao minuto 06:17 referiu a testemunha, E… “ …é preciso ter pincéis não se cola sem pincéis é um trabalho manual, depois tinha o trabalho de lavar os pincéis, gastava água, gastava luz porque aquilo é um trabalho…, estamos a falar de caixas pequenas, algumas tinham que se estar a ver à lupa, gastavam tijolos porque… as caixas não colavam … tinha que se pôr molas nas pontas que era para elas estarem a secar, e a firma o que fornecia era o fio as caixas e a cola mais nada…” e ao minuto 07:33 disse ainda: “Tinham que usar luvas, tinham que as comprar do bolso delas porque a empresa não fornecia”. Também F… ao minuto 06:05 referiu “O tijolo”, ao minuto 06:12 “Trinchas”, ao minuto 06:22 “Luvas que também não dava” e que além dos matérias a Autora sua esposa tinha as seguintes despesas: (minuto 06:35) “ Tinha a luz tinha a água”, ao minuto 06:46 “Tinha o telefone”, acrescendo que a testemunha da Ré, G…, ao minuto 19:00 confirmou que a Ré não fornecia estes materiais à Autora e que também nunca os pagou conforme afirmou F…, ao minuto 07:15 dizendo: “Nada nada”.
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) Dos doc. de fls. 7 a 8 (folhas de remunerações) depreende-se claramente pelas remunerações auferidas que havia quebras para além dos três meses, quebras estas que pelo depoimento da testemunha E…, a qual sobre o volume de serviço que a Ré entregava nos domicílios ao minuto 26:36 referiu: “… tinha altos e baixos”, ao minuto 27:02 “Sim sim havia quebras”, ao minuto 27:11 referiu também que a Autora se queixava porque a Ré não lhe entregava sempre as mesmas quantidades e ao minuto 27:32 que a Autora nunca foi compensada por esses quebras na produção. Também a testemunha AF…, ao minuto 07:51 referiu: “ Às vezes era uma quantidade outras vezes era menos havia semanas que tínhamos outras semanas duas ou três vezes”, que a Autora queria e podia fazer sempre a mesma quantidade mas que “… não havia sempre trabalho” (minuto 08:01) e ao minuto 08:20 referiu ainda: “Havia quebras no trabalho” e que “..
a vontade da esposa era trabalhar quanto mais mais” 7.ª) Pelo que, em nossa humilde opinião, ao invés do que consta da douta sentença recorrida, a M.ma Juiza “a quo” deveria ter dado tais factos como provados.
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) Por tudo quanto deixamos alegado nas conclusões 2.ª) a 5.ª) supra que aqui reproduzimos integralmente, afigura-se-nos que ao contrário do que consta no ponto 7 dos factos provados, a M.ma Juíz “a quo” não poderia ter dado como assente “…(materiais que a Ré fornecia)…”, ou seja, face a tal inequívoca prova produzida em audiência de julgamento, o douto Tribunal “a quo” não poderia dar como provado que a Ré fornecia os materiais à Autora.
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) Do mesmo modo, também não poderia dar como provado que no pagamento do trabalho desenvolvido pela Autora – colagem manual de caixas de cartão - estavam incluídas as atividades de limpar e cortar, consideradas provadas no referido ponto 7.
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) Não é isso que resulta nem dos depoimentos das testemunhas, D…, E… e F… que supra transcrevemos, nem do documento de fls. 34, do qual se depreende que a Autora era remunerada exclusivamente pelo serviço de colagem e, portanto, nunca foi remunerada pelos serviços de escolha, limpeza, corte e embalamento das caixas de cartão.
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) A este propósito, ao minuto 04:58 a...
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