Acórdão nº 11744/13.7TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução09 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 11744/13.7TDPRT.P1 Data do acórdão: 9 de Março de 2016 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Fátima Furtado Origem: Comarca do Porto Instância Central | 1ª Secção Criminal Sumário: 1 - Um segundo processo, pelo mesmo crime, não é admitido (artigo 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa).

2 - A morte da vítima do crime – se tiver resultado da agressão homicida que constituiu objeto do primeiro julgamento - não pode ser (completamente) autonomizada da conduta que produziu as lesões mortais, sob pena de se transformar num facto jurídico neutro, sem relevância jurídico-penal à luz do tipo legal de crime de homicídio.

3 – No caso da morte da vítima de um homicídio ocorrer após a sentença condenatória pelo respetivo crime de homicídio, sob a forma tentada - e não tendo o legislador ordinário previsto a possibilidade de reabertura do processo, ao abrigo do número 2 do artigo 4º do protocolo n° 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais -, a perda daquela vida já não poderá originar novo processo, nem reabrir o primeiro.

4 - Nos termos do disposto no artigo 311º, 1, do Código de Processo Penal é admissível que, no despacho de saneamento, o juiz presidente conheça a exceção dilatória de caso julgado - artigos 576º, 1 e 577º, i), do CPC, ex vi do artigo 4º do CPP -.

5 – O respeito pelo princípio non bis in idem é assegurado, em Portugal, pelos artigos 14.7, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, 4º do protocolo n° 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datado de 22 de Novembro de 1984, 50º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.

Acordam os juízes acima identificados da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto nos presentes autos, em que figura como recorrente o Ministério Público.

I – RELATÓRIO1. Por despacho datado de 5 de Junho de 2015, proferido nos termos do disposto no artigo 311º do Código de Processo Penal, foi determinado "o arquivamento dos autos", com base no princípio "ne bis in idem" consagrado no artigo 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.

  1. A sua fundamentação resume-se, essencialmente, à circunstância da acusação dirigida contra o arguido B…, pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de homicídio qualificado (artigos 26º, 131º e 132º, 2, a) e j), do Código Penal, se encontrar consubstanciada por uma conduta – considerada em termos objetivos e subjetivos - já apreciada e julgada por um tribunal, por decisão transitada em julgado: De facto: a) Por acórdão de 19 de Março de 2010, proferido pela 2ª Vara Criminal do Porto, no âmbito do processo comum com intervenção do tribunal coletivo nº 839/09.1JAPRT, transitado em julgado em 5 de Julho de 2010, o mesmo arguido foi condenado como autor material de dois crimes de homicídio qualificado na forma tentada, cometidos no dia 4 de Junho de 2009, entre as 9h e as 9h30m, no interior da sua residência sita no …, nº …, …, no Porto, tendo como vítimas C… e D…, nas penas de, respetivamente, 7 (sete) e 6 (seis) anos de prisão.

    b) Em cúmulo jurídico, foi condenado, nesse processo, na pena única de 9 (nove) anos de prisão.[1] c) A acusação proferida nos presentes autos é dirigida contra o mesmo arguido e, na descrição dos factos que, no entender do Ministério Público, fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido [artigo 283º, 3, b), do Código de Processo Penal], encontram-se, no essencial: i.

    Os factos provados no âmbito daquele acórdão, aos quais acresce, apenas, o seguinte: - no dia 31 de Outubro de 2010 (ou seja, após o trânsito em julgado do acórdão condenatório) C…, como consequência direta das lesões encefálicas decorrentes das agressões praticadas pelo arguido e que foram consideradas provadas naquela decisão condenatória.

  2. O Ministério Público interpôs recurso desse despacho, apresentando uma motivação que terminou com a formulação das conclusões a seguir reproduzidas: Por decisão proferida no NUIPC nº 839/09.1JAPRT, ex 2ª Vara deste tribunal, em 19.03.2010 e transitada em julgado em 05.07.2010, o arguido B… foi julgado e condenado na pena de foi condenado na pena de única de 9 anos de prisão, pela prática de, além do mais, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 26.º 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als a) e j) do Código Penal, na pessoa de seu filho C….

    No dia 31.10.2010, muito tempo depois de transitada em julgado aquela condenação, o C… faleceu, indiciariamente ainda em consequência das lesões que o arguido lhe infligiu, com intenção de o matar.

    O Ministério Público deduziu, por isso, nova acusação agora pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos arts. 26.º, 131.º e 132.º, n.ºa 1 e 2, als. a) e j), do Código Penal.

    O princípio do ne bis in idem «visa impedir a submissão a um novo processo que tenha o mesmo objeto de um processo anterior» sendo que «este objeto é não apenas aquilo que foi conhecido no primeiro processo, mas também tudo aquilo que podia ter sido conhecido»; No caso dos autos não estamos perante o novo julgamento do mesmo facto, mas perante um simples juízo supletivo, dirigido no sentido de determinar se o facto morte ainda foi consequência daquele evento inicial e, em caso positivo, qual o acréscimo de pena que ele deve representar.

    Á data do juízo inicial a morte da vítima ainda nem sequer tinha ocorrido e nunca poderia ter sido conhecida pelo tribunal, pelo que o arguido não foi julgado por ela: como é que ele pode ter conhecido de uma coisa que ainda nem sequer tinha acontecido; A proibição constitucional de incorrer em ne bis in idem garante o cidadão perante o arbítrio do poder estadual, impedindo que ele volte a ser incomodado pela prática do mesmo facto mas não que seja julgado por factos diversos; O arguido não tem nenhuma garantia constitucional contra a perseguição de novos factos, ocorridos depois da condenação, que a doutrina vem designando como resultados tardios; O arguido só não foi condenado pela prática de um crime consumado de homicídio porque à data da acusação e, depois, do julgamento esse resultado ainda não se tinha produzido; Não está, assim, em causa a errada utilização pelas instâncias formais de controlo dos mecanismos necessários para uma apreciação esgotante e completa do facto processual; O que está em causa é apenas a possibilidade de adequar a condenação a um acontecimento posterior que não foi, nem podia, ser tomado em consideração pelas instâncias formais de controlo; O próprio arguido definitivamente condenado deverá contar que o resultado posterior ao julgamento ser-lhe-á então imputado tendo uma paz jurídica precária; Acresce, ainda que porventura assim não fosse, que o princípio ne bis in idem, consagrado no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, não é um direito absoluto.

    Será incompreensível para a comunidade, em nome do qual o poder judicial atua, que o novo resultado, ocorrido depois do julgamento inicial, fique impune, apenas porque o arguido já foi, parcialmente, julgado; As inquestionáveis exigências de segurança e de paz jurídica não podem aniquilar, por completo, as exigências de justiça, também elas inerentes ao Estado de direito; A vítima e a própria sociedade aspiram a uma tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º da CRP) impondo que aquilo que não foi nem podia ser julgado deve ser, de forma intransigente (art. 219.º, n.º 1, da CRP), considerado.

    Eduardo CORREIA já defendia, que «um outro domínio relativamente ao qual há que limitar o poder de cognição, diz respeito a efeitos de actividades criminosas que se desenvolvem depois de findo o processo que as apreciou: v.g. a morte da vítima após a condenação do agente pelo crime de ofensas corporais. Também neste caso, embora contra certa doutrina e jurisprudência, se deve com BELING e SAUER, aceitar que cessa o poder de cognição e que se torna possível o exercício de uma nova acção penal tende a completar a apreciação feita no primeiro processo. É que o tribunal só pode considerar-se obrigado a conhecer dos factos passados ou presentes, não sendo legítimo deixar de aplicar-se uma pena a um resultado criminoso só porque teve lugar um processo que, qualquer que tenha sido o seu objecto, terminou antes de ele se produzir»; Na Alemanha esta posição conta como defensores nomes como Claus ROXIN ou Hans-Heiner KÜNHE e em Itália nomes como Franco COPPI; Neste contexto, por se entender que ocorreu errada interpretação e aplicação das normas dos arts. 20º, 24º nº 1, 29º, nº 5 e 219º nº 1, todos da CRP, bem como dos arts. 358º e 359º, ambos do CPP, normas vulneradas, impetra-se a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que recebendo a acusação deduzida designe dia para julgamento.

  3. O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e sem efeito suspensivo.

  4. O arguido não respondeu à motivação de recurso.

  5. A demandante também não respondeu à motivação de recurso[2].

  6. Nesta instância, o Ministério Público teve vista dos autos (artigo 416º, nº 1, do Código de Processo Penal), emitindo um parecer que secundou, fundamentadamente, a resposta aduzida na primeira instância nos termos a seguir reproduzidos: Atalhando caminho, diremos que o que se pretende com o presente recurso é que seja revogado o despacho impugnado e ordenada a sua substituição por outro que, resolvidas as questões a que alude o artigo 31 Io, do C. P. Penal, designe dia para julgamento dos factos descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público, constante de fls. 460/471.

    Cremos que a solução será encontrada na resposta que for dada à controvertida questão do poder de cognição do juiz relativamente aos resultados dos atos criminosos que se desenvolvam depois de findo o processo e da admissibilidade do exercício de nova ação penal tendente ao julgamento desses novos factos.

    Embora reconhecendo que existe um "facto...

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