Acórdão nº 820/07.5TBMCN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução31 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 820/07.5TBMCN.P1 Comarca do Porto Este Penafiel- Inst. Central-Sec. cível- J2 Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto: B…, C… e D… vieram propor contra “E…, S.A.” e “F…” – entretanto designada “E1…, S.A.” a presente acção ordinária.

Pediam a condenação das Rés no pagamento da quantia de €355.733,09, sendo €30.000,00 de danos morais de cada um, €39.903,83 de danos próprios da vítima mortal, €50.000,00 pela perda do direito à vida do seu pai e marido e €174.579,26 a título de danos patrimoniais, dos quais €1.000,00 atinentes a despesas de funeral e €250,00 de gastos com roupa.

Para fundamentarem as respectivas pretensões aduziram, em síntese, o falecimento do seu marido e pai, respectivamente, por afogamento, na albufeira da Barragem do G…, o qual foi consequência da existência de um fundão, por seu turno decorrente do enchimento da albufeira sem qualquer nivelamento da orografia preexistente, sendo certo que inexistente qualquer aviso ou advertência no local para uma tal realidade e perigosidade e, por outro lado, utilizado o local como praia fluvial, sem qualquer actuação pelas Rés no sentido de o impedirem. Ora, na medida da concessão pelo Estado às Rés daquela parcela do domínio hídrico, as obrigações de segurança e prevenção de sinistros como aquele em apreço impendiam sobre aqueles, com o que consubstanciada a ilicitude do seu comportamento.

Contestaram as Rés, aduzindo não existir qualquer fundamento legal para a respectiva responsabilização, posto que não lhes cabendo qualquer dever de vigilância do “território” da albufeira ou sequer de advertência dos perigos, salvo o perímetro exclusivo junto da barragem mesma, este sinalizado; posto que a jurisdição do espaço não lhes pertence. E atribuíam a morte do sinistrado à sua própria culpa e imprevidência.

Requereram a intervenção acessória da Companhia de Seguros cujo contrato garante a respectiva responsabilidade civil.

*Foi admitida a intervenção acessória das seguradoras, “H… – Companhia de Seguros, S.A.” e “I…, S.A.”, por via da específica configuração do asseguramento da responsabilidade civil da Ré E…, as quais apresentaram contestação.

*Saneado e condensado o processo, procedeu-se ao julgamento, vindo a ser proferida sentença (fls. 735/754) que absolveu as Rés do pedido.

*Os Autores interpuseram recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões: QUANTO AOS FACTOS 1./ O Tribunal recorrido interpretou incorrectamente o conceito de “ praia” (fluvial ou marítima) que é uma formação geológica composta por partículas soltas de mineral ou rocha na forma de areia, cascalho, seixo ou calhaus ao longo da margem de um corpo de água, ou seja, uma costa, quer do mar, de um rio ou de uma albufeira. Acresce que, 2./ Com base no depoimento das Testemunhas J… (gravação áudio 00.00.01-00.45.28); K… (gravação áudio 00.00.01 -00.23.20); L… agente da GNR (gravação áudio 00.00.01-00.12.25); Comandante dos Bombeiros M… (gravação áudio-00.00.01-00.29.40); N… (gravação áudio 00.00.001-00.20.01) e das fotografias de fls. 21, 22 e 23 e dos documentos de fls. 31, 33, 34, 35, 36, 37,38, 629, 630, 631, 632, 634, 635, 636, 637, 638 e 639 devem as respostas à matéria dos quesito 1º, quesito 4º, quesito 9º da BI ser alteradas de “não provado” para “provado” que “ O… faleceu junto a um local utilizado como praia fluvial, localmente designado como P…”(Quesito 1º da BI) “Existia na altura do sinistro na margem esquerda uma praia não vigiada” ”(Quesito 4º da BI)“A praia mencionada à data do falecimento de O… era de livre acesso ao público.” ”(Quesito 9º da BI).

3./ Com base no depoimento das Testemunhas K… (gravação áudio 00.00.01 -00.23.20), L… (gravação áudio 00.00.01-00.12.25), M… (gravação áudio-00.00.0100.29.40) e dos documentos de fls. 31, 33, 34, 35, 36, 37,38, 629, 630, 631, 632, 634, 635, 636, 637, 638 e 639 deve a resposta à matéria dos quesito 10º da BI ser alterada de “não provado” para “ provado” que “Não tinha avisos ou alertas sobre a perigosidade do local” 4./Por violação do disposto nos art.s 552 nº1 d) e 5 nº 1e 2 e 615 nº 1 d) do CPC devem os segmentos da resposta à alínea “Q” dos factos provados ”… juntamente com os dois filhos menores, estes em cima de um colchão de água..”, “… de frente para a margem e de costas para a albufeira…”,”…para “dentro” da albufeira, num mínimo de cinco, sempre empurrando/afastando e aproximando de si o colchão onde estavam os filhos, assim permanecendo durante lapso de tempo concretamente não apurado, quando ,ao recuar mais uma vez…” ser considerados não escritos na referida resposta.

5./ Por outro lado tribunal recorrido ao incluir na resposta da alínea “Q” dos factos provados os segmentos ”… juntamente com os dois filhos menores, estes em cima de um colchão de água..”,”… de frente para a margem e de costas para a albufeira…”,”…para “dentro” da albufeira, num mínimo de cinco, sempre empurrando/afastando e aproximando de si o colchão onde estavam os filhos, assim permanecendo durante lapso de tempo concretamente não apurado, quando ,ao recuar mais uma vez…” ,matéria não quesitada nem alegada pelas partes, sem conhecimento prévio dos AA/Recorrentes, proferiu uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório,( artigo 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil) por isso nula, que deve determinar que este segmento do quesito deve ser excluído da redacção da resposta.

6./ Com base no depoimento das Testemunhas K… (gravação áudio 00.00.01 -00.23.20) e N… (gravação áudio 00.00.001-00.20.01) s respostas aos quesitos 12º,13º e 14º da BI devem ser alteradas de “não provado” para “provado” que ”Cerca das 17.30, O… entrou nas águas do rio Q… e, caminhando sobre a crosta arenosa, avançou alguns metros até ter a água pela cintura?” “Confiante de que a profundidade no local no local não tinha variações acentuadas?” ”De Repente, quando deu um passo, desapareceu na água, afundando-se num buraco de profundidade superior à sua altura?” 7./com base no depoimento das testemunhas J… (gravação áudio 00.00.01-00.45.28) e Comandante M… (gravação áudio-00.00.01-00.29.40), e no documento de fls. 480 a resposta ao quesito 17º da BI deve ser alterada de “não provado” para provado que: “Nas épocas balneares anteriores ao falecimento do O… já haviam ocorrido no local aludido em 1º algumas mortes, pelo menos duas, por afogamento.

8./ Fundão é uma parte do leito do mar, rio ou albufeira onde a profundidade aumenta repentinamente e inesperadamente. Fundão é sinónimo de sorvedouro, voragem, abismo ou precipício que leva para o fundo o que nele cai. Os fundões e a morfologia dos leitos podem surgir quer por fenómenos naturais, quer por acção humana. No primeiro caso designam-se por fundões naturais e no segundo por fundões artificiais.

9./Ora quanto aos fundões artificiais, poderá dizer-se que o processo de artificialização do meio natural ocorre sempre que o homem transforma o espaço de acordo com as suas necessidades e disponibilidade de recursos. A construção de uma barragem é um dos processos de artificialização mais intensos e com impactos muito significativos sobre os sistemas fluviais em particular. Assim, torna-se obvio que se o leito da albufeira não foi regularizado (desmontando muros, casas etc.), mormente nos locais mais facilmente acessíveis pelas populações, com o enchimento da albufeira foram criados fundões (artificiais por resultarem da actividade humana) 10./De resto o Dec. Lei 77/2006 de 30/3 define massa de água artificial como sendo uma massa de água criada pela actividade humana, e não oferecendo dúvidas que uma albufeira é uma massa de água artificial, os fundões por ela criados logicamente serão artificiais. Ora se, como até ficou provado, no local do afogamento à distância de uma passada existem variações altimétricas até cerca duas vezes a altura de um homem médio é notório que por via da falta de regularização do leito da albufeira, as Rés/Recorridas criaram fundões artificiais com mais de 3 metros de profundidade.

11./ Pelo que com base no que ficou nos nºs anteriores e no depoimento das Testemunhas K… (gravação áudio 00.00.01 -00.23.20) e M… (gravação áudio 00.00.001-00.20.01), documentos de fls 33, 34, 36, 37 e prova pericial de fls 499 a resposta ao quesito 21º da BI deve ser alterada de “não provado” para “provado” que “Por via da falta de regularização do leito da albufeira, as Rés criaram fundões artificiais com mais de 3 metros de profundidade.

QUANTO AO DIREITO 12./Como quer que seja e independentemente da alteração da matéria de facto sempre a acção deverá proceder pelas seguintes razões de direito.

13./O Aproveitamento hidroeléctrico do G… é constituído pela realidade física que resulta da construção da barragem designadamente a albufeira criada pela barragem (cláusula 5ª)” (fls. 366 e ss).

14./À data do acidente o conceito de “albufeira” estava concretizado no Artigo 3.º do Dec. Lei 11/90 de 6/1 (Regulamento de Segurança de Barragens) da seguinte forma: c) Albufeira - quer o volume de água retido pela barragem (conteúdo), quer o terreno que circunda o mesmo volume (continente), quer ambos, devendo o sentido, em cada caso, ser deduzido do contexto; 15./Pelo que o título de utilização da R/Recorrida F… SA (hoje E1… SA) incluía quer o volume de água retido pela barragem (conteúdo), quer o terreno que circunda o mesmo volume.

Acresce que, mesmo que assim não fosse, 16./Não se pondo em causa que a R/Recorrida F… SA (hoje E1… SA) detém um título de utilização sobre o leito da albufeira, nesse leito por força do disposto no art. 10 nº1 da Lei 54/2011 de 15/11 estão incluídos os areais formados por deposição aluvial.

17./Finalmente mesmo que por mera hipótese as margens não estivessem sob a administração da R/Recorrida F… SA (hoje E1… SA), nem mesmo assim elas estavam dispensadas de sinalizar o local, pois a sinalização (bóias, cordas, placards, etc.) podiam ser colocados no plano de água 18./Assim ao contrário do que refere a sentença recorrida a R/Recorrida F… SA (hoje E1… SA)...

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