Acórdão nº 821/16.2T9GDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução10 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec nº 821/16.2T9GDM.P1 TRP 1ª Secção Criminal Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto No Proc. C.S. nº821/16.2T9GDM do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal de Gondomar - Juiz 2 foi julgado o arguido B...

C... constituiu-se assistente e apresentou pedido de Indemnização civil peticionando o pagamento de uma indemnização de €10.000,00.

Após julgamento por sentença de 7/4/2017 foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto:

  1. Absolvo o arguido B... da prática de um crime de violência doméstica previsto e punível pelo disposto no art.° 152. n.°s 1, al. b), e n.° 2, do Código Penal.

  2. Convolando a incriminação jurídica efetuada em sede de acusação, condeno o arguido nas penas de: - 10 (dez) meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art° 143°, nºl e 145°, n° 1, al. b), n° 2 e 132°, n° 2, al. b) do CP; - 2 (dois) meses de prisão pelo crime de coação na forma tentada, p. e p. pelo art° 154º, n° 1 e 22° do CP - Em cúmulo jurídico das penas acabadas de referir, condeno o arguido na pena única de 9 (nove) meses de prisão.

    - Suspendo a pena de prisão acima aplicada pelo período de 1 (um) ano, subordinada ao pagamento, nesse período, à ofendida C... da quantia de €1.200,00 (mil e duzentos euros).

  3. Na procedência parcial do pedido de indemnização contra si deduzido pela demandante civil C..., condeno o arguido/demandado no pagamento da quantia de €1.200,00 (mil e duzentos euros), absolvendo-o do demais peticionado.

  4. Custas criminais a cargo do arguido, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

  5. As custas pelo pedido de indemnização civil ficam a cargo da demandante e do demandado em função do seu decaimento.

    Recorre a assistente a qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões: “I. Apelante com o presente recurso pretende impugnar a decisão que absolveu o arguido da prática do crime de violência doméstica p.p. no art.º 152, n.º 1 al. b e n.º 2 do CP; II. Ao considerar apenas os factos ocorridos após a queixa promovida pela Apelante no âmbito do processo n.º 149/15.5GDGDM, indicando como sendo o dia 15.02.2016, cometeu o Tribunal a quo um erro manifesto, nos termos do disposto no art.º 410 n.º 2 do CPP, atendendo a que resulta do próprio texto uma contradição ostensiva, na medida em que refere-se que só se poderá ter em consideração o facto ocorrido a 31.01.2016, que efectivamente ocorreu em data anterior; III. Erro que é ostensivo pois a notícia do crime não poderia ocorrer após o despacho de arquivamento, que conforme consta da acusação de fls 12 a 14 dos autos ocorreu a 15.06.2015; IV. Erro que tem relevância na apreciação dos factos posto que entre Fevereiro de 2015 e Fevereiro de 2016, continuaram a ser praticados factos susceptíveis de serem integrados no tipo de crime de que o arguido vinha acusado.

    V. Impondo-se pois a rectificação da sentença neste segmento, sendo que conforme consta da certidão dos autos supra referidos a queixa foi apresentada no dia 21.02.2015.

    VI. No que se refere ao despacho de arquivamento, não é uma decisão de mérito e como tal não tem força preclusiva. Porquanto está sempre latente, na medida em que, apenas é eficaz, enquanto se mantiverem os pressupostos em que o despacho foi produzido – “caso julgado rebus sic stantibus”; VII. Os pressupostos e as circunstâncias em que se sustentou o Ex.mo Sr. Procurador são diferentes, sendo que foi a mesma pessoa que presidiu à investigação nos dois processos e teve o cuidado de extrair certidões do primeiro processo e juntá-las ao segundo, mantendo a decisão de acusar por factos diferentes, porque encabeçam uma realidade jurídica diferente, da apreciada no primeiro processo.

    VIII. A queixa apresentada no processo n.º 149/15.5GDGDM, relativa aos factos ocorridos a 13.02.2015, integram o crime de ameaças e injurias e só relativamente a estes declarou a aí ofendida, querer procedimento criminal, cfr queixa formulada a 21.02.2015, às 15:48h..

    IX. Dos esclarecimentos prestados no depoimento subsequente, pelas 17:47h, do mesmo dia, não consta a intenção de procedimento criminal, nem sequer tais factos foram considerados pelo MP, conforme decorre do despacho de arquivamento, constante de fls 12 a 15 dos presentes autos.

    X. Como tal, nunca tal processo poderia ser reaberto para investigação do crime de violência doméstica no pressuposto de surgirem novos factos, porquanto a factualidade aí considerada foi única exclusivamente a que sustentou a notícia do crime.

    XI. O despacho de arquivamento do inquérito proferido nos termos e ao abrigo do art. 277, nº 2, do C. P. Penal, tem, como qualquer outro, o limite daquilo que efectivamente foi apreciado e decidido, não tendo no mesmo, sido apreciados os factos, que sustentaram a acusação pública do presente processo, à excepção das ameaças e injúrias do dia 13.02.2015, que aqui se consideram como fazendo parte de uma outra realidade considerada por múltiplas acções que convergem num único crime, o crime de violência doméstica.

    XII. O desiderato do Tribunal a quo, foi afastar qualquer factualidade que tivesse ocorrido nos dez anos anteriores, à queixa apresentada no âmbito do processo n.º 149/15.5GDGDM, para não apreciar os factos constantes da acusação pública e discutidos em audiência de julgamento, factos que na verdade também não foram apreciados no primeiro processo.

    XIII. Contudo atendendo a que esse período não foi escalpelizado, nem considerado pelo MP, na investigação, não fazendo sequer referência ao mesmo, no despacho de arquivamento, não pode o Tribunal a quo considerar a existência de caso julgado, pressuposto subjacente ao princípio ne bis in idem.

    XIV. Aliás estamos perante um novo processo, autónomo, que se debruça sobre uma nova realidade jurídica que deve ser considerada no seu conjunto, face a uma pluralidade de ocorrências, que se prolongaram de forma reiterada no tempo. Vidé no mesmo sentido o Acórdão do T.R.P., (processo n.º 888/14.8GDPRD.P1, pelo Ex.mo Relator Jorge M Langweg); XV. Existe uma conexão processual de factos e não uma duplicação dos mesmos, que devem ser assumidos pelo tribunal, como uma nova realizada considerada no seu conjunto, enquadrando um percurso criminoso, terminando com a execução do último facto.

    XVI. Foi violado o principio da dignidade humana, considerado no direito da pessoa se desenvolver de forma saudável, as legitimas expectativas, das vitimas verem protegidos os seus direitos, não podem ser violadas por direitos de defesa absolutos, violou-se o art.º 2.º da CRP, o art.º 26º e 27º da CRP, na medida em que o estado deve contribuir para a realização da personalidade ética de cada um e com a interpretação conferida aos princípios de direito pelo Tribunal a quo, tais direitos saem directamente violados.

    XVII. Termos em que, a decisão deve ser revogada, o processo reenviado à instância. Para que o Tribunal a quo, fixe os factos dados como provados de acordo com a prova produzida em audiência de Julgamento.

    XVIII. O Tribunal a quo considerou parte da matéria como conclusiva, genérica e sustentada em juízos de valor, optando por considerar tal matéria como não escrita.

    XIX. A Apelante não se conforma com tal decisão atendendo à especificidade do tipo de crime objecto da acusação; XX. Atendendo a que muitas das condutas consideradas individualmente não têm relevância criminal, contudo no conjunto dos restantes factos são importantes para formar a convicção e podem-se tornar típicas à luz do art.º 152º do CP, do crime de violência doméstica.

    XXI. Dado que, actos contínuos de pressão, de tensão, de despotismo, com o tempo conduzem a transtornos da personalidade da vitima, a perturbações que marcam um caminho e que o condicionam para toda a vida.

    XXII. Para o tipo de crime em discussão (violência doméstica) relevam tanto os factos que realizam o crime, como aqueles que interessam para unificar uma pluralidade de infracções, tratam-se de enunciados linguísticos descritivos de acções, que no conjunto assumem relevância criminal e como tal devem ser considerados: XXIII. Dizer que «Cerca de um ano após o casamento o relacionamento entre o arguido e a ofendida começou a deteriorar-se, começando a surgir no decurso das mesmas agressões verbais e, posteriormente, também agressões físicas.» XXIV. Considera o Tribunal a quo, que se trata de uma combinação de juízos de valor, contudo consideramos que se trata de um enunciado para avançar no sentido da concretização de factos futuros, tais como os que à frente são descritos como empurrões, estalos entre outros episódios descritos, o mesmo raciocínio para a expressão «o relacionamento deteriorar-se», XXV. «agressões verbais e físicas» - Conclui o Tribunal a quo “Para se saber se houve agressões verbais e físicas mister seria que se conhecessem os atos e as palavras específicas levadas a cabo pelo arguido”, efetivamente na acusação referem-se quais os actos que integravam tanto as ofensas físicas, como as verbais “puta, vaca, gorda, não vales nada, na cama, se estás maluca cura-te…” XXVI. Tais factos estão concretizados e deveriam ter sido considerados pelo Tribunal a quo: XXVII. “A expressão «Sempre que as coisas não corriam do agrado do arguido, designadamente no trabalho, o mesmo descarregava a sua frustração na ofendida», «O arguido controlava-a nos horários, os locais e companhias», «Por forma a exercer controlo sobre a ofendida, controlava todo o dinheiro, obrigava a ofendida a mendigar, quantia diminuta»” XXVIII. A reacção penal depende essencialmente da prova produzida em sede de audiência de julgamento e no que se refere ao controlo do dinheiro e ao mendigar, no decurso do julgamento foram efectivamente descritas várias situações que configuram factos naturalísticos que sustentam as referidas alegações, contudo é necessário que o Tribunal se pronuncie relativamente aos factos trazidos ao seu conhecimento e caso seja necessário usar do dispositivo do CPP art.º 358º, instituto da alteração não substancial...

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