Acórdão nº 229/06.8IDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelVASCO FREITAS
Data da Resolução13 de Janeiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 611 - FLS 11.

Área Temática: .

Sumário: I - O crime de fraude fiscal, previsto no art. 103º, n.º 1 al. b) do RGIT, pode ter lugar por “ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária”.

II - O crime em causa é essencialmente doloso, podendo consumar-se sob todas as formas de dolo: directo, necessário ou eventual.

III - Sendo plausível, face à prova produzida no inquérito e na instrução, a versão do arguido de que não entregou qualquer declaração de rendimentos em Portugal, por estar convencido de que era considerado residente no Brasil, para efeitos fiscais, tanto mais que entregou à Administração brasileira uma declaração com todos os rendimentos, incluindo os auferidos em Portugal, não existem indícios bastantes para que se possa imputar ao arguido o elemento subjectivo do tipo (dolo).

Reclamações: Decisão Texto Integral: Recurso Penal nº 229/06.8IDPRT.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I RELATÓRIO No termo do inquérito que, com o nº 229/06.8IDPRT correu termos nos serviços do DIAP junto do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, o MºPº, deduziu acusação contra o arguido B………, identificado nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de fraude fiscal p. e p. pelo artº 103° nº 1 al b) do RGIT, aprovado pelo artº 1 ° nº 1 da Lei nº 15/200 1, de 5/6; com referência aos art°s 57°, 60° e 65° nº3 do Cód. do IRS (Dec-Lei nº 442-A/88 de 30-11, revisto pelo Dec-Lei nº 198/2001, de 3-7, alterado pelo Dec-Lei nº22112001, de 7-8), artºs 3º-A nº 1 al. b) e nº 4 al. b) e 119º nº 1 do Cod. IRS na versão da Lei nº 32-B/2002 de 30/12 e artº 109º nº 1 do Cod. Do IRC (aprovado pelo Dec-Lei nº 442/88 de 30/11 e revisto pelo Dec-Lei nº 198/2003 de 03/07) Não se conformando com tal acusação veio o arguido, pugnando pela sua não pronuncia, requerer a abertura de instrução; realizada esta, foi proferido despacho não pronunciando o arguido pelo crime que lhe havia imputado.

Inconformado com a decisão instrutória, dela interpôs recurso o MºPº, pretendendo a sua revogação e substituição por outra que pronuncie o arguido pelo referido crime, formulando as seguintes conclusões: “Para a pronúncia basta que tenham sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança, não sendo necessária a certeza absoluta dos factos que dela constam.

Tendo sido colhida prova de que o arguido residia permanentemente em Portugal no ano de 2004, aqui desenvolvia a sua actividade de jogador de futebol, recebia o seu vencimento e tinha o seu domicílio fiscal, competia-lhe face ao art. 57° do IRS, apresentar a sua declaração de rendimentos em território nacional.

Não o tendo feito e daí tendo resultado para si uma vantagem patrimonial de valor superior a € 15.000, há indícios suficientes para ser pronunciado pelo crime de Fraude Fiscal, por ocultação de valores por si auferidos.

O facto de o arguido ser cidadão brasileiro e poder beneficiar da Resolução da Assembleia da República nº 33/2001 destinada a evitar a dupla tributação, não lhe permitia efectuar uma declaração de rendimentos no seu país de origem, omitindo fraudulentamente rendimentos auferidos em território nacional.

O despacho recorrido interpretou e aplicou incorrectamente o disposto no art. 57° do Código do IRS, 5° e 103 nº 1, b) do RGIT(-Lei nº 15/2001 de 5.06) e bem assim o art. 4° da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre o estado Português e a República do Brasil, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n° 33/2001 de 27.04.

Deve assim ser revogado e substituído por outro que pronuncie o arguido pelo crime porque foi acusado, sem prejuízo de posterior e melhor quantificação dos valores em causa na Fraude Fiscal, mas indubitavelmente acima de €15.000 conforme acima demonstrado.

Acreditamos que assim far-se-á JUSTIÇA” *Não houve resposta ao recurso.

O recurso foi admitido.

*Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

*Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo havido qualquer resposta Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

Cumpre decidir.

II FUNDAMENTAÇÃO É do seguinte teor, na parte que para aqui interessa, o despacho de não pronuncia proferido pelo Mº JIC em acta e após o debate instrutório: “Não há nulidades ou questões prévias a conhecer.

Como é sabido a instrução visa meramente comprovar a suficiência dos indícios para submeter uma pessoa a julgamento.

Ponderando toda a prova documental produzida na instrução, designadamente de fls. 154 a 163, os últimos autenticados por entidade oficial brasileira, consideramos suficientemente indiciados os factos alegados no artº 6°, 7°, 19°e 20° do R.A.I..

Mas independentemente desses factos, sempre se dirá que temos entendido que o crime de fraude fiscal implica, como seu facto constitutivo que alguma declaração tenha sido apresentada à administração tributária, com factos ou valores ocultados ou alterados. Só essa conduta pode representar um desvalor e um dolo passível de perseguição penal. Nesse sentido, leia-se a anotação do Juiz Cons. Alfredo José de Sousa, ao artº 23° do antigo RJIFNA (Livraria Almedina Coimbra, 1990, pago 58) e Nuno Pombo ("A Fraude Fiscal" Almedina, 2007, pags. 94 e seguintes e conclusão 12° a pago 295).

Como se depreende da leitura da acusação o arguido não apresentou qualquer declaração à administração tributária , o que pode ter explicação no entendimento que defendeu no requerimento de abertura de instrução e que afasta qualquer dolo por fraude fiscal. Nestas condições dificilmente o arguido podia ser condenado por um crime de fraude fiscal ou qualquer outro.

Pelo exposto e decidindo, nos termos do disposto nos artºs 307°, nº1 e 308° do C.P.Penal, não pronuncio o arguido B………., determinando o arquivamento dos autos.

Não há lugar a tributação.

Notifique.” *A acusação deduzida pelo MºPº e no que se reveste de interesse para a decisão ora em apreço, tem o seguinte teor:* 1ºO arguido B………., contribuinte nº ………, com domicílio fiscal na ………., …. - .., nesta cidade e comarca do Porto, no ano de 2004, desempenhou a actividade profissional de futebolista ao serviço do "C………".

2ºPara tanto, e na sua qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, estava tributado em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), pelo Serviço de Finanças de Porto 1.

3ºOra, naquele ano de 2004, o arguido auferiu rendimentos provenientes da sua actividade desportiva que lhe foram pagos pelo "C………." pelo que, e a título de remunerações de trabalho dependente (IRS - Categoria A),4ºrecebeu o montante total de € 1.193.022,86 = Esc. 23.917.961.074$00, tendo o "C………." efectuado retenções na fonte de IRS no valor de e 263.443,00 = Esc. 52.815.580$00 (mediante a aplicação da taxa de 22%),5ºconforme se alcança do Anexo J da Declaração Modelo 10 [a que se refere o artº 109° nº1 do Cod. do IRC (aprovado pelo DL n °442-B/88, de 30-11 e revisto pelo DL nº 198/2001, de 3-7), e art° 119° nº1 na versão da Lei nº 32-B/2002, de 30-12, do Cod. do IRS (aprovado pelo DL nº 442-A/88, de 30-11 e revisto pejo DL n° 198/2001, de 3-7)] 6ºentregue à administração fiscal pelo "C……….", referente ao ano de 2004, donde constam os rendimentos pagos naquele ano, relativos à categoria A de IRS (doe. de fls. 17 a 38), nomeadamente, os que foram pagos ao futebolista ora arguido, o qual sabia que estava legalmente obrigado a 7ºdeclarar ao Fisco (como qualquer outro sujeito passivo) todos os rendimentos auferidos como trabalhador dependente...

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