Acórdão nº 8991/06.1TDLSB.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDO VENTURA
Data da Resolução12 de Outubro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório 1. Nos presentes autos com o NUIPC 8991/06.1TDLSB, em curso no 2º Juízo Criminal de Braga, por despacho proferido em 09/01/2009, foi declarada extinta a responsabilidade criminal dos arguidos, nos termos do artº 2º, nº2 do Código Penal Doravante referido por “CP”.

, por descriminalização da conduta imputada, a saber, da prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelo artº 107º, nº1 do Regime Geral das Infracções Tributárias Doravante referido por “RGIT”.

, constante da Lei 15/2001, de 5/6, e suas alterações, com referência à omissão de entrega de contribuições de valor inferior a €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).

  1. Inconformados com essa decisão, Ministério Público e Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Braga vieram interpor recurso, oferecendo as sínteses conclusivas que seguem Transcrição.

    : i. Recurso do Ministério Público – 1. O douto despacho recorrido considerou que a alteração ao artigo 105°, n° 1 do RGIT introduzida pelo artigo 113° da Lei n.° 64-A/2008, de 31l12, descriminalizou também condutas anteriormente integradoras dos crimes de abuso de confiança contra a segurança social previstas no art.° 107°, n° 1, sempre que a prestação tributária não seja superior a € 7.500,00, como é o caso dos autos, julgando extinta a responsabilidade criminal dos arguidos, em conformidade com o disposto no n.° 2, do art.° 2.° do CP.

  2. Para tanto, o Tribunal "a quo" entendeu que a "remissão feita pelo n.° 1 do artigo 107° do RGIT para as penas previstas no n.° 1 do artigo 105° do mesmo diploma, tem de se considerar feita não só para a pena como também para o respectivo valor mencionado nesse preceito ".

  3. Salvo o devido respeito, esta interpretação extensiva foi além da "mens legis ", não encontrando suporte nem na letra, nem no espírito da lei.

  4. Desde logo, o art.° 107.°, n.° 1, apenas remete para o art.° 105.° no que respeita às penas aplicáveis (n.°s 1 e 5 do art.° 105.°) e não à conduta. Esta última, encontra-se integralmente prevista naquele dispositivo legal. Não é, portanto, uma remissão em bloco para o art.° 105.°, mantendo-se, por isso, intacto o art.° 107.° 5. Por outro lado, constata-se que o legislador do RGIT, na parte III (Das infracções tributárias em especial), dentro do Título I (Crimes tributários), reservou dois capítulos diferentes, um para os crimes fiscais (capítulo III) e outro para os crimes contra a segurança social (capítulo IV), atribuindo-lhes, por isso, um tratamento diferente, tendo em conta a diferente natureza das prestações.

  5. Também não se pode afirmar uma total correspondência dos regimes punitivos dos crimes fiscais e dos crimes contra a segurança social.

  6. Não obstante a similitude da construção dos ilícitos de abuso de confiança fiscal e abuso de confiança contra a segurança social, são diferentes os bens jurídicos que visam tutelar.

  7. No crime de abuso de confiança contra a segurança social o bem jurídico tutelado é um bem jurídico multifacetado, abrangendo o direito fundamental à segurança social e o dever de solidariedade e, ainda, o património da segurança social, ao passo que no abuso de confiança fiscal visa-se proteger o erário público e o interesse do Estado na integral obtenção das receitas tributárias, tendo em vista a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e a repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

  8. Sendo, como são, actuais e prementes os problemas de sustentabilidade da Segurança Social Portuguesa, por certo não esteve no espírito do legislador, com a alteração da redacção do artigo 115°, n° 1 do RGIT (que prevê e pune o crime de abuso de confiança fiscal) feita pelo artigo 113° da Lei 64-A/2008, de 31/12, restringir também a punibilidade do crime de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. no art.° 107.°, n.°1 (dando um sinal de sentido negativo á sociedade, que redundaria num agravamento daqueles problemas).

  9. O douto despacho recorrido violou os artigos 113.° da Lei 64-A/2008, de 31/12, 105°, n° 1 e 107°, n° 1 do RGIT, 2° n° 2 do Código Penal e 9°, n° 2 do Código Civil.

    *Nestes termos, e noutros que Vossas Excelências como sempre saberão suprir, deve ser revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos, com a designação de nova data para a reabertura da audiência de julgamento.

    Dessa forma, se fazendo, como sempre Justiça.

    ii. Recurso do Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Braga – A. No dia 01 de Janeiro de 2009, entrou em vigor a Lei n.° 64-Al2008, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2009 e introduziu várias alterações ao R.G.i.T., designadamente, e para ao que ao presente caso importa, ao artigo 105°.

    1. A Lei n.° 64-A/2008, de 31 de Dezembro, veio alterar o art.° 105° do RG!T, tendo revogado o n.° 6 e alterado a redacção do n.° 1, passando este a ter a seguinte redacção: "Quem não entregar á administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa ate 360 dias".

    2. No que respeita à eventual aplicabilidade do regime ora introduzido pela a Lei n.° 64A/2008, de 31 de Dezembro, ao crime de abuso de confiança fiscal em relação à Segurança Social, parece que foi clara a intenção do legislador de introduzir o novo regime apenas para crimes de abuso de confiança fiscal, deixando de parte as prestações respeitantes à Segurança Social.

    3. A não ser assim, operar-se-ia, aliás, uma inaceitável despenalização em toda a linha dos comportamentos que tivessem por objecto declarações dos contribuintes retidas até ao montante em causa, na medida em que inexiste qualquer previsão em matéria contraordenacional semelhante à do artigo 114°, do R.G.I.T.

    4. Pelo que, a alteração ao artigo 105°, n.° 1, do R.G.I.T. nenhum efeito vem a reflectir quanto à definição do limite punível do crime de abuso de confiança fiscal em relação à Segurança Social.

    5. Mas, por força da revogação operada pelo art.° 115° da Lei do Orçamento do n.° 6, do art.° 105° do RGIT, os crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social apenas admitem, como causa de extinção da responsabilidade criminal, o pagamento efectuado nos termos do n.° 4 do citado art.° 105°.

    Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho, como é de Justiça.

  10. Notificados, os arguidos não responderam.

  11. O recurso foi admitido.

  12. Neste Tribunal da Relação de Guimarães, a Srª. Procurador-geral Adjunto elaborou douto parecer, no qual evidencia os distintos bens jurídicos protegidos pelo tipo penal de abuso de confiança fiscal, por um lado, e pelo abuso de confiança contra a segurança social, por outro, e considera que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, no sentido de que o artº 113º da Lei nº 64-A/2008 não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. pelo artº 107º do RGIT.

  13. Cumprido o artº 417º, nº2, do CPP, não foi apresentada resposta.

  14. Foram colhidos os vistos e realizou-se conferência.

    1. Fundamentação 2.1. Âmbito do recurso 8. É pacífica a doutrina e jurisprudência Germano Marques da Silva...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT