Acórdão nº 828/07.0TACTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução03 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatório Pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, sob acusação do Ministério Público e acusação particular da assistente B. foi submetido a julgamento em Processo, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido A, casado, comerciante, nascido a 21….1960, filho de M e de M., natural da freguesia e concelho de Castelo Branco, residente na Rua … em Castelo Branco, imputando-lhe o Ministério Público a prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.º1 e 3 do Cód. Penal, tanto na redacção anterior como na redacção posterior à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 04.09, e a assistente B., a prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º, n.º1 do Cód. Penal, acusação que o Ministério Público acompanhou .

A demandante B deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido A.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 22 de… de 2009, decidiu julgar as acusações improcedentes, porque não integralmente provadas e, em consequência: - absolver o arguido da prática do crime de falso testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.º1 e 3 do Código Penal; e - absolver o arguido da prática do crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º, n.º1 do Código Penal.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso a assistente B., concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1.º ‑ Comete o crime previsto e punido no artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal quem imputa facto ofensivo da honra a outrem, por meio de formulação de um juízo de igual modo lesivo da honra de uma pessoa ou ainda pela reprodução de um juízo por meio de terceiros.

  1. ‑ Da sentença recorrida resulta provado que o arguido, dirigindo‑se a terceiros, proferiu palavras objectivamente, atentatórios da sua honra e consideração.

  2. ‑ Resulta igualmente provada a intenção de ofender a Assistente no seu bom nome, honra e consideração, sabendo que a sua conduta, voluntariamente assumida, era proibida e punida por lei.

  3. ‑ Da matéria de facto provada não resulta que o arguido fez as afirmações em causa nos autos para realizar interesses legítimos e que tais imputações são verdadeiras, ou que tinha fundamento sério para, de boa fé, as reputar verdadeiras.

  4. ‑ Pelo contrário, da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum, facilmente se dá conta que o arguido agiu de forma dolosa e com base suficiente para reputar o seu depoimento como falso.

  5. ‑ A causa de exclusão da ilicitude prevista no art.31.º, n.º 2, al.c) do Código Penal não tem aplicação no caso enunciado, porquanto para o crime de difamação o legislador previu uma específica causa de exclusão da responsabilidade penal, que determina que a conduta não será punível se, cumulativamente, o arguido provar a o interesse legítimo e veracidade das declarações prestadas.

  6. ‑ Impende sobre o arguido o ónus de provar a veracidade do depoimento, assim como que tinha fundamento sério para, de boa fé, o reputar de verdadeiro ‑ art.180.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal.

  7. ‑ A sentença recorrida enferma de manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão e de errada interpretação da matéria de facto provada e do artigo 180.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

  8. ‑ Da matéria de facto provada resulta que da conduta, ilícita e culposa, perpetrada pelo arguido decorreram danos, patrimoniais e não patrimoniais, para a assistente, cifrando‑se os primeiros em € 750,00.

  9. ‑ A factualidade provada permite também ao tribunal arbitrar indemnização a título de danos não patrimoniais, a qual deveram ser fixada de forma equitativa, tomando em consideração a gravidade das imputações feitas pelo arguido e da consequente ofensa que as mesmas representaram para a assistente.

  10. ‑ Deve, pelo exposto, revogar‑se a douta sentença recorrida, proferindo-se acórdão que condene o arguido pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º do CP, e que julgue o pedido cível formulado totalmente procedente, como é, aliás, de inteira Justiça! O Ministério Público na Comarca de Castelo Branco respondeu ao recurso interposta pela assistente, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da sentença absolutória.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte: Factos provados 1 – Correram termos pelo … Juízo do Tribunal da Comarca de Castelo Branco um autos de Processo Comum Singular com o n.º …/04.0TACTB, nos quais a aqui assistente B. também figurou como assistente e onde foram constituídos arguidos JO. e A.

2 – Antes de chegar à fase do julgamento, os autos passaram pela fase de instrução, onde o aqui arguido J. foi arrolado como testemunha pelos mencionados JO e A.

3 – Durante a fase instrutória o aqui arguido prestou depoimento perante o Juiz de Instrução, na qualidade de testemunha e após ter prestado o juramento legal de responder com verdade às perguntas que lhe fossem feitas.

4 – No depoimento então prestado o arguido, na qualidade de testemunha e após prestar o juramento legal, reportou-se à aqui assistente B. que: “É do seu conhecimento que a assistente pedia aos fornecedores uma percentagem sobre os preços dos produtos fornecidos ao hotel, que no seu caso foi de 2%. Mais refere que essa foi a razão pela qual a empresa para a qual o ora depoente trabalha deixou de fornecer o hotel.

Mais esclarece que efectivamente era falado entre os fornecedores do hotel que a assistente e bem assim outras pessoas que ali trabalhavam na área das compras cobravam percentagens aos fornecedores” ( sic); Mais afirmou o aqui arguido, na referida fase de instrução na qualidade de testemunha e após prestar o juramento legal que : “Para além do seu caso, refere que existe uma outra empresa que se dedica à venda de congelados, que funciona por cima da padaria de M…, na Zona …. de Castelo Branco, cujo nome desconhece mas que pertence a um senhor conhecido por X…, para a qual trabalha um funcionário de nome P, entretanto falecido há cerca de ano e meio, referindo-lhe este último que também a ele a B. havia pedido o pagamento de 2%.

Não sabe se o referido P. ou a empresa para a qual trabalhava efectivamente pagavam os 2%. O referido P. disse-lhe também que por vezes levava caixas de camarão a casa da B., desconhecendo o depoente se isso assim era e a que título o fazia ” ( sic).

Nas mesmas circunstâncias, a ali testemunha e aqui arguido disse: “ que a B. lhe tinha pedido o pagamento dos 2% fosse feito por fora” ( sic).

5 – Na sequência do transcrito depoimento do aqui arguido, ali testemunha, foi ouvido no decurso da mesma instrução o X, que negou que alguma vez a aqui assistente lhe tenha pedido, a sí ou ao seu cunhado P. qualquer percentagem nas vendas feitas ao hotel.

6 – Quando prestou o referido depoimento o arguido actuou de forma voluntaria, livre e consciente na selecção do seu conteúdo e sentido.

7 – Com as declarações prestada pelo aqui arguido e transcritas em 4) a propósito da assistente, enquanto funcionária do Hotel,… pôs em causa a honorabilidade e seriedade daquela, tendo a mesma ficado vexada.

8 - Em consequência das deslocações da assistente ao escritório do seu ilustre mandatário bem como das despesas que suportou com tais deslocações e Tribunal Judicial de Castelo Branco com os honorários que terá de lhe pagar, aquela terá de despender, pelo menos, 750,00 Euros.

Matéria de facto não provada Em face da prova produzida e analisada em julgamento, não ficámos convictos de que :

  1. Ao proferir as expressões transcritas no depoimento que prestou o aqui arguido quis ofender a assistente no seu nome, honra e consideração, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  2. Que o conteúdo das afirmações transcritas supra em 4) é contrário à verdade, coisa que o arguido sabia ao prestá-las em Tribunal e ainda assim proferiu-as actuando de forma voluntário livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  3. Que a assistente tenha tido qualquer prejuízo patrimonial ou despêndio com a sua deslocação ao Tribunal por causa deste processo.

    Motivação Convicção positiva: A matéria de facto consignada com provada nos pontos 1, 2, 3, 4 e 5 resultou da apreciação que fizemos da prova documental junta aos autos e bem assim do conhecimento funcional que já tínhamos dos factos derivados do factos de termos sido o Juiz de Instrução perante o qual os factos se passaram.

    De resto, foi esse conhecimento funcional que nos permitiu dar como assente a matéria de facto vertida no ponto 6.

    Já a matéria de facto constante do ponto 7 resultou do teor do depoimento prestado em julgamento pela testemunha MG a qual, não obstante sogra da assistente, e tendo alguma dificuldade em distinguir entre os concretos reflexos dos factos apreciados nestes autos alegadamente praticados pelo arguido, dos concretos reflexos sobre a pessoa da assistente de todos os demais factos apreciados no âmbito do Processo Comum Singular com o n.º …/04.0TACTB, do .. Juízo deste Tribunal, no essencial pareceu-nos credível o seu depoimento, pois que a matéria ali vertida é a que está de acordo com as regra da experiência e da normalidade do acontecer.

    Por fim, a matéria de facto vertida no ponto 8 assentou nessas mesmas regras da experiência e da normalidade do acontecer.

    Convicção negativa: A explicação dos fundamentos que nos levaram a dar como não provados os factos contidos no ponto 2.1.2. é mais delicada do que aquela que nos levou a formar a convicção positiva daqueles que ficaram provados, em particular no que diz respeito aos factos das al.s a) e b) .

    A propósito dos referidos factos foram apreciados os depoimentos do arguido, que continuou a manter as afirmações já feitas no...

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