Acórdão nº 135/09.4JAAVR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Dezembro de 2009
Magistrado Responsável | JORGE JACOB |
Data da Resolução | 09 de Dezembro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
I – RELATÓRIO: O inquérito que originou estes autos de recurso em separado iniciou-se com a queixa apresentada por R… contra desconhecidos por factos susceptíveis de integrar a prática de crime de violação de domicílio, cometido mediante a utilização de telemóvel.
No decurso do inquérito e esgotadas as diligências possíveis, o M.P. requereu ao Exmº Juiz de Instrução Criminal que determinasse à operadora de comunicações Optimus a quebra do sigilo das telecomunicações, para que esta informasse a identificação e domicílio do titular do telefone que efectuou as chamadas para o telemóvel da ofendida, o que veio a ser indeferido por despacho judicial em que foi invocada falta de fundamento legal.
Inconformado com esse despacho, o M.P. interpôs o recurso agora em apreço, de cuja motivação retirou as seguintes conclusões: 1.° - No douto despacho recorrido indeferiu-se o acesso à identificação de um assinante de serviço de telemóvel porque, não se tratando da investigação de crime grave de acordo com a definição do artigo 2.° al. g) da Lei 32/2008 e pretendendo-se o acesso a dados regulados no artigo 4.° da mesma lei, não podia ser autorizado o acesso a tais dados (que a mesma lei só permite para os processos em que se investiguem crimes graves), porque o regime da lei 32/2008 derrogou o disposto no artigo 189.° n.º 2 do Código de Processo Penal.
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- Tal interpretação supõe que a Lei 32/2008 regula toda a matéria de conservação de dados relativos às telecomunicações e todo o acesso a tais dados para fins de investigação criminal; 3.º - Ora nenhum destes dois pressupostos corresponde à verdade, nem a Lei 32/2008 regula toda a matéria da conservação de dados, nomeadamente a conservação dos dados relativos à prestação de serviços de valor acrescentado, ou os dados de rede usados para facturação, nem necessariamente esgota todo o acesso aos dados gerados pelas telecomunicações para efeitos de investigação criminal; 4.º - A Lei 32/2008 regula apenas a conservação de determinados dados para exclusivos fins de investigação criminal de crimes graves e o acesso aos ficheiros de dados conservados.
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- Ou seja, o que a Lei 32/2008 regula é o acesso aos dados conservados mas não o acesso aos dados de rede ou a outros dados que legalmente se encontrem na posse das operadoras, quer esses dados sejam ou não coincidentes com os dados conservados, isto supondo que exista lei que de forma autónoma e compatível com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem autorize o acesso a tais dados.
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- Do exposto resulta que regulando a Lei 32/2008 apenas o acesso aos dados conservados e pretendendo-se o acesso à identificação de um assinante ao abrigo do disposto nos artigos 187.° n.º 1 al. e) e 189.° n.º 2 do CPP, respeitando essa informação a suspeito da prática de crime e indispensável à realização da investigação, deve autorizar-se o acesso o tal informação, por a Lei 32/2008 não ter procedido à revogação do disposto nos citadas disposições do CPP.
Com o que Vossos Excelências farão a costumada justiça! Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância pronunciando-se pela procedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a questão que importa decidir consiste em saber se a entrada em vigor da Lei nº 32/2008, de 17 de Julho, revogou o disposto no art. 189º, nº 2, do Código de Processo Penal, impossibilitando a obtenção da identificação de assinante de serviço de telemóvel para investigação de crime que não corresponda a um dos crimes classificados como “crime grave” pelo art. 2º, nº 1, al. g), daquela Lei.
* * II - FUNDAMENTAÇÃO: O despacho recorrido tem o seguinte teor: O sigilo das comunicações sofre as limitações que decorrem do disposto nos artigos 187.°, 189° e 190.° do CPP e ainda as decorrentes da Lei nº 32/2008 de 17-7, cuja entrada em vigor ocorreu no dia 7-8-2009.
Como o regime processual claramente pressupõe, a admissibilidade da transmissão de dados está conformada pelo princípio da proporcionalidade; não só pela especial gravidade dos casos em que é admitida (os chamados «crimes de catálogo»), mas também pela exigência de um juízo de necessidade e do grande interesse para a descoberta da verdade.
Especificamente quanto à obtenção e junção aos autos de dados sobre tráfego e de localização respeitantes a pessoas bem como de dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado para fins de investigação, detecção e repressão de crimes, esta só pode ser ordenada ou autorizadas por despacho do Juiz de Instrução sempre quanto a «crimes graves», tal como definidos na referida Lei (art. 2°, nº 1, g) isto é: a) terrorismo; a) criminalidade violenta (condutas dolosas contra a vida. a integridade física ou a liberdade puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos); b) criminalidade altamente organizada (condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência ou branqueamento); c) sequestro; d) rapto e tomada de reféns; e) crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal; f) crimes contra a segurança do Estado; g) falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda; h) crimes abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
E apenas quanto às pessoas referidas no nº 3 do artigo 9° da referida Lei: a) suspeito ou arguido; b) pessoa que sirva de intermediário - relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; c) vítima de crime, verificado o respectivo consentimento efectivo ou presumido.
No caso dos autos, está em causa a investigação de factos susceptíveis de integrar um crime de violação de...
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