Acórdão nº 4738/03.2TBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelISABEL ROCHA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE Sumário: I – A casa de morada de família é o lugar onde a família cumpre as suas funções relativamente aos cônjuges e aos filhos, constituindo o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar, não perdendo essa qualificação pelo simples facto de a família se ter desagregado e de a casa ter assim deixado de ser, de facto, a morada da família; II - Na decisão que tenha por objecto a atribuição do direito de arrendamento da casa de morada de família, deve ter-se em conta que o objectivo da lei é proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais seria ou foi atingido pela separação ou pelo divórcio. Deverá por isso atender-se, para além do mais, à situação patrimonial dos cônjuges e ao interesse dos filhos; III - Tais critérios devem presidir também á fixação da renda a pagar, pois não faria sentido que o tribunal viesse inviabilizar, na prática, o objectivo da lei, mediante fixação de um montante de renda incomportável para o ex-cônjuge beneficiado com o arrendamento.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO Amélia A..., divorciada, residente no Lugar de S..., freguesia de C..., Viana do Castelo, deduziu contra José C... o presente incidente previsto no artº 1413º do CPC, pedindo que lhe seja atribuída a casa de morada de família, com dispensa do pagamento de qualquer quantia.

Para tanto alega que: por processo litigioso que correu termos no Tribunal Judicial de Viana do Castelo foi decretado o divórcio entre requerente e requerido, com culpa exclusiva deste; O requerido há muito que abandonou a casa que era a morada da família, onde a requerente sempre viveu e ainda vive; não tem outra casa onde se possa recolher e foi ali que viu crescer os seus filhos; tem rendimentos escassos e é pessoa de saúde frágil, estando impossibilitada de trabalhar, não podendo pagar qualquer renda.

O requerido contestou, alegando, em síntese, que foi para França para angariar o sustento para a família, tendo sido com o rendimento do seu trabalho que conseguiu construir a sua casa, para onde vinha nas férias até 1995, altura em que a requerente começou a rejeitar a sua presença; também não possui outra casa e, estando reformado, pretende regressar a Portugal definitivamente e habitar a casa que construiu, sendo pessoa doente; a requerente explorou no prédio, o que lhe permitiu fazer o seu “pé-de-meia”; a atribuição da casa de morada de família deve ser deduzida como incidente da acção de divórcio, não sendo o respectivo processo de jurisdição voluntária. Conclui assim que o presente incidente deve ser indeferido ou, caso assim não se entenda, julgado improcedente.

Foi ordenada perícia para fixação do valor locativo da casa em questão.

Inquiridas as testemunhas indicadas por requerente e requerido, foi proferida decisão que julgou procedente o presente incidente, atribuindo à requerente a utilização da casa de morada de família, mediante a prestação mensal de €15, a pagar pela requerente ao requerido, a actualizar nos termos legais.

Inconformado, o requerido interpôs recurso de apelação da sentença, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1. No caso em apreço não existe "casa de morada de família", mas sim uma casa habitada pela Recorrida Amélia A..., que é simplesmente a casa onde a mesma reside.

  1. A casa em referência é propriedade de Recorrente e Recorrida, que foram casados e se encontram divorciados e com Processo de Inventário para partilha dos bens do casal, ainda pendente.

  2. A Lei, na parte da Subsecção que regula os efeitos do divórcio, no art°1793° do Cód. Civil, atribui um regime especial e excepcional não a qualquer casa pertencente aos cônjuges, mas àquela que se poderá considerar a "casa de morada de família" e isto com os olhos postos na "Instituição Familiar", na protecção da habitação da família, na necessidade provocada pela separação definitiva dos cônjuges, que a Lei procura satisfazer com os olhos postos na Instituição Familiar.

  3. No caso dos autos a Recorrida vive sozinha no prédio que é bem comum do casal e os filhos não vivem com a mãe, estão casados e não têm com ela qualquer economia comum, como resulta dos factos dados como provados.

  4. Só em casos excepcionais e havendo "casa de morada de família", que no nosso modesto entender não existe no caso em apreço, é que o Tribunal devera entregá-la ao cônjuge que não seja proprietário.

  5. A norma do art° 1793°, do Cód. Civil, ao abrigo do qual decidiu a Mma Juiz a quo na atribuição da casa a requerente, é uma norma excepcional que contraria o princípio geral da liberdade contratual e que no nosso modesto entender não se deve aplicar no caso sub judice.

  6. O objectivo da lei não é o de manter na casa o cônjuge ou ex-cônjuge que ali tenha permanecido após a separação de facto ou divórcio, mas o de proteger o que mais seria atingido pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar. (Ac. Rel. Porto de 26 de Fev. de 1998) 8. Não existe pois "casa de morada de família".

  7. A habitação em causa é uma casa de dois pisos e logradouro junto, composta de rés-do-chão e andar, tendo no rés-do-chão uma cozinha, duas salas e uma garagem e o andar constituído por uma cozinha um quarto de banho, quatro quartos e uma sala comum, com a área coberta de 488 m2 e um logradouro de 724m2, conforme certidão de teor matricial do referido art.° 452 urbano de C..., que dos autos de inventário consta e se junta como doc. 1 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

  8. ...

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