Acórdão nº 73/08.8TAIDN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 180º, 183º E 184º DO CP Sumário: 1. A honra está ligada à imagem que cada um forma de si próprio, construída interiormente mas também a partir de reflexos exteriores, repercutindo-se no apego a valores de probidade e de honestidade que não se deseja ver manchados. A reputação, por seu lado, representa a visão exterior sobre a dignidade de cada um, o apreço social, o bom nome de que cada um goza no círculo das suas relações ou, para figura públicas, no seio da comunidade local, regional ou mundial.

2. A liberdade de expressão e informação, na tripla vertente: direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem restrições, pode considerar-se um dos alicerces fundamentais das sociedades democráticas e pluralistas, nas quais a crítica e a opinião livres contribuem para a igualdade e aperfeiçoamento dos cidadãos e das instituições em geral.

Decisão Texto Integral: I. Relatório: 1.

No âmbito do inquérito, registado sob o n.º 73/08.8TAIDN, que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Castelo Branco, o assistente J... deduziu, em 26-05-2009 (cfr. fls. 90/92), ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Processo Penal (doravante designado apenas por CPP), acusação particular contra I..., melhor identificada nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de «difamação agravada com publicidade, p. e p. pelos artigos 180.º, 183.º e 184.º», todos do Código Penal.

O referido libelo acusatório teve o acompanhamento do Magistrado do Ministério Público (cfr. fls. 98).

*2.

Inconformada com o despacho de acusação, a arguida requereu a abertura da instrução, nos precisos termos de fls. 119/130.

*3.

Admitida a abertura da instrução, que não comportou qualquer diligência instrutória, teve lugar o respectivo debate, tendo sido a final proferido despacho de não pronúncia (cfr. decisão a fls. 154/167).

*4.

O assistente interpôs recurso da referida decisão, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – Vislumbra-se pela prova produzida quer na fase de inquérito, quer na fase da instrução, que a Arguida praticou os factos que são susceptíveis de integrar o crime de que vinha acusado.

  1. – O Tribunal a quo, ao não pronunciar a Arguida, violou o disposto no art. 286.º, n.º 1 (primeira parte) do Cód. Proc. Penal.

  2. – De facto, entende o Assistente que na fase da instrução não foi posta em causa a acusação particular, acompanhada que foi pela Meritíssima Magistrada do Ministério Público.

  3. – Na verdade, existem factos e consequente prova de que a Arguida cometeu um crime de difamação agravada com publicidade, p. e p. pelos arts. 180.º, 183.º e 184.º, todos do Cód. Penal, ao contrário do decidido no douto despacho de não pronúncia.

  4. – A notícia publicada pelo jornal “Correio da Manhã”, subscrita pela Arguida, é objectivamente e subjectivamente, integradora do crime de que vinha acusada.

  5. – Os requisitos da prática do crime estão preenchidos – facto típico, ilícito e culposo – como se explanou nas alegações supra mencionadas.

  6. – O Assistente foi objectivamente e directamente o visado com a notícia, que é falsa, já que o Assistente tem licença para guardar material e nunca trabalhou numa pedreira, como perpetua a notícia.

  7. – A Arguida fez um péssimo jornalismo, já que, nem se dignou ouvir a versão dos factos de quem era visado, aqui Assistente.

  8. – A notícia foi amplamente divulgada no concelho de ...-a-Nova e não só, que muita gente soube que a notícia visava o aqui Assistente.

Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o douto despacho proferido pela Meritíssima Juiz de Instrução, que não pronunciou a Arguida, e ser substituído por outro que pronuncie a Arguida.

*5.

Somente a arguida respondeu ao recurso, conclusivamente nos termos infra transcritos: 1. Não resulta da notícia qualquer facto que seja ofensivo da honra e consideração do Recorrente.

2. O Recorrente não é identificado na notícia, nem sequer o seu enteado que é objecto da notícia.

3. A Recorrida actuou com vista à realização de interesses legítimos, porquanto a liberdade de expressão e o dever do público de ser informado vêm constitucionalmente consagrados.

4. As notícias que dão causa aos autos são factuais, não recorrendo a juízos de valor depreciativos, atendendo à matéria sensível a tratar.

5. A Recorrida tinha fundamentos para em boa fé reputar os factos como verdadeiros, uma vez que a sua fonte, tal como é identificada na notícia, foi a Polícia Judiciária.

6. Nunca foi intenção da Recorrente, ao publicar a peça jornalística em questão, ofender o Recorrente na sua honra e consideração, mas tão só desenvolver e relatar factos objectivos de elevado interesse para todos os leitores do Jornal Correia da Manhã.

7. A Recorrida desconhecia a identidade do Recorrente.

8. A douta decisão recorrida fez correcta aplicação da legislação em vigor, cumprindo com o art. 286.º do Código de Processo Penal.

Termos em que, mantendo-se a douta decisão recorrida nos seus exactos termos, se fará a exigida justiça! *7.

Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em parecer a fls. 210/212, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

8.

Cumprido o art. 417.º, n.º 2 do CPP, apenas a arguida se manifestou, dando por reproduzidos os fundamentos da sua resposta à motivação do recurso.

*9.

Colhidos os vistos, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

*II. Fundamentação 1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso: Como flui do disposto no n.º 1 do art. 412.º do CPP, e de acordo com jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do STJ), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.

As conclusões apresentadas pelo recorrente limitam o recurso à questão de saber se existem indícios suficientes que determinem a pronúncia da arguida I....

* 2.

Para além do excurso dogmático incidente, nomeadamente, sobre a ratio da instrução, conceito jurídico relativo à suficiência de indícios e estrutura normativa do crime de difamação p. e p. no artigo 180.º do Código Penal, é do seguinte teor a decisão de não pronúncia: «Face à dicotomia existente nos autos entre o bem jurídico honra e a liberdade de expressão e informação, importa analisar os dois interesses constitucionalmente protegidos em causa.

O art. 26.º da Constituição da República Portuguesa consagra que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”.

Os direitos de personalidade, nos quais se incluem o direito à honra, bom nome e reputação, emanam portanto da própria pessoa cuja protecção visam garantir.

Quanto aos conceitos de “honra” e “consideração” descreve o Prof. Beleza dos Santos Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 92, n.º 3152, pág. 165.

, o primeiro destes como “aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e pelo que vale” e o segundo como “aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público. […] a honra refere-se a apreço de cada um por si, à autoavaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente dum ponto de vista moral; a consideração ao juízo que forma ou que pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de o não julgar um valor negativo”.

De tal modo que são sancionáveis quaisquer factos voluntários ilícitos que atinjam a honra, bom nome e reputação de outrem, não só penalmente mas também ao nível da responsabilidade civil, visto revestirem a natureza de direitos de personalidade (cfr. art. 70º do Código Civil).

Por sua vez, o art. 37º da Constituição da República Portuguesa, a propósito do direito de informar, estabelece que: “1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos ou discriminações.

2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”.

Nos termos do artigo 38º da Constituição da República Portuguesa estipula-se que: “1. É garantida a liberdade de imprensa.

2. A liberdade de imprensa implica: a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional”.

O direito de informar constitui, indiscutivelmente, um dos pilares essenciais do Estado de Direito Democrático, sem o qual a própria Liberdade e Cidadania se tornam conceitos vazios, desprovidos de sentido e carentes de efectivação prática.

De tal modo que a liberdade de expressão e informação constituem princípios de direito internacional, reconhecidos, designadamente, pelo artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e pelo artigo 10.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e nessa medida integrados no direito português por força do artigo 8.º da Lei Fundamental (cf. Ac. STJ de 29.10.96, BMJ, 460, 686).

Ora, não existindo hierarquização normativa entre o direito a informar e o direito à honra, bom nome e reputação, haverá que buscar, caso a caso, a prevalência de um ou de outro.

Assim, a solução das colisões entre o exercício do direito...

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