Acórdão nº 2791/08.1TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelISAÍAS PÁDUA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTºS 5º, 6º, 7º E 8º DO DEC. LEI Nº 446/85, DE 25/10 Sumário: I – Os problemas colocados pelos contratos de adesão são, fundamentalmente, de três ordens: no plano de formação do contrato, aumentam consideravelmente o risco de o aderente desconhecer cláusulas que vão fazer parte do contrato; no plano do conteúdo favorecem a inserção de cláusulas abusivas; no plano processual, mostram a inadequação e insuficiência do normal controlo judiciário, que actua à posteriori, depende da iniciativa processual do lesado e tem os seus efeitos circunscritos ao caso concreto.

II - Em face disto, um controlo eficaz terá de actuar em três direcções: pela consagração de medidas destinadas a obter, em cada contrato que se venha a concluir, um efectivo e real acordo sobre todos os aspectos da regulamentação contratual; pela proibição de cláusulas abusivas; e pela atribuição de legitimidade processual activa a certas instituições (como o Ministério Público) ou organizações (como as associações de defesa do consumidor) para desencadearem um controlo preventivo (que além de permitir superar a habitual inércia do aderente se mostra mais adequado à generalidade e indeterminação que caracteriza este processo negocial), isto é, um controlo sobre as “condições gerais” antes e independentemente de já haver sido celebrado um qualquer contrato.

III - No que respeita ao “risco de desconhecimento das cláusulas pelo aderente”, a fim de o combater impõe o artigo 5.º do DL 446/85, de 25/10, o dever de comunicação prévia, e na íntegra, ao aderente, das cláusulas contratuais gerais que a empresa pretenda fazer inserir no contrato (n.º 1).

IV - Esta comunicação deve ser feita de modo adequado e com a devida antecedência, procurando o legislador, deste modo, possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência das condições gerais que irão integrar o contrato, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito, também a ele, um comportamento diligente (n.º 2).

V - Acresce, a cargo de quem utilize as referidas cláusulas, um dever de informação, consagrado no artigo 6.º do referido diploma, cuja extensão dependerá das circunstâncias, por forma a tornar acessível ao aderente a compreensão do seu conteúdo, mormente dos aspectos técnicos envolvidos. Devem ainda ser prestados, nos termos da lei, todos os esclarecimentos razoáveis que tenham sido solicitados (n.º 2).

VI - Por outro lado, partindo do princípio de que as cláusulas que tenham sido objecto de um acordo específico (por ex. cláusulas manuscritas) traduzem melhor do que outras um efectivo consenso, consagra-se no artigo 7.º do DL 446/85, de 25 de Outubro, a prevalência de tais cláusulas sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais.

VII - Como o escopo da lei é, neste campo, o de evitar a sujeição do aderente a cláusulas que não lhe tenham sido previamente comunicadas, ou que o foram mas com violação do dever de informação (em prejuízo, assim, do seu conhecimento efectivo), a consequência, nos termos do artigo 8.º, reside da sua exclusão dos contratos singulares (art. 8.º als. a) e b) do citado DL 446/85).

VIII - Isso quer dizer que não se consideram integradas no contrato as cláusulas contratuais gerais que não respeitaram os requisitos da sua inclusão, o que significa, em suma, que o acordo estabelecido entre as partes não abrange essas cláusulas.

IX - O contrato, porém, manter-se-á na parte restante, com recurso às normas supletivas aplicáveis e, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos, consagradas no artigo 239.º do Código Civil - é esta a solução do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei em apreço, impondo-se, porém, a nulidade do contrato singular, nos termos da mesma norma, quando o recurso àqueles elementos não obste, ainda assim, a uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou a um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1. O autor, A....

, intentou (22/12/2008) contra os réus, B....

e sua mulher C....

, todos com os melhores sinais dos autos, a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (nos termos do DL 269/98, de 1/9), pedindo a condenação dos réus solidariamente entre si: 1) a pagarem-lhe a importância de € 1.093.64, acrescida de juros comerciais vencidos e vincendos até integral pagamento; 2) e, a título de indemnização acordada, pelo incumprimento contratual, a quantia de € 8.612.42, acrescida de juros que à taxa legal de 4% sobre ela se vencerem desde a citação e até integral pagamento.

Para o efeito, alegou, em síntese, o seguinte: O réu marido pretendeu adquirir um veículo automóvel ( X....., com matrícula 00-XX-00), tendo para o efeito contactado a firma D....

. Porém, como não dispunha ou não podia pagar de pronto o preço do referido veículo solicitou à dita firma que possibilitasse o aluguer do mesmo por um período de 84 meses com a colaboração ou intervenção do autor.

Assim, por contrato particular, datado de 10/12/2006, deu de aluguer ao réu o dito veículo - adquirindo-o previamente à D... -, por um prazo de 84 meses, sendo mensal a periodicidade dos alugueres, no montante de € 238,67 cada um (€ 193,52 de aluguer propriamente dito, mais € 40,64 de IVA à taxa aplicável e € 4,51 de prémio de seguro); sendo que o réu solicitou, ainda, a celebração de um seguro de vida Protecção Total, obrigando-se a pagar mensalmente o valor do respectivo prémio, juntamente com o valor do aluguer mensal acordado, que passou a ser de € 273,41 a partir de 10 de Janeiro de 2007, ou seja, do primeiro aluguer.

A falta de pagamento de qualquer dos ditos alugueres implicava a possibilidade de resolução do contrato, que se tornaria efectiva após comunicação em tal sentido feita ao réu que, por sua vez, seria obrigado a restituir o veículo - perdendo os alugueres até então pagos -, a pagar os alugueres em mora, o valor dos danos que o veículo apresentasse e, ainda, uma indemnização para fazer face aos prejuízos resultantes da sua desvalorização e do próprio incumprimento do contrato, a qual não seria inferior a 50% do valor total dos alugueres acordados.

Os alugueres deveriam ser pagos até ao dia 10 do mês a que respeitassem, por meio de transferência bancária, tendo o réu recebido o veículo, que passou a utilizar.

Porém, o réu não cumpriu com o ajustado, pois não pagou o 18.

º dos alugueres acordados, que se venceu em 10 de Maio de 2008, tendo feito a entrega do veiculo automóvel em 24 de Agosto de 2008, assinando na mesma data uma declaração dando o contrato como rescindido e dispensando o envio da carta de rescisão, assim se tendo operado a resolução contratual.

Por via da resolução operada, além de se ter constituído na obrigação de lhe restituir o veículo - o que já fez - o réu constituiu-se, igualmente, na obrigação de o indemnizar nos termos acordados.

Pelo que, assim, ficou o réu a dever-lhe os alugueres vencidos até à data da resolução (o 18.

º ao 21.

º, inclusive) e a indemnização livremente acordada, ou seja, 50% do valor dos alugueres que teriam de ser pagos caso o contrato tivesse sido cumprido até final.

Pelo pagamento de tais importâncias é também solidariamente responsável a ré mulher, dado que o aludido contrato foi celebrado pelo réu B... tendo em vista o proveito comum do casal dos RR., pois o sobredito veículo foi utilizado em proveito ou benefício comum do casal.

  1. Citados para o efeito, os RR. contestaram, quer por via de excepção, quer por via de impugnação.

    Desde logo, invocaram a ilegitimidade passiva da ré mulher, com o fundamento do aludido contrato ter tido como partes exclusivas o A. e o R. marido, não tendo o mesmo sido celebrado tendo em vista o proveito comum do casal.

    Depois, a invocaram a existência de erro na celebração do contrato com consequente anulabilidade do negócio, com o alegado fundamento de o réu ter assinado o contrato na convicção de estar a comprar uma viatura a crédito, com a possibilidade de passado o período de carência económica em que se encontrava poder amortizar o valor em dívida, jamais tendo pretendido efectuar um contrato de aluguer. O réu limitou-se a assinar e aceitar o clausulado que o grupo D... e o A. lhe apresentaram, aderindo a esse modelo, não o tendo discutido nem estipulado qualquer conteúdo.

    Por outro lado, invocaram ainda o incumprimento do A., alegando que a rescisão do contrato não foi efectuada nos termos ali previstos, isto é, através de carta registada enviada para o último domicílio indicado pelo réu. Antes o Autor enviou dois funcionários que, junto da habitação dos réus, denegrindo a enxovalhando os seus nomes na localidade onde vivem, obrigaram o réu marido a entregar a viatura e a assinar a declaração junta aos autos. Não tendo sido feita nos termos contratualmente estipulados, a rescisão não existiu nem foi eficaz em relação ao réu, devendo por isso ser declarada nula.

    Por fim, invocaram a existência de um contrato de adesão e o facto de as cláusulas n.

    º 10 n.

    º 3 e 4 (indemnização em caso de resolução) e 12 n.

    º 4 das (perda da caução, em caso de rescisão) se integrarem no conceito de cláusulas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT