Acórdão nº 129/08.7TTAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTºS 20º/1 E 36º/1, DA LCT; 121º/1 E 146º/1, DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2003; 128º/1 E 136º/1, DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2009 Sumário: I – O exercício da liberdade de trabalho, entendido como a liberdade de escolha da profissão ou do género de trabalho, dependente ou independente, em qualquer das suas modalidades ou expressões, concretiza o princípio constitucional do direito ao trabalho, com assento nos artºs 47º/1 e 58º/1, da Constituição.

II – Durante a vigência do contrato de trabalho o trabalhador está obrigado ao dever de lealdade ao empregador – artº 20º/1, d), da LCT; 121º/1, e), do Código de Trabalho de 2003; 128º/1, f), do Código de Trabalho de 2009 – nele se compreendendo expressamente a proibição de negociar por conta própria ou alheia, em concorrência com aquele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.

III – O artº 36º, nº 1, da LCT, dispunha que são nulas as cláusulas dos contratos individuais de trabalho e das convenções colectivas de trabalho que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício do direito ao trabalho, após a cessação do contrato.

IV – Hoje existe previsão homóloga no artº 136º do Código de Trabalho de 2009, praticamente decalcada do artº 146º do Código de Trabalho de 2003.

V – Embora sejam nulas as cláusulas de contrato de trabalho que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício da liberdade de trabalho, não deixa de ser lícito convencionar, após a sua cessação, a limitação da actividade do trabalhador no período máximo previsto (antes de 3 e presentemente de 2 anos) subsequente à cessação do contrato de trabalho, desde que reunidas (cumulativamente) as impostas condições – cláusulas ou pacto de não concorrência.

VI – Com efeito, a cessação da relação de trabalho não significa o fim dos riscos de exercício de actividades concorrenciais por banda do ex-trabalhador, o que permanecerá para além da cessação da relação juslaboral (dever geral de lealdade pós-eficaz, de conteúdo indefinido, embora contido nos limites da proibição de concorrência desleal).

VII - São coisas distintas “o pacto de não concorrência” – que visa acautelar, por certo tempo, o prejuízo decorrente do exercício de actividade concorrencial e o risco de indefinição entre as situações ilícitas de utilização de informação reservada ou confidencial e o normal exercício dos conhecimentos profissionais e técnicos adquiridos pelo desempenho e experiência, constitutivos estes do chamado património profissional do trabalhador – e as chamadas “cláusulas de confidencialidade” – que visam apenas impedir a divulgação, no subsequente período pós-contratual, de factos que não fazem parte da experiência profissional do trabalhador.

Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – 1.

A...

, com sede ......, propôs contra B....

, residente no ....., a presente acção declarativa com processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo: - A condenação do R. a não mais trabalhar para a ‘C....

’, determinando-se a rescisão do respectivo contrato de trabalho; - Caso assim se não entenda, a proibição do R. de praticar actos que envolvam aceitação de clientes oriundos da carteira de clientes da A. e a condenação do mesmo “a não contactar os clientes da A. e cujos dados recolheram dos ficheiros da A., enquanto trabalhador desta”, quer esse contacto seja feito directamente ou por interposta pessoa ou em sociedade de que seja sócio, agente ou mero trabalhador – com fixação da obrigação de pagamento de sanção pecuniária por cada cliente da A. que contacte, para efeitos de deixar de ser cliente desta, para passar a adquirir produtos de outra empresa, não devendo essa sanção ser de montante inferior a € 1.000,00 por cada cliente; - A condenação do R. a restituir-lhe o dossier de aplicações práticas (propriedade intelectual da A.), os blocos de notas com as Notas Pessoais utilizados e obtidas na sua actividade ao serviço da Empresa, e na sua maioria, contendo informação confidencial de natureza técnica, contactos com clientes e oportunidades de negócio; Um manual denominado “A.... Manual degli Organi de Comando”… e um PDA, onde o R. guardava as informações que obtinha na sua actividade de director comercial da A.

- Com fundamento na violação do contrato que celebrou com a A., a condenação do R. a pagar-lhe € 291.358,00, como indemnização de todos os prejuízos sofridos pela A. por força do comportamento ilícito do R. até ao momento; - A condenação do R. a indemnizá-la de todos os prejuízos que vier a sofrer, bem como dos já sofridos e que não é possível quantificar neste momento, em montante a liquidar em incidente próprio.

- A condenação do R. a pagar-lhe juros legais sobre a indemnização, contados desde a citação.

Alegou para tanto, em síntese, que por contrato sem termo, reduzido a escrito em 01/12/1990, contratou o R. para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria de Engenheiro.

Da cláusula 5ª do dito contrato, consta que “O segundo outorgante compromete-se a não divulgar qualquer informação confidencial de natureza técnica, organizacional, económica e financeira, particularmente métodos de fabrico, planeamento, desenvolvimento, contactos com clientes e oportunidades de negócio, planos de marketing ou similares, a que tiver acesso em virtude das suas funções na empresa.

Este compromisso aplica-se também após o termo deste Contrato Individual de Trabalho, no que, se divulgado provocar prejuízo nos negócios da A...”.

E da cláusula 6ª que “O segundo outorgante compromete-se a não dar informações ou fazer comunicações a pessoas ou entidades fora da empresa, assim como publicar artigos relacionados com assuntos a que o segundo outorgante tenha acesso em função das suas tarefas ou actividades na Empresa, sem prévia autorização da mesma”.

Em Fevereiro de 2007, o R. tomou a iniciativa de unilateralmente rescindir tal contrato, com efeitos a partir de 06/04/2007, por carta que remeteu à A., sem invocação de justa e sem dar qualquer justificação, ao mesmo tempo que solicitava o gozo das férias a que tinha direito.

Essas férias acabaram por lhe ser concedidas a partir de 5 de Março de 2007, que gozou até 6 de Abril de 2007, sendo certo que a partir de 2 de Março de 2007 lhe foi retirado o exercício das funções que desempenhava na empresa, embora ali continuasse a comparecer diariamente.

Após a comunicação de rescisão, foi constituída uma comissão, designada “Comissão de Espólio” para receber todos os bens e documentos confiados ao R., que ainda se encontravam em seu poder.

Em reunião com essa comissão, no dia 6 de Abril de 2007, o R. foi convidado a entregar os bens e documentos, tendo declarado não entregar “Notas Pessoais”, em virtude de as ter destruído. E tendo-lhe sido pedido para entregar os dados do seu PDA, afirmou tê-los perdido – o que veio mais tarde a contradizer. Além disso, o R. não devolveu o Dossier de Aplicações Práticas, constituído por fotografias das diferentes aplicações práticas, descrição das aplicações e dos equipamentos necessários para a realização da mesma, ou seja, toda a engenharia da aplicação e a aplicação em si mesmo.

Acresce que, há cerca de um ano, o R. pediu autorização (que lhe foi concedida), para levar para casa a Base de Dados de clientes, para poder realizar trabalho em casa, sem nunca a ter devolvido, nem informado ter destruído a cópia dos ficheiros por si utilizados.

No dia 7 de Março de 2007, foi recebido na A. um e-mail dirigido ao R., proveniente da “D......

” (empresa concorrente da A.), informando o réu que, de momento, não era possível dar-lhe emprego. E-mail esse que surge em resposta a um pedido de emprego formulado pelo R. a 23 de Fevereiro anterior, exactamente para a área da venda de redutores e conversores de frequência, ou seja, a actividade que ele desempenhava na A.

Verificou então a A. que, ao contrário do que afirmara, o R. andava à procura de emprego em empresas concorrentes e eventualmente usando elementos que colhera na A.

Por isso, em 29 de Março de 2007, dirigiu-lhe uma carta, alertando-o para as obrigações contratuais por ele assumidas.

Em 17/04/2007, o R. telefonou a dois ex-colegas, ainda ao serviço da A., declarando ir trabalhar com a concorrência, mais exactamente para a “ C...”, que é uma empresa concorrente da A. e que na sua publicidade, já refere o R. como seu representante a contactar.

O R. anda a divulgar e publicitar via e-mail os produtos da “ C...” junto dos clientes da A., empresas de que o R. conhece os dados, por força das funções que desempenhou na A.

Em 19/04/2007, um dos principais clientes da A. telefonou a informar que tinha sido contactado pelo R., que lhe comunicou que estava já a trabalhar para a concorrência, manifestando intenção de o visitar, para iniciar relações comerciais.

Trata-se de um cliente que só compra praticamente à A., representando 10% do volume total de negócios desta.

Nos dias seguintes, confirmou-se que o R. tinha iniciado uma campanha intensa junto dos principais clientes da A., a qual não seria possível sem recorrer às informações constantes da Base de Dados que obteve na A.

Além disso, começou a tentar desviar os funcionários da requerida para irem trabalhar com ele, fazendo-o com dois trabalhadores da A. Do mesmo modo, contactou um antigo funcionário da A. (responsável da área de vendas em Lisboa), para desempenhar as mesmas funções nessa área.

Deste modo, é evidente que o R., em violação das obrigações por ele assumidas, divulgou dados que obteve na A. e que ilegitimamente mantém em seu poder, utilizando-os para seu benefício...

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