Acórdão nº 109/09.JACBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBELMIRO ANDRADE
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 204º, AL. C) , 256º DO CPP Sumário: 1. A actividade de tráfico está em execução quando os agentes (fornecedor e adquirente) são interceptados com o produto destinado à venda.

  1. Tendo sido detidos nesse momento, a detenção foi legal, em flagrante delito.

  2. O perigo de continuação da actividade criminosa, não se confunde – não pode confundir-se, dada a sua natureza cautelar - com a consumação de novos actos criminosa.

  3. Deve, antes, ser aferido em função de um juízo de prognose estabelecido em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido.

Decisão Texto Integral: I.

J...

, arguido identificado nos autos, recorre do despacho que determinou a aplicação, ao recorrente, da medida de coacção de prisão preventiva – despacho preferido a fls. 470-473 dos autos e certificado a fls. 30-33 do presente recurso, instruído com subida em separado.

* Na respectiva motivação, formula as seguintes CONCLUSÕES: 1- O arguido, ora recorrente, foi submetido à mais pesada e gravosa medida de coacção – a prisão preventiva -, sem que no caos e em concreto as medidas de coacção não prisionais se mostrem inadequadas ou insuficientes e sem que se verifiquem sequer os pressupostos de que a Lei faz depender a aplicação desta medida.

2- No douto despacho que determina a aplicação da prisão preventiva ao arguido, o Mmº. Tribunal a quo fundamenta a imposição desta medida de coacção em vista das exigências cautelares que visam conter “o perigo de fuga, bem como de continuação da actividade criminosa idêntica” que resultam, “por um lado da natureza do crime, por outra da personalidade os arguidos revelada na prática dos factos, bem como das suas condições de vida.

3- Quanto ao perigo de fuga, entende aquele Tribunal que ele se verifica pela “reconhecida a extrema mobilidade das populações ou grupos de indivíduos de etnia cigana e emergindo para o arguido J... o perigo de condenação em pena de prisão pelos factos aqui em causa, resulta evidente o perigo de subtracção à acção da justiça”.

4- São, antes de mais, considerações genéricas, nada concretizadas, estereotipadas e preconceituosas que reconhecem em todos os indivíduos de etnia cigana pessoas incapazes de se integrar em qualquer comunidade e por conseguinte com predisposição para se subtraírem à acção da justiça!!! 5- Para chegar a esta conclusão o Mmº. Tribunal teve forçosamente que ignorar (!!) os factos, nomeadamente aqueles de onde resulta que o arguido “vive na Figueira da Foz há cerca de 40 anos - e há 4 na mesma casa - tem 10 filhos, sendo que pelo menos 6 se encontram a seu cargo”, em idade escolar e frequentam o ensino público oficial.

6- Esta conclusão, que mais não é do que uma mera presunção que tem por base preconceitos de carácter xenófobo, não só não se sustenta em factos concretos como ignora os que resultam directamente do processo e que só podem levar a concluir em sentido contrário. Alguém que vive há 40 anos no mesmo local e tem um agregado familiar composto por oito pessoas que dependem economicamente de si não pode ser concretamente considerado alguém com “extrema mobilidade”! 7- Também o perigo de continuação de actividade criminosa idêntica que a prisão preventiva aplicada ao arguido visa acautelar, tem de ser aferido a partir de elementos factuais concretos que o revelem ou indiciem, e terá que ser apreciado em função do contexto do caso presente em concreto.

8- Alias, no douto despacho recorrido afirma-se que não é conhecida ao arguido “qualquer actividade profissional remunerada “, o que também não é verdade.

9- Desconsiderou o tribunal a quo que tanto o arguido como a sua esposa vivem da “venda ambulante” donde chegam a retirar cerca de 1000 euros por mês e o arguido é ainda negociante de gado e cavalos, tendo actualmente oito, sendo que há pouco tempo vendeu um que 1he rendeu cerca de 2500 euros (tudo cfr. fls. 462 dos autos) 10-Por outro lado, o despacho recorrido não refere quais os factos concretos que lhe permitiram chegar àquela conclusão, até porque os factos que o processo inequivocamente demonstra apontam uma vez mais exactamente no sentido oposto! 11- O douto despacho fundamenta ainda a aplicação desta pesada medida de coacção com o “o alarme social causado pela prática de crimes como o agora indiciado, designadamente numa zona onde reconhecidamente o tráfico de produtos estupefacientes tem sido marcante”, “releva-se ainda estar a actividade de tráfico de estupefacientes na base da maior parte dos pequenos delitos que por aí se vão praticando, e que são fonte de grande intranquilidade pública”.

12- Ora, não só o artigo 204º do CPP, nomeadamente na sua aliena c) não incluiu o alarme social como um dos fundamentos da aplicação das medidas de coação em geral e da prisão preventiva em particular, como este conceito tem contornos vagos e imprecisos, facilmente manipulável e desconforme com o direito processual penal de um Estado de Direito Democrático (como foi reconhecido na decisão do TRL de 16/11/2005 in www.dgsi.pt, processo 8392/2005-5) 13- Por outro lado não está o arguido indiciado pela prática dos pequenos delitos que, de acordo com a fundamentação do despacho que se recorre, são a fonte de grande intranquilidade pública que se vive na comunidade em que o arguido está inserido, pelo que não pode cair sobre este a responsabilidade de crimes pelos quais não está sequer indiciado nunca foi condenado ou sequer julgado! 14- Além de que o fundamento da medida de coacção referido na alínea c) do artigo 204º do CPP tem uma função cautelar atinente ao próprio processo, não podendo ser utilizada para acautelar qualquer crime do arguido, mas tão-só a continuação da actividade criminosa pelo qual está indiciado e onde não se contam os “pequenos delitos” referidos no douto despacho.

15- Do auto de notícia por detenção em flagrante delito desde logo resulta a inexistência de flagrante delito! 16- O arguido J... foi detido dentro do seu veículo, sozinho, apenas com dois telemóveis, os documentos da viatura em que se fazia conduzir e dois euros (!) — que os Senhores Inspectores convenientemente terão esquecido de mencionar.

17- Ora, o simples facto de o arguido estar no mesmo local do arguido G..., a circular dentro da sua viatura e sem outros factos relevantes, não pode ser suficiente para concluir que se estava a prepara para efectuar uma transacção de estupefacientes.

18- Aliás, atentemos na conclusiva descrição feita pelos Senhores Inspectores da Policia Judiciária no auto de notícia por detenção em flagrante delito, que revela bem que à falta de concretos elementos factuais que permitissem relacionar o arguido J... com o arguido G... e a suposta transacção de estupefacientes, socorreram-se de presunções, hipóteses e suposições nada concretizadas, “Volvidos cerca de 10 minutos e vindo do posto de combustíveis da BP, próximo da estação, foi observado a circular o veículo de marca Ford, modelo Transit, de cor branca, com listas amarelas e matrícula 00-00-XX, habitualmente conduzido pelo arguido J... o qual foi imediatamente reconhecido a conduzir, sozinho, esta viatura.”, “Perante as suspeitas existentes nos autos que indiciavam fortemente que ambos iriam proceder a uma transacção de estupefacientes, decidiu-se avançar para os mesmos e proceder à sua abordagem”.

19- Ou seja, não se vislumbram factos donde se possa concluir pelo flagrante delito, mas apenas conclusões dos Senhores Inspectores da Policia Judiciária que presumivelmente, indiciariamente, conclusivamente, hipoteticamente se preparava para acontecer uma transacção de estupefacientes.

20- O que era para ser um auto de noticia por detenção em flagrante delito é na realidade, e de acordo com a descrição dos próprios agentes, um auto de noticia por detenção em eventual pré-flagrante delito, por presumivelmente, de acordo com as conclusões dos senhores inspectores, os arguidos, com toda a probabilidade, na firme certeza dos senhores inspectores estariam a preparar-se para efectuar uma transacção ilegal.

21- Na verdade, do referido auto não consta a descrição de qualquer facto donde objectivamente, sem margem para dúvidas possamos concluir que estávamos na presença da referida transacção.

22- Aliás, transacção que não existiu e nem sequer chegou a iniciar-se.! 23- Aliás, no entendimento dos Senhores Inspectores que procederam à detenção, a mais que provável transacção iria acontecer não na estação de comboios - ou sequer no veículo do arguido J... —, mas sim no local onde este habitava.

24- Dos factos relatados pelo Senhores inspectores resulta óbvia, antes de mais, a ilegalidade da detenção por inexistência de flagrante delito.

25- Não houve portanto qualquer transacção de estupefacientes, nem temos hoje a certeza que ela viesse a ocorrer, até porque o arguido G... identificou a pessoa com quem essa transacção iria ocorrer, que não era certamente o arguido J... – cfr. fls. 459 e 460 dos autos..

26- Ora, nos termos do disposto no artigo 256º do CPP, entende-se por flagrante delito o crime que se está cometendo, se acabou de cometer ou ainda o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar.

27- Em qualquer destas circunstâncias, de flagrante delito, quase flagrante delito ou presunção de flagrante delito, há um denominador comum, a consumação prévia do crime! 28- Em nenhuma circunstância a lei prevê a existência de flagrante delito em momento anterior à consumação deste, numa altura em que não sabemos sequer se ele vai efectivamente ter lugar e quem será o seu agente, como é manifestamente a circunstância em que o arguido foi detido.

29- Ora, fora de flagrante delito só é admissível a detenção “por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do ministério público, quando houver fundadas razões para considerar que o visado não...

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