Acórdão nº 60/09.9GCBJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NÃO PROVIDO Sumário: 1. Só em situações muito excepcionais se justificará que a pena acessória de proibição de conduzir seja restringida a certas categorias de veículos, sob pena de, generalizando-se a via de restringir tal sanção sem sério fundamento, se atingirem resultados diferentes e finalidades diversas consoante a profissão de alguém, com benefício relativo a conduta que ao agente até é normalmente mais censurável.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos autos de processo sumário nº…..do 1º.Juízo do Tribunal Judicial de Beja, o Ministério Público requereu o julgamento do arguido J.

, melhor id. a fls.8, nos termos do art.389º, nº.2, do Código de Processo Penal (CPP), imputando-lhe um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts.292º, nº.1, e 69º, nº.1, alínea a) do Código Penal (CP), conjugados com o seu art.26º.

Realizado o julgamento e por sentença de 18.06.2009, foi a acusação julgada procedente, por provada e, consequentemente, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.292º, nº.1, do CP, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de €6 (seis euros), no montante global de €540, autorizando-se o pagamento em três meses após o trânsito da decisão, e na pena acessória de proibição de conduzir por um período de 6 (seis) meses, atento o disposto no art.69º, nº.1, alínea a), do CP.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:

  1. A sentença sob recurso não teve em conta a margem de erro do aparelho medidor do grau de alcoolemia, o que constitui erro notório na apreciação da prova.

  2. Igualmente não levou em linha de conta outras circunstâncias, provadas, que militavam a favor do arguido, o que viola o disposto nos art.ºs 72.° e 294.° (a contrario) do CP.

  3. Designadamente não levou em linha de conta o facto do arguido ser primário, ter confessado sem reserva os factos e carecer de conduzir pesados no exercício da sua actividade profissional.

  4. A sentença sob recurso fez uma interpretação “pura e dura” da lei, como se nada mais existisse para além desta.

  5. Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que leve em consideração todas as atenuantes - e são muitas - que militam a favor do arguido.

  6. Permitindo-lhe a condução de pesados no exercício da sua actividade profissional ou, quando assim se não entenda, que o período de inibição seja aplicado pelo mínimo, ou seja, três meses.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: 1 - O arguido J. foi condenado nestes autos, pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de Condução de Veículo em Estado de Embriaguez. p. e p. pelos arts.292º, nº 1 e 69°, nº 1, al. a ) do Cód. Penal, na pena de pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de Euros 6,00 (seis euros), no montante global de Euros 540,00 (quinhentos e quarenta euros), a que correspondem 60 (sessenta) dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de proibição de conduzir por um período de 6 (seis) meses; 2 - Veio o arguido recorrer da sentença condenatória, por considerar a pena acessória em que foi condenado excessiva, Por isso, pede a sua revogação, militando a favor da possibilidade de lhe ser facultada a condução de veículos pesados no decurso do período em que cumpre a referida pena acessória ou, se assim não for entendido, que a pena acessória seja reduzida para o mínimo legal de 3 (três) meses; 3 - A determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido - cfr. art. 71º, nº 1 do Cód. Penal. São considerações de prevenção especial - de ressocialização e integração do agente -, que dentro daqueles limites e, num último momento, acabam por determinar a pena concreta a aplicar; 4 - No caso em apreço são elevadas as exigências de prevenção geral, na medida em que a conduta do arguido é merecedora de um intenso juízo de censurabilidade, atenta a multiplicidade de bens jurídicos protegidos com a norma incriminadora e a frequência do crime em apreço. Por outro lado, as exigências de prevenção especial são redobradas, em face da elevada taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido e do facto do mesmo ser motorista de profissão; 5 - Os EMA apresentados são considerados não a propósito do valor apresentado após cada utilização, mas antes, quando o aparelho é aferido para, posteriormente, ser usado pelas autoridades competentes. Este é o caminho percorrido por todos os aparelhos de medição utilizados para determinar uma qualidade ou quantidade juridicamente relevante. É o caso dos alcoolímetros, dos radares, das balanças. Mas também é o caso das máquinas de corte da indústria, das máquinas de calibragem, etc; 6 - Daí que o valor apresentado após cada utilização deste tipo de aparelhos seja o valor real a ser considerado. Isto porque, e repetindo, antes de cada um destes aparelhos ser usado passaram por um processo de aprovação, no qual foram considerados os tais EMA estabelecidos na lei, de molde a que os seus resultados sejam tidos por completamente rigorosos e fiáveis.

7 - No caso dos autos a detecção da concentração de álcool no sangue do arguido foi efectuada por aparelho devidamente aprovado pela entidade competente. A declaração de verificação, que não foi posta em causa, atesta, precisamente, que o aparelho foi verificado na altura devida e que o resultado que apresenta está conforme com as tais margens de erro consagradas. Portanto, a decisão tomada na sentença recorrida não merece qualquer reparo quanto ao valor da TAS que foi considerado. É quanto basta para concluirmos pela insubsistência do vício alegado (erro notório na apreciação da prova); 8 - Mas esta insubsistência deriva, também, de uma outra razão. A prova resultante do teste de álcool constitui prova legal, porque resulta da utilização de instrumento de alta performance tecnológica, sujeito a exames prévios determinantes para a sua aprovação, que oferece características funcionais que garantem que a medição efectuada, observados que sejam os procedimentos correctos na sua recolha, são exactos (vide, nomeadamente, o acórdão da Relação de Coimbra de 3-8-2008, processo 404/05.2CTLRA.C1). Esta exactidão resulta de presunção, elidível mediante contraprova solicitada pelo arguido e cientificamente capaz de a pôr em causa; 9 - Estando o aparelho utilizado devidamente verificado, não havendo contraprova a infirmar o resultado fornecido pelo aparelho, o valor que este apresente é aquele que deve ser considerado (2,34 gr/I.). Assim, temos que o valor a considerar para efeitos do crime de condução em estado de embriaguez cometido pelo arguido, é o de 2,34 gr/l.

10 - A sentença recorrida atentou em todas as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido, incluindo a ausência de antecedentes criminais e a confissão dos factos. Por isso, consideram-se totalmente adequadas, quer a pena de multa, quer a pena acessória, que o Tribunal decidiu aplicar; 11- Relativamente à possibilidade do arguido poder conduzir veículos automóveis pesados no decurso do período em que cumpre a pena acessória de proibição de conduzir, só nos resta manifestar a nossa total oposição. Porque, por um lado, de uma verdadeira pena (acessória) se trata, a proibição de conduzir veículos motorizados há-de constituir um sacrifício real para o condenado, sem que da sua aplicação resultem consequências gravosas e desnecessárias para o condenado ou terceiros dele dependentes, uma vez que as restrições dos direitos devem limitar-se ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo ainda a restrição ser apta para o efeito (art.18º da CRP). Daí a possibilidade legal da proibição abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada; 12 - Corolário da sua natureza de verdadeira pena criminal, a pena acessória de proibição de conduzir concretamente aplicada há-de representar, em cada caso, uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, o reforço da imperatividade e vigência da norma jurídica violada e do sentimento de segurança da comunidade face à mesma norma. Ora, o perigo para a segurança da circulação rodoviária - bem jurídico protegido pelo crime de Condução de Veículo em Estado de Embriaguez - advém exclusiva ou predominantemente da condução em estado de embriaguez e não da categoria de veículo motorizado conduzido; 13 - Se tal circunstância fosse critério determinante da restrição da proibição à condução de uma determinada categoria de veículos, seria relativamente reduzido o número de casos em que tal pena acessória abrangeria a condução de todos os veículos com motor, com o consequente enfraquecimento do seu efeito dissuasor, sendo certo que são muito sentidas as exigências de prevenção geral (positiva ou de integração). Atente-se no papel relevante que o álcool, no nosso país, tem tido na elevada taxa de sinistralidade rodoviária, geradora do mais alto índice europeu de mortalidade; 14 - Diga-se, por último, que a proibição não pode abranger (nem da sua aplicação pode excepcionar-se) a condução de veículos motorizados concretamente determinados. Por outras palavras, o art.69º, nº 1 do Cód. Penal não consente que se aplique a pena acessória de proibição de conduzir relativamente a este ou àquele veículo motorizado, mas a todos os veículos motorizados de qualquer categoria. Daí que a pretensão do recorrente, no sentido de poder conduzir veículos pesados, não pode acolher; 15 - Termos em que deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, com a consequente manutenção da sentença recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de fls.46.

Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral...

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