Acórdão nº 1/07.8GAPTM-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: DECRETADA A INVALIDADE PARCIAL DO ACÓRDÃO RECORRIDO Sumário: 1. Não é condição do decretamento da perda de bens que o agente do facto ilícito seja titular do respectivo direito de propriedade, podendo a mesma ocorrer ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser por ele punida (cf. n.º3 do art. 35.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

  1. Porém, quando os bens pertençam a terceiros, a lei criou um mecanismo destinado a dar alguma protecção a direitos legítimos daqueles, conferindo-lhes a faculdade de os virem defender através do incidente regulado no art. 36-A do supra citado DL.

  2. Pertencendo a um terceiro o bem que serviu como instrumento do crime, não pode decretar-se o confisco desse bem sem conceder à proprietária registada a possibilidade de demonstrar que é terceiro de boa-fé em relação à utilização ilícita dada pelo arguido ao seu veículo.

    Decisão Texto Integral: Acordam, precedendo conferência, na Relação de Évora: I - Relatório 1.

    No âmbito dos autos de processo comum acima referidos, foi submetido a julgamento o arguido S.G.

    pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, na forma continuada, p. e p. pelos art. 21.º n.º1 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas, e 76.º do Código Penal, com a agravante da reincidência, vindo o tribunal colectivo do Circulo Judicial de Loulé, por acórdão de 11 de Julho de 2008, a condenar o arguido, pela prática desse crime, como reincidente, na pena de 9 (nove) anos de prisão.

    Mais determinou aquele tribunal, além do mais, a perda a favor do Estado dos objectos e valores apreendidos ao arguido, designadamente o veículo automóvel RENAULT, referido no acórdão como sendo do modelo SCENIC e com a matrícula -----RO.

    O referido acórdão foi objecto de recurso por parte do arguido para esta Relação, limitado à medida da pena, vindo, por acórdão de 11.11.2008, a ser julgado improcedente.

  3. Em fase de execução do julgado, o Tribunal de Albufeira determinou a notificação à proprietária do veículo automóvel de matrícula 65-66-RO, cuja perda foi decretada a favor do Estado, do acórdão proferido nos autos.

  4. Inconformada com o decidido em tal acórdão, na parte respeitante ao perdimento do veículo, veio, S.T.

    , na qualidade de interveniente acidental e arrogando-se de terceiro de boa-fé, interpor recurso para este Tribunal pedindo a revogação do acórdão na parte que declarou perdido a favor do Estado o supracitado veículo, tendo formulado as seguintes conclusões: “ 1° - A ora recorrente e interveniente acidental é terceiro de boa fé nos presentes autos; 2° - O arguido, S.G. quando foi detido estava na posse da viatura RENAULT MEGANE SCENIC de cor vermelha, com a matrícula -----RO, que foi apreendida à ordem dos presentes autos.

    1. - A recorrente fez prova nos autos em sede de inquérito da propriedade do veículo em questão requerendo a restituição da viatura, bem como os seus respectivos documentos ao Digno Magistrado do Ministério Público a folhas 1220.

    2. -Sendo que, por despacho o Digno Magistrado do Ministério Público titular do inquérito ordenou a entrega da viatura bem como dos respectivos documentos da mesma a folhas 1226 5°- Tendo-se procedido a efectivação da entrega da viatura em 18 de Abril de 2008 folhas 1279.

    3. - Assim, não restam dúvidas que a supra indicada viatura é legitima propriedade da recorrente.

    4. - Desta forma, a viatura encontra-se até ao presente dia na posse da recorrente.

    5. Que continua a pagar o veículo a prestações.

    6. - Porém, no douto Acórdão condenatório foi a mesma viatura declarada perdida a favor do estado.

    7. - Contudo, tal nunca deveria ter sucedido, uma vez que o veículo em causa já não estava apreendido à ordem do presente processo por já ter sido ordenado nos autos o levantamento da apreensão pelo Ministério Público titular do Inquérito.

    8. - Bem com já tinha havido lugar à restituição e efectiva entrega da viatura à sua legítima proprietária e ora recorrente e interveniente acidental.

    9. - Nos termos dos artigos 109, n° l e 110 n° l e 2 a viatura automóvel não poderia ter sido declarada perdida a favor do Estado uma vez que é propriedade de terceiro de boa-fé, “in casu- da recorrente e interveniente acidental 13° - Não podem, por isso como é consabido, subsistir na Ordem jurídica duas determinações diferentes.

    10. - Enferma, assim de erro de direito o douto Acórdão ora recorrido na parte que declara o perdimento a favor do estado da viatura em apreço.

    11. -Porquanto, ao declarar a supra indicada viatura perdida a favor do Estado, o Tribunal “a quo” violou o art°379 n° l do CPP, e os artigos 109, n°l e 110 n°1 e 2, ambos do Código Penal.

    12. Uma vez que o Tribunal -a quo- não se poderia ter pronunciado sobre uma viatura nos termos em que o fez que já não se encontrava apreendida e cuja legítima propriedade é de terceiro e não do arguido.

    13. E ainda, por não ter verificado o Tribunal -a quo" a existência de uma decisão anterior do Ministério Público em sede de inquérito a levantar a apreensão e a efectivar a entrega da viatura automóvel à recorrente.

    14. Pelo que, a viatura deve ser reconhecida como legitima propriedade da recorrente e interveniente acidental nos presentes autos.” 4. A Exma. Senhora Procuradora da República junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso interposto sustentando a respectiva improcedência do mesmo, sem prejuízo de, caso assim se entenda, da eventual observância do disposto no art. 36-A do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, tendo referido, designadamente, que: “ De acordo com a factual idade provada no acórdão recorrido, o arguido S.G. durante o período em que se dedicou à comercialização de estupefacientes (sustentando-se exclusivamente com os proventos que lhe advinha de tal actividade), e de forma a fugir ao controlo policial, mudou várias vezes de veículo automóvel, tendo utilizado entre outros, o veículo em questão, Renault Megane Scenic de matricula -----RO.

    No dia 06 de Dezembro de. 2007, o arguido conduzia o referido veículo, proveniente da, zona de Lisboa onde fora adquirir produtos estupefacientes para vender na área do Algarve, quando foi interceptado por militares da GNR que o aguardavam nas Portagens de Paderne.

    Trazia então o arguido consigo, para além do mais, 20 pequenas “muchas” contendem heroína, com o peso aproximado de 3, l 73 g (pag. 18 e 19 do acórdão).

    Sublinhe-se que a utilização do veículo como forma de evitar a detecção da droga e do arguido se subtrair, dessa forma, à acção policial ficou bem patente na circunstância das "muchas" se encontrarem escondidas dentro da esponja do banco de condutor, só tendo sido possível localizá-las com o auxílio de cães treinados para o efeito, o que evidencia também o à vontade, de verdadeiro proprietário, e até a habitualidade, com que o arguido utilizava o veiculo.

    Veja-se a este respeito os depoimentos das...

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