Acórdão nº 317/05.8GBPBL.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Novembro de 2009
Magistrado Responsável | DR. MOURAZ LOPES |
Data da Resolução | 11 de Novembro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE Legislação Nacional: ARTIGOS 25º E 26º 68º N.º 1, 69º E 70º DA CRP, 143º CP Sumário: 1. Os elementos típicos do crime de maus tratos mantiveram-se praticamente incólumes desde a reforma de 1995, a partir do momento em que incluíram como condutas típicas várias formas de violência, para além da violência física propriamente dita que decorrem de humilhações, vexames, insultos, ameaças e que constituem, para efeitos do crime os maus-tratos psíquicos.
2. Em 2007esse leque de condutas é alargado nomeadamente a ofensas sexuais.
3. O conjunto de direitos e deveres constitucionais, referentes tanto ao exercício das responsabilidades parentais como à infância e à juventude, que decorre dos artigos 68º n.º 1, 69º e 70º da CRP, conjugado com os princípios da tutela da integridade pessoal e dignidade humana que decorrem dos artigos 25º e 26º da CRP, proibe qualquer pseudo direito à agressão ou ofensa à integridade física e psíquica nomeadamente quando praticado a coberto de um dever de correcção.
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.
No processo Comum Singular n.º 317/05.8GBPBL, foram julgados e condenados, a arguida M...
pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º do Código Penal, na pena de 75 dias de multa à taxa diária de 8€ e o arguido C...
pela prática de um crime de maus tratos p. e p. pelo art. 152º, n.º 1 e 2 do Código Penal na pena de dois anos e seis meses de prisão e pela prática de três crimes de maus tratos p. e p. pelo art. 152º, n.º 1 do Código Penal nas penas de respectivamente, dezasseis meses, catorze meses e um ano de prisão. Em cúmulo jurídico o arguido F... foi condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão. Tal pena foi suspensa na sua execução por quatro anos e seis meses, subordinada ao cumprimento do dever de entregar à “A.P.E.P.I., Associação de Pais e Educadores para a Infância”, no prazo de 4 meses a quantia de 500 €, a reverter a favor da Casa Abrigo de Vítimas de Violência Doméstica de Pombal e sujeita a regime de prova, segundo PIRS a elaborar pelo IRS. O arguido foi ainda condenado a pagar a M..., a quantia de 553,90€, a que acrescem juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da notificação para contestar o pedido cível e vincendos até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do que, de mais, havia sido peticionado e condenado a suportar o pagamento restauração do dente 21 da demandante, mediante reconstrução através de coroa de revestimento total, relegando-se para execução de sentença a liquidação do respectivo montante. A arguida M... foi ainda a pagar a C... a quantia de 150€, a que acrescem juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da notificação para contestar o pedido cível e vincendos até efectivo e integral pagamento. O arguido C...foi condenado a pagar ao Hospital Distrital de Pombal a quantia de 71,50€, acrescida de juros legais contados desde a notificação para a contestação do pedido cível até integral pagamento. Foram ambos os arguidos condenados nas custas criminais do processo, fixando-se em 3 Ucs a taxa de justiça devida por cada um, acrescida de 1% nos termos do artº 13º/3 do DL 423/91 de 30 de Outubro, sendo no mínimo a procuradoria e condenados nas custas dos pedidos de indemnização por ambos deduzidos, na proporção do respectivo decaimento. Finalmente o arguido C... foi condenado nas custas do pedido deduzido pelo HDP.
Não se conformando com a decisão, o arguido C...interpôs recurso para este Tribunal da Relação.
Nas suas alegações o recorrente conclui a sua motivação nos seguintes termos: «I. Com o recurso ora interposto pretende o arguido impugnar a decisão proferida com base na insuficiência para o mesmo da matéria de facto provada.
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Na verdade afirmações como “No âmbito das discussões, o arguido dirigindo-se à esposa chamava-lhe “puta”, “vaca”, “ordinária”, dizia-lhe que “não sabia fazer nada” e ameaçava-a de morte, o que ocorria periodicamente, em numero exacto de vezes não apurado mas em todo o caso com reiteração” – ponto 6 dos factos provados; “nessas ocasiões, por vezes, e também com alguma frequência dava-lhe empurrões” – ponto 7 dos factos provados; “(…) arguido passou também a, com periodicidade exacta não apurada, aquando das citadas discussões, por vezes o arguido, além de empurrar a sua mulher M...(…)- ponto 8 dos factos provados, bem como as expressões utilizadas “nessas ocasiões, por vezes e também com alguma frequência” (ponto 7 dos factos provados), “noutras ocasiões” (ponto 12 e 19 dos factos provados), “numa ocasião” (ponto 14 dos factos provados), “outras vezes” (ponto 15 dos factos provados), “frequentemente” (ponto 13 dos factos provados) não passam de afirmações genéricas e conclusivas dentro de um dado limite temporal, não traduzindo imputações concretas, circunstanciadas no tempo e no espaço, do número de agressões feitas, espécie, gravidade e respectivas consequências de modo a poder-se concluir por um tratamento de maus tratos físico-psiquicos.
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Não basta fazerem-se afirmações genéricas e apenas concretizar duas agressões: uma ocorrida há mais de 20 anos (1989 – ponto 8 dos factos provados) e outra em Julho de 2005 (pontos 30 e 33 da matéria de facto provada).
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Pelo que os factos dados como provados não podem ser subsumidos no dispositivo legal por que o arguido vem condenado, uma vez que a época e a frequência, concretamente retirada dos factos provado, são imprescindíveis à subsunção do tipo legal de crime previsto e punido nos nº 1 e nº 2 do art. 152º do Código Penal.
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Só assim se justifica a existência de uma norma jurídica autónoma com o seu próprio conteúdo de desvalor.
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Os factos provados não preenchem os elementos do tipo legal de crime de maus tratos a cônjuge ou de sobrecarga de menores, pelo que deverá ser absolvido da prática dos crimes por que veio acusado e condenado.
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O Tribunal recorrido procedeu a uma errónea interpretação e aplicação do artigo 152º n.º 1 e n.º 2 do CP, na redacção anterior à Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.
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O Tribunal recorrido terá ainda incorrectamente julgado a matéria de facto, uma vez que em sede de audiência e julgamento não foi produzida prova bastante para tal – que o “arguido empurrava a sua mulher contra paredes e móveis de casa, deitava-a no chão, dava-lhe pontapés (…)” (ponto 8 dos factos provados) - ou a prova produzida impõe decisão diversa da recorrida – a arguida nunca exprimiu a expressão “qualquer dia” (dos pontos 11 e 12 dos factos provados), em verbalizações que vêm acolhidas na sentença como crime de ameaça.
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Na verdade, tais factos apreciados à luz da intimidade do lar, terão de colocar as pessoas ofendidas numa situação que se devam considerar vítimas, mais ou menos permanentes, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade dentro do ambiente conjugal/familiar. O que in casu nunca se verificou.
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A vida em comum dos cônjuges, sob o mesmo tecto e agindo como se de estranhos se tratassem, estaria já há muito completamente inviabilizada com acção de divórcio intentada pelo cônjuge mulher em Maio de 2002.
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A protecção dada pela norma contida no n.º 2 do artigo 152º, do C.P. (anterior redacção) não se pode bastar com um casamento existente apenas no papel.
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A actuação do arguido relativamente aos seus filhos deve ser entendido como exercício de um poder correctivo de educação, no âmbito de discussões geradas com o pai, em torno de questões para as quais já sabiam da sua não aprovação, em época em que já eram adolescentes crescidos ou jovens adultos.
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A expulsão de casa da filha T... e do filho F... deu-se quando já seriam maiores de idade, a primeira maior de 19 anos e o segundo maior de 21 anos e ambos com autonomia económica.
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Para aquilitar sobre a prática de crimes de maus tratos, é igualmente importante averiguar da personalidade das vítimas, uma vez que o arguido agia na sequência de discussão a provocação delas.
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Razões que justificam e apontam para a exclusão da ilicitude das condutas do arguido e impõem a sua absolvição.
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Sem prescindir, sempre considera o arguido que foi alvo de uma excessiva condenação ao ser-lhe aplicada, em cúmulo jurídico, uma pena de 4 anos e seis meses de prisão suspensa por igual período sob condição de pagar €500,00 à APEPI, sendo que a referida suspensão será ainda sujeita a regime de prova.
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O tribunal recorrido considerou, por lapso, que o máximo a atender para balizar o referido cúmulo seria de 7 anos e seis meses de prisão, quando na verdade a soma das penas parcelares aplicadas correspondem a 6 anos de prisão.
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Considerando que a maior das penas parcelares aplicadas foi de 2 anos e 6 meses de prisão, tal constituirá o limite mínimo de condenação.
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Limite esse considerado suficiente em termos de pena a aplicar ao arguido, uma vez que coincidirá com o mínimo a considerar tendo em conta a defesa do ordenamento jurídico e consequentemente com as necessidades de exigências requeridas pela prevenção geral.
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Quanto ás exigências de prevenção especial, a faculdade apurada conduz a uma prognose favorável ao arguido e daí a suspensão da execução da pena.
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A decisão recorrida, por aplicação do actual regime constante dos art. 53º n.º 1 e 3 do CPP (redacção dada pela Lei n.º 79/2007, de 4 de Setembro), sujeitou o arguido a regime de prova, por aplicação automática do referido n.º 3, dada a medida da pena ter ultrapassado os três anos de prisão.
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Conforme supra alegado e atendendo a que não deve ser aplicada a ao arguido pena de prisão superior a 3 anos e o regime de prova não dever ser considerado um mal acrescido, só deve ser decretado se e na medida em que tiver por objectivo alcançar a ressocialização.
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O que in casu não se verifica – o arguido tem 54 anos de idade e não tem quaisquer antecedentes criminais, relacionados ou não com actos violentos contra pessoas, já está divorciado, cessou a co-habitação com a mulher há mais de 2 anos e meio, não havendo especiais razões para...
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