Acórdão nº 401/04.5 TAPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. BRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução27 de Setembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 26º, 1 CRP.79º,1 CC, 199.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA

  1. CP Sumário: 1. As “exigências de justiça”, designadamente de busca da verdade material, não justificam que se tirem fotografias para se apresentar como prova ,sem o consentimento do visado.

  1. O direito à imagem não tem de ceder perante o interesse na realização da justiça .

    Decisão Texto Integral: I – Relatório.

    1.1. Após pronúncia, o arguido M...

    (conjuntamente com a arguida E...), mais identificado nos autos, foi submetido a julgamento porquanto indiciado pela prática, em co-autoria material, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal [doravante CP e/ou diploma de que serão os preceitos a citar, sem menção expressa da origem], em concurso real com dois crimes de fotografias ilícitas, estes previstos e punidos pelo artigo 199.º, n.ºs 1 e 2, alínea a).

    J... e L..., também mais identificados, arvorando-se a qualidade de lesados civis, deduziram oportuno pedido para ressarcimento dos danos alegadamente sobrevindos por virtude daquela conduta delitiva, sucedendo porém que, através de despacho entretanto transitado em julgado, se mostra extinta a instância relativamente a tal pretensão (fls. 473 e segs).

    Findo o contraditório, proferiu-se sentença determinando ao ora relevante a absolvição do dito arguido relativamente ao assacado crime de dano. Pelo contrário, impondo-se a respectiva condenação por cada um dos dois demais crimes, foi o mesmo sentenciado nas penas parcelares de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, e a que em cúmulo jurídico logo operado, se fez corresponder a pena única de 140 dias de multa, à aludida taxa diária, seja, a pena global não detentiva de € 840,00.

    1.2. Irresignado com o veredicto assim emitido, o arguido interpôs recurso, extraindo da motivação oferecida as conclusões seguintes: 1.2.1. O tribunal a quo deveria ter dado como provado na sentença recorrida, porque com relevo para a decisão, que: - No processo n.º 153/04.9GBPBL os ora queixosos, aí arguidos, foram condenados, cada um deles, como autores materiais de dois crimes de ameaças e injúrias, por factos ocorridos no dia 5 de Abril de 2.004, pelas 8,00 horas; - A queixosa empunhava um machado; - O queixoso J... na ocasião trazia na mão uma arma caçadeira; - As ameaças (de morte) eram dirigidas aos arguidos; - Entre outras expressões os queixosos diziam para o arguido: “Venham para aqui seus filhos da puta, eu mato-vos”.

    1.2.2. Tais factos resultam dos depoimentos dos arguidos prestados em sede de julgamento e não foram contrariados pelos queixosos – declarações registadas em CD, sendo as do arguido M... sob o registo 00:03:31 a 00.33:12 e as da arguida E... sob o registo 00:33:13 a 01:00:40.

    1.2.3. De tal decisão recorreram os então arguidos, ora queixosos, para o Tribunal da Relação de Coimbra que, através de Acórdão proferido com data de 7 de Novembro de 2007, confirmou essa decisão.

    1.2.4. O arguido viu nas fotografias por ele tiradas o seu único meio de defesa disponível para evitar ou demover os queixosos da prática de outros factos ainda mais danosos, temendo inclusive pela própria integridade física.

    1.2.5. As fotografias foram um auxiliar precioso para o tribunal bem decidir sobre a existência de factos consubstanciadores do crime de dano, mas sobretudo para os arguidos serem absolvidos de tal crime, porque não sendo as mesmas utilizadas fica-se na incerteza de saber até que ponto o arguido não seria também condenado por tal crime (de dano) caso o recorrente não tivesse tirado as fotografias dos autos.

    1.2.6. As fotografias foram essenciais para dissipar quaisquer dúvidas no julgador, apesar de todas as testemunhas da acusação terem afirmado, sem excepção, que a estufa existia, que nela cresciam plantações de couves, cenouras e alface.

    1.2.7. A obtenção do consentimento para tirar as fotografias no contexto em análise é querer o impossível, mas também não se diga que foram os queixosos que informaram o arguido que não queriam que lhes fossem tiradas fotografias.

    1.2.8. Na situação de conflito que havia sido despoletado, dificilmente alguém (os queixosos) poderia ter a calma e a serenidade de informar o arguido que não queriam ou consentiam que lhes fossem tiradas fotografias.

    1.2.9. Assim, como os queixosos e as testemunhas (P... - filho dos queixosos: depoimento gravado no sistema de gravação Habilus Media Studio, durante 00H:28M:40S) mentiram em relação à existência da estufa, mentiram também em relação a este facto (consentimento), ao referirem que os queixosos tinham informado o arguido que não permitiam que lhes tirassem fotografias.

    1.2.10. Nunca foi propósito do arguido tirar fotografias aos queixosos ou sequer de as utilizar posteriormente.

    1.2.11. Todavia, as fotografias mostraram-se cruciais e imprescindíveis para os presentes autos, na demonstração de que a estufa era uma mera miragem e que a mesma nunca existiu, como afinal se veio a provar.

    1.2.12. Achou o arguido que, naquele momento, este seria o meio necessário, adequado e menos gravoso para dissuadir os queixosos de cometerem outro tipo de crimes.

    1.2.13. Para além disso, não podemos esquecer que se estava numa espiral de um conflito em que a própria resolução criminosa se encontrava afectada pela exaltação do momento, pelo que seria inexigível do arguido um comportamento diferente.

    1.2.14. O valor trazido pelas fotografias aos dois processos é sensivelmente superior ao valor a proteger e que por elas supostamente teria sido suportado (prejuízo ou afectação do direito à imagem).

    1.2.15. Da ponderação global dos interesses em conflito não pode deixar de se considerar que este direito à imagem (que não foi minimamente beliscado) tem de ceder perante o interesse na realização da justiça.

    1.2.16. A feitura e a utilização das fotografias no processo não ultrapassam “a linha da privacidade” dos queixosos e estão justificadas.

    1.2.17. Decidindo na forma em que o fez, o Tribunal recorrido questionou o disposto nos artigos 199.º; 34.º e 35.º.

    Terminou pedindo que no provimento da impugnação, seja decretada a sua absolvição.

    1.3. Notificados para tanto, responderam os sujeitos processuais visados, propugnando o improvimento do recurso.

    Admitido, foram os autos remetidos a esta instância.

    1.4. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntico improvimento.

    Cumpriu-se com o disciplinado pelo artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [CPP].

    No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

    Como assim, ordenada e cumprida a recolha dos vistos devidos, seguiram os autos para submissão á presente conferência.

    Urge, então, ponderar e decidir.

    *II – Fundamentação de facto.

    2.1. Na decisão recorrida tiveram-se por provados os factos seguintes:

    1. No dia 5 de Abril de 2004, cerca das 8h30, na Rua P…, em A…, Almagreira, área da comarca de Pombal, por questões relacionadas com conflitos existentes quanto a propriedades, o que originou uma troca de palavras concretamente não apuradas, o arguido M... tirou várias fotografias à pessoa dos ofendidos, as quais foram juntas ao Processo Comum Singular n.º 153/04.9 GBPBL, sem o seu consentimento e contra a sua vontade.

    b) O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que não estava legitimado a tirar as referidas fotografias aos ofendidos e que, com tal conduta, actuava contra a vontade dos mesmos.

    c) Sabia o arguido que os descritos comportamentos eram proibidos e punidos por lei.

    d) A conduta do arguido supra descrita causou sofrimento aos ofendidos J... e L..., que ficaram perturbados e angustiados com tal actuação.

    g) O arguido M... não tem antecedentes criminais.

    (…) i) Os arguidos M... e E… residem juntos, em casa arrendada, pela qual pagam a renda mensal de 250,00 euros. A arguida é doméstica e está reformada auferindo a pensão mensal de 200,00 euros e o arguido é militar da GNR e está reformado auferindo a pensão mensal de 368,00 euros. Os arguidos fazem face às suas despesas mensais com recurso ás respectivas pensões de reforma e recorrendo á ajuda dos filhos. A arguida tem a 3.ª classe e o arguido o antigo 5.º ano de escolaridade.

    2.2. Na mesma decisão, mas relativamente a factos não provados, consignou-se que: “Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer factos para além dos supra descritos, constantes da acusação e pedido cível deduzido, nomeadamente: que tenham ocorrido outros factos para além dos provados, que os factos que ocorreram tenham tido outras motivações ou outro circunstancialismo que não o que se dá como provado; que os danos sofridos pelos demandantes cíveis tenham tido outra origem ou extensão que não as que se dão como provadas; designadamente não se provou que: 1. No dia 4 de Abril de 2004, pelas 8h35, os arguidos se tenham dirigido a um prédio rústico da propriedade de A..., sito na Assanha da Paz, Amagreira, Pombal, local onde estava implantada uma estufa e ali plantados diversos vegetais, propriedade dos ofendidos J... e L....

  2. Ali chegados e munidos e machados os arguidos procederam de comum acordo e em conjugação de esforços à destruição da estufa, rasgando o plástico, partindo a madeira e destruindo as plantações, causando deste modo, um prejuízo orçado em 2.500,00 euros.

  3. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços, com intenção de deitar abaixo e romper toda a estrutura da estufa, bem como destruir as plantações ali existentes, da propriedade dos ofendidos, sabendo que actuavam contra a sua vontade, o que pretenderam.” 2.3. Por fim, a motivação probatória inserta na dita decisão determina: “O Tribunal formou a sua convicção conjugando e entrecruzando os vários meios de prova, designadamente, as declarações prestadas em sede de audiência pelos arguidos e ofendidos/demandantes cíveis, o depoimento das testemunhas ouvidas...

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