Acórdão nº 1176/03.0TCSNT.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução04 de Junho de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - 1. A intentou a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra: O ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.

Pedindo a condenação do Réu, nos seguintes termos: "(...) condenar-se o réu, o Estado português, no pagamento da quantia total de 562.739,20 €, a título de danos patrimoniais; (...) a quantia de 8.409,87 €, a título da compensação que, com equidade, pague ao autor a desvalorização efectivamente sofrida pela viatura N tendo em atenção os quilómetros percorridos e o facto de não ser legal e legítima a apreensão efectuada, porque destituída de fundamento e não justificada, aliás à semelhança das outras viaturas; (...) a quantia de 748.196,85 €, a título de danos morais; (...)ou seja: no pagamento do montante global de 1.319.345, 92 €, a acrescer juros vencidos, calculados à taxa legal, a contar da data da citação e vincendos até integral pagamento; (...) bem como a pagar os montantes pagos pelo autor a título de juros pela quantia de seiscentos e cinquenta mil contos que constituíam responsabilidades e endividamento bancário que o autor assumiu a título individual, a liquidar em sede execução de sentença." Alegou, em síntese, que: "O autor foi detido, em 21 de Julho de 1999, pela Policia Judiciária (PJ), no âmbito do Inquérito nº a fim de ser presente ao MMº Juiz de Instrução Criminal no Tribunal Judicial , para primeiro interrogatório judicial, por o mesmo estar indiciado na prática de um crime de estupefacientes, p. e p. nos termos do art. 21°, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro." "Na sequência desta detenção, foi aplicada ao autor (ali arguido) a medida de coacção de prisão preventiva, por despacho judicial proferido após aquele interrogatório (...)".

Acontece, porém, que tal despacho é ilegal por destituído de fundamentos fácticos e jurídicos. Pelo que, tendo o Autor estado detido, em prisão preventiva, tal prisão não pode deixar de ser considerada ilegal, tendo havido erro grosseiro por parte do Tribunal que a decretou e, por conseguinte, pela privação da liberdade a que o A. esteve sujeito e demais consequências deve o A. ser indemnizado pelo Estado Português, condenando-se, pois, o Réu em conformidade com o pedido.

  1. Citado o Réu Estado Português, aqui representado pelo Digno Ministério Público, contestou.

    Fê-lo impugnando veementemente o conteúdo dos artigos 7° e 8° da P.I., porquanto, embora se tratem de conclusões, a verdade é que ao contrário do que aí é referido, o despacho que decretou a prisão preventiva do ora Autor é em si um despacho legal e a prisão preventiva foi decretada após a necessária ponderação, mediante prova indiciária suficiente, não constituindo de modo algum um erro grosseiro.

    Para que haja erro grosseiro no sentido da norma art. 225° do Código de Processo Penal é necessário que o erro seja "absurdo e de manifesta evidência", o que manifestamente não aconteceu no caso vertente.

    Razão pela qual deve ser julgada improcedente a presente acção com as respectivas consequências legais.

  2. Foi proferido despacho saneador-sentença tendo o Tribunal "a quo" julgado improcedente a acção e absolvido o Estado Português do pedido.

  3. O Autor interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, que exou Acórdão, em 20/Novembro/2007, nos seguintes termos:

    1. Decide-se anular a sentença recorrida e b) Ordenar que os autos voltem à primeira instância para aí se proceder à selecção discriminada e à ampliação da matéria de facto relevante, aplicando-se-lhe depois o direito pertinente - cf. fls. 422 e segts.

  4. Em face do determinado pelo referido Acórdão da Relação, o Tribunal "a quo" proferiu novo despacho saneador-sentença, onde discriminou devidamente os factos assentes e concluiu, por fim, julgando improcedente a acção, por não provada e, em consequência, absolveu o Réu/Estado Português dos pedidos contra ele formulados pelo Autor, nomeadamente do pedido de indemnização por prisão preventiva ilegal por inexistência, in casu, de qualquer erro grosseiro.

  5. Inconformado o Autor Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões: 1. Decorridos sessenta e oito meses desde a apresentação da petição inicial, o Recorrente entende ter direito a que o seu petitório seja julgado com isenção, imparcialidade e com obediência o princípio do contraditório.

  6. Mais uma vez o MMº Juiz "a quo" não apreciou toda matéria alegada, a fim de elaborar a competente base instrutória, não dando cumprimento, inclusive, ao ordenado pelo douto acórdão deste Venerando Tribunal, proferido neste processo, em 20/11/2007. Para além de ter dado como assentes factos que, comprovadamente, não correspondem à verdade.

  7. Os factos dados como assentes sob os pontos 12) a 23), inclusive, para além de não terem sido especificadamente alegados pelo Réu Estado Português, não têm qualquer suporte documental (o relato constante de tais pontos consubstancia o teor do depoimento do agente J prestado no mesmo dia em que o A/Recorrente foi detido - doc. n.º 2, anexo à Contestação - pelo que devem ser retirados dos "Factos assentes".

  8. De igual modo o relato constante dos pontos 24., 25. e 27 não é verdadeiro, pelo que também estes devem ser retirados dos "Factos assentes" (tal relato foi efectuado pelo agente M, prestado no mesmo dia em que o A./recorrente foi detido - doc. n.º 2, anexo à Contestação).

  9. Acresce que do "Relato de Diligência Externa", constante de fls. 27, da certidão anexa pelo Réu como doc. n.º 7, os agentes presentes na Residencial Delta, no dia 20/03/1998, foram os agentes C, L e S, não aparecendo, ali, qualquer referência à presença do agente F. Que também não é referido por nenhum dos outros agentes que prestaram depoimento nos dois processos (nº )! 6. Também os factos constantes dos pontos 39., 40. e 41, não obstante se tratar de transcrições de documentos juntos aos autos, não foram objecto de alegação especificada por parte do Estado Português, pelo que devem ser retiradas dos "Factos assentes".

  10. Por outro lado, o MMº Juiz "a quo" não levou à base instrutória os factos alegados pelo A./Recorrente, nomeadamente os constantes dos arts 11° a 14°, 16°, 35°, 36°, 40° a 43°, 45°, 46°, 49°, 58°, bem como toda a factualidade descrita quanto a danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos. Como não levou à base instrutória os factos alegados pelo Estado Português nos arts 32° e 34° da contestação.

  11. Na selecção da matéria de facto controvertida e relevante para a decisão da causa, o juiz deve ter presente as várias soluções plausíveis da questão de direito (como se consagrou no já citado douto acórdão desse Tribunal), pelo que ao assim não proceder, o MMª Juiz "a quo" violou o exacto entendimento do preceituado no n.º 1 do art. 511° do CPC.

  12. Do petitório do A./Recorrente constam muitos outros factos, provadas documentalmente, que não foram dados como "Factos assentes". E deveriam ter sido, nomeadamente: *A prisão preventiva do A./Recorrente perdurou por mais de dezanove longos meses... tendo a acusação, que impendia sobre o A./Recorrente, sido considerada improcedente, in totum; * No douto acórdão proferido no Proc. n.º , da 4ª Vara Criminal de Lisboa, declarou-se que as escutas telefónicas em causa não carreavam elementos probatórios suficientes susceptíveis de determinarem a medida de coacção aplicada (mesmo que as mesmas fossem consideradas válidas, o que não veio a acontecer); * A (i)legalidade de tais escutas, apesar de ter sido objecto de diversos recursos, apenas foi apreciada, pela primeira vez e em definitivo, pelo douto acórdão proferido em 2 de Maio de 2002, pelo Tribunal da 4ª Vara Criminal de Lisboa, confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça (na sequência do recurso interposto pelo Digno Magistrado do Ministério Público); * Não existia no processo de inquérito em causa () qualquer auto de intercepção e gravação das conversas telefónicas (nem tão pouco existia nos autos da carta rogatória nº ); * Não foi levado ao conhecimento, imediato, da MMª Juíza do TIC (que decretou a prisão preventiva do aqui A.) qualquer auto de intercepção e gravação das conversas telefónicas, conjuntamente com as fitas gravadas; * Nos autos da carta rogatória nº nenhum documento constava comprovar que o(s) auto(s) de intercepção e gravação das conversações telefónicas, conjuntamente com as fitas gravadas tivesse sido levado ao conhecimento do MMº JIC brasileiro que, pretensamente, ordenou ou autorizou tais gravações; * Não existia nos autos nenhum despacho de Juiz (português ou brasileiro) a autorizar a realização das escutas telefónicas; * O despacho de pronúncia proferido nos autos ignorou que o badalado despacho de Juiz brasileiro a ordenar as escutas telefónicas não existia; ignorou que não foram cumpridos os requisitos impostos por lei para a realização de escutas telefónicas; ignorou que a validade substantiva das escutas telefónicas não tinha, até então, sido apreciada; * No processo, no qual foi julgada a cidadã brasileira B, nada se refere a propósito da eventual presença do aqui A./Recorrente na Residencial no dia 20/03/1998; * No douto acórdão proferido pela 4ª Vara Criminal de Lisboa refere-se que houve erro manifesto na avaliação jurídica da questão; * Nos documentos constantes da certidão junta aos auto , a folhas 118 a 206, não é feita nenhuma referência ao A./Recorrente; 10. Estes, entre outros, são factos provados documentalmente nos autos e que o MMº Juiz "a quo" não considerou.

  13. Como também a MMª Juíza do TIC , que decretou a prisão preventiva do ora A./Recorrente, não curou de verificar todos os factos que lhe fora presentes (o conteúdo da certidão ao processo a não existência do(s) auto(s) de intercepção e gravação das conversações telefónicas; a não existência de documento comprovativo do Mandato de Juiz a autorizar a sua realização; o conteúdo das gravações existentes...), ignorando ostensivamente factos que conduziriam a uma solução diversa se ponderados com a...

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