Acórdão nº 2875/2008-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelJOSÉ AUGUSTO RAMOS
Data da Resolução11 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na secção cível da Relação de Lisboa: I - Relatório A e marido, P intentam esta acção, com processo ordinário, contra Auto Lda., pedindo seja condenada: a) a reconhecer que a Autora é proprietária da fracção autónoma designada pela letra A correspondente à sub-cave esquerda, destinada a loja, do prédio urbano sito na Rua José Afonso, Agualva (...); b) a devolver à Autora a fracção autónoma livre de pessoas e haveres; c) a pagar à Autora, como indemnização pelos danos patrimoniais que com a ocupação lhe vem causando, a quantia de € 2.400,00 acrescida da quantia de € 800,00 por cada mês que decorrer entre o dia 3 de Outubro de 2004 e a data da efectiva entrega com juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

Citada, a Ré contestou para concluir pela ineptidão da petição inicial, pela ilegitimidade do Autor, pela procedência da contestação relativamente à existência de comodato e consequente justo título da sua posse sobre a fracção objecto da acção, pela improcedência da acção, e para pedir a condenação da Autora como litigante de má fé.

Replicaram os Autores para responderem à matéria das excepções invocadas na contestação e à pretendida condenação por litigância de má fé.

No despacho saneador decidiu-se pela improcedência da excepção de nulidade de todo o processo, com fundamento em ineptidão da petição inicial, e da excepção de ilegitimidade do Autor, bem como se decidiu nada mais obstar ao conhecimento do mérito da causa, pelo que se prosseguiu com a organização da selecção da matéria de facto com base instrutória.

A Ré interpôs recurso de agravo do despacho saneador na parte que decidiu pela improcedência da excepção de nulidade de todo o processo com fundamento em ineptidão da petição inicial.

Para tanto apresentou as suas alegações com as conclusões seguintes: 1ª- Os agravados, ao não descreverem, na petição inicial quaisquer factos concretos e suas circunstâncias de tempo, lugar e modo conducentes ao pedido de restituição da coisa reivindicada, antes se tendo quedado pela invocação abstracta de ocupação sem título, postura que, aliás, repetem na réplica, produziram uma petição inepta por carência de causa de pedir; 2º- O Tribunal a quo, ao não decretar a ineptidão, consequente nulidade e absolvição da instância, não teve em conta a não arguição de factos enformadores e demonstrativos de posse ou detenção ilegítimas da ora agravante sobre a coisa reivindicada, assim violando o disposto no artigo 193.º do Código de Processo Civil; 3ª- A decisão recorrida contrariou, ainda, doutrina e jurisprudência pacíficas.

Termos em que pretende se revogue a decisão recorrida.

Os Autores nas contra-alegações entendem dever ser negado provimento ao recurso.

A Ex.ma. Juíza manteve o despacho recorrido.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em consequência: a) reconheceu o direito de propriedade da Autora sobre a fracção autónoma designada pela letra A, em Agualva, Sintra; b) condenou a Ré a entregar à Autora a referida fracção autónoma, a pagar-lhe € 27.360,00, acrescidos do montante mensal de € 720,00 desde 4 de Agosto de 2007 até efectiva entrega da fracção, juros sobre € 6.480,00 desde 11 de Março de 2005 e sobre o montante mensal de € 720,00, acrescido àquele em cada um dos dias 4 dos meses subsequentes, até efectiva entrega da fracção; c) absolveu a Ré do demais pedido e a Autora do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Desta sentença interpôs a Ré este recurso de apelação, para tanto tendo apresentado as seguintes conclusões: 1ª- Como já se arguiu em sede de agravo - não reparado e, por isso, a ser agora julgado - toda a acção se processou, desde então, à sombra de uma inquinação genética ou pecado original, que se repercutiu até final: a invocação em abstracto de ocupação sem título, conducente à reivindicação e consequente restituição; 2ª- Não vindo provada a causa de pedir (ocupação sem título), pelo contrário, vindo provado que a ocupação é titulada por um contrato de comodato, por consequência, com datio rei e título de posse, deveria a primeira instância ter julgado a acção de reivindicação improcedente, absolvendo a apelante dos pedidos, sem mais: não o fazendo foram violados os preceitos da alínea b) do n.º 2 do artigo 193.º e do artigo 202.º do Código de Processo Civil, bem como o n.º 3 do artigo 493.º e o artigo 496.º do mesmo Código; 3ª- Esquecendo que é ao autor, na petição inicial, que compete recortar o thema decidendum, conformando-o à causa de pedir adentro do princípio dispositivo, não ao réu ou ao julgador, veio este - até contra o ponto de vista dos apelados, que sempre defenderam à outrance (sem factos) a ocupação sem título, retirando a consequência lógica de a acção soçobrar caso prevalecesse, como veio a prevalecer, o comodato -, substituindo-se ao autor, avançar com os pedidos, embora fundando-os noutra causa de pedir - o referido contrato gratuito - assim produzindo uma sentença nula (artigo 668.º do Código de Processo Civil); 4ª- Nem assim, porém, teria razão: sendo o comodato, no caso concreto, para fim determinado mas sem termo certo assistiria ao comodante - a ora apelada - pôr termo ao contrato, operando a sua resolução, todavia, invocando justa causa e estabelecendo com o comodatário - a ora Apelante - um prazo razoável para a restituição da coisa objecto do contrato - a fracção em controvérsia - ou, na impossibilidade de acordo, socorrendo-se da fixação judicial de prazo, não sendo, por isso, aproveitável, mesmo na mais rebuscada, absurda e falaciosa das hipóteses, subsumir ao caso o simples diktat da comodante, sem justa causa e com prazo apenas estabelecido no seu real talante; 5ª- Por isso que a decisão recorrida violou, também por esta banda, o normativo do n.º 1 do artigo 1137.º do Código Civil, conjugado com o que dispõe o 1140.º do mesmo código, na interpretação que lhe vem sendo concedida pela jurisprudência (cfr. Acórdão do S.T.J. de 17.03.1994, in B.M.J., 435º - 805) e pela doutrina (Fernando Jorge Marques de Matos...

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