Acórdão nº 0816480 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS
Data da Resolução28 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

(proc. n º 6480/08-1)*Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*I- RELATÓRIO No Tribunal Judicial de Gondomar, nos autos de processo abreviado nº .../08.9TAGDM-J do .º Juízo Criminal, foi proferida sentença, em 28/05/2008 (fls. 106 a 112), constando do dispositivo o seguinte: "Nestes termos e pelos fundamentos aduzidos, o tribunal decide:

  1. Absolver o arguido B..........

    da prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do CP, pelo qual vinha acusado.

    * Notifique.

    Deposite (art. 372.º, n.º 5, do CPP).

    (...)" * Não se conformando com essa sentença, o Ministério Público dela interpôs recurso (fls. 118 a 133), formulando as seguintes conclusões: "I- A douta sentença padece de erro na apreciação da prova produzida em sede de julgamento e erro na interpretação das normas constantes dos arts. 60, 61 nº 3-d) do Código de Processo Penal e 348 nº 1-b) do Código Penal.

    II- Das declarações do arguido, retira-se que o arguido negou veemente ter sido advertido pela magistrada do Ministério Público que, caso se recusasse a tal diligência de prova (recolha da sua escrita), incorreria na prática do crime de desobediência, o que o tribunal considerou falso.

    Ora, tais declarações forçosamente tinham de levar a concluir o tribunal a quo que o arguido sabia que estava obrigado a submeter-se a tal diligência, e que estava ciente que cometia o crime de desobediência, para o qual foi advertido, motivo pelo qual terá afirmado que não lhe havia sido feita qualquer advertência, quando sabia que tal não era verdade.

    III- O arguido ao negar que, após a sua recusa à realização de autógrafos, foi advertido que praticava o crime de desobediência, facto que apesar da sua negação foi dado como provado, com base no auto de diligência junto aos autos e no depoimento da testemunha C.........., leva à única conclusão possível que o arguido era conhecedor que o seu comportamento era contra o direito, pelo que outra decisão não se impunha ao tribunal a quo, que não o de dar como provado que o arguido sabia que estava obrigado a proceder à diligência ordenada e referida nos factos provados e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    IV- No dia 28 de Fevereiro de 2008, o arguido ficou ciente e esclarecido da ordem que lhe foi dada e da cominação que lhe foi feita, pelo que entendemos que o arguido representou como consequência possível da conduta, o cometimento do crime de desobediência. No entanto, continuou a persistir na recusa, conformando-se com aquela realização, actuando pelo menos com dolo eventual (cfr. art. 14 nº 3 do Código Penal).

    V- Não se pode concordar com a fundamentação jurídico-penal da douta sentença, ora recorrida, quando se afirma que a ordem dada ao arguido é ilegítima e que nessa medida assistia ao arguido o direito legal e constitucional de se recusar a intervir na diligência probatória da recolha de autógrafos.

    Ora, tal conclusão é violadora do disposto nos arts. 60, 61 nº 3-d) do Código de Processo Penal e 348º nº 1-b) do Código Penal.

    VI- Nos termos do art. 61 nº 3-d) do CPP o arguido tem o dever de "sujeitar-se a diligências de prova e a medidas de coacção e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas pela entidade competente".

    VII- O direito a não prestar declarações consagrado no art. 61 nº 1-d) do CPP é um direito específico, só se aplicando às referidas situações em que o arguido pode recusar-se a responder a perguntas feitas sobre os factos que lhe são imputados, não se aplicando a qualquer outra diligência de prova em que o arguido tenha de se submeter.

    VIII- Essa direito, de não prestar declarações, não abrange qualquer outra situação, para além da expressamente prevista, sob pena de esvaziamento do estipulado no art. 61 nº 3-d) do CPP.

    IX- Ora, não era legítimo ao arguido recusar-se prestar autógrafos, porquanto tinha conhecimento dos seus direitos e deveres enquanto arguido, tendo pleno conhecimento que tinha que se sujeitar a diligências de prova.

    X- O arguido deve sujeitar-se às diligências de prova, desde que essa sujeição não seja obtida mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa à integridade física ou moral das pessoas, cfr. art. 126 nº 1 do Código de Processo Penal, caso em que tal prova é proibida e ferida de nulidade.

    XI- O tribunal a quo conclui que a recusa era legítima, uma vez que o arguido não tinha que contribuir para a sua incriminação, mas tal posição não é defensável atenta a estrutura do nosso processo penal. O arguido é obrigado a sujeitar-se à recolha de autógrafos, como é obrigado a submeter-se a exames, prova por reconhecimento, a ser-lhe recolhidas impressões digitais, a ser sujeito a perícias físicas, psíquicas e outras.

    Todos estes meios de prova exigem uma atitude activa do arguido, que ao se sujeitar a uma prova por reconhecimento poderá incriminar-se, ao proceder a exames físicos, de DNA etc., está a contribuir activamente para a sua eventual incriminação.

    XII- A situação em apreço é tudo idêntica à obrigatoriedade de sujeição a testes de pesquisa de álcool no sangue, sendo que esta imposição/obrigação é essencialmente vista com cariz probatório. A realização de tais testes são inequivocamente o modo de obter prova do crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas ou da prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário.

    Se a génese da realização de testes de alcoolímetros apenas se fundasse em questões preventivas, então deviam apenas os condutores/peões ser obrigados a efectuar os testes qualitativas e não os quantitativos.

    Os agentes são obrigados a submeterem-se ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado e caso recusem tal exame são punidos por crime de desobediência.

    XIII- Face ao que se deixou dito, é legítima a ordem dada ao arguido para prestar autógrafos e na ausência de disposição que comine tal actuação como desobediência, foi nos termos do art. 348 nº 1-b) do Código Penal o arguido advertido que cometia o crime de desobediência ao recusar efectuar a diligência de recolha de autógrafos.

    XIV- A douta decisão proferida violou o disposto nos arts. 60, 61 nº 3-d) do Código de Processo Penal e 348 nº 1-b) do Código Penal.

    XV- Face ao grau de culpa do arguido, aos antecedentes criminais, às fortes exigências de prevenção geral e especial, impõe-se a aplicação de pena de prisão. Tudo ponderado, afigura-se-nos adequada a aplicação de uma pena de seis meses de prisão, porquanto é a única pena que é adequada à culpa do arguido." Termina pedindo a substituição da sentença sob recurso por outra que condene o arguido, pela prática de um crime de desobediência simples p. e p. no art. 348 nº 1-b) do Código Penal, por referência ao art. 61 nº 3-d) do Código de Processo Penal, na pena de seis meses de prisão.

    *Na 1ª instância, o arguido B.......... não respondeu ao recurso.

    *Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 155), pugnando pelo não provimento do recurso.

    * Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

    Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.

    Cumpre, assim, apreciar e decidir.

    *Na sentença sob recurso foram considerados provados os seguintes factos: a) "Nos autos de inquérito n.°.../04.6TAGDM foram denunciados factos susceptíveis de integrar a prática do crime de falsificação de documento, tendo o arguido B.......... sido constituído arguido por existirem suspeitas de ter sido agente do crime denunciado.

  2. Por esta razão, foi determinado pela magistrada do Ministério Público titular do processo a sujeição do arguido à diligência de prova de recolha de autógrafos, para posterior realização do competente exame pericial.

  3. Assim, em 26 de Setembro de 2007 e em 4 de Dezembro de 2007. o arguido compareceu nos Serviços do Ministério Público de Paços de Ferreira para a realização da referida diligência, tendo recusado, em ambas as situações, submeter-se à determinada recolha de autógrafos.

  4. Em 07 de Janeiro de 2008, pelas 15h00, o arguido compareceu nos Serviços do Ministério Público de Gondomar para a realização da referida diligência, tendo referido pretender ser assistido por defensor, o Sr. Dr. D.........., pelo que se designou o dia 22 de Janeiro de 2008 para a realização da diligência, dando-se conhecimento ao pretendido defensor, Sr. Dr D.......... .

  5. Atenta a impossibilidade do Sr. Dr. D.......... comparecer nos Serviços do Ministério Público no dia 22 de Janeiro de 2008, a diligência foi adiada, designando-se para a realização da mesma, após várias tentativas infrutíferas de contactar o Dr. D.........., então já mandatário do arguido, o dia 28 de Fevereiro de 2008, dando-se conhecimento ao mesmo da data designada.

  6. Em 19 de Fevereiro de 2008, o arguido remeteu um requerimento, via fax, ao processo de inquérito n.º .../04.6TAGDM, com o seguinte teor: "B.........., arguido nos presentes autos vem: Informar que não deseja proceder à recolha de autógrafos conforme V.Exa pretende. Assim sendo requer a desmarcação da diligência agendada a fls. Pela via mais expedita, a fim de evitar o transtorno do transporte do requerente a esses Serviços do MºP", o que foi indeferido.

  7. Sucede que, no dia 28 de Fevereiro de 2008, o Sr. Dr. D.........., ainda que devidamente notificado, não compareceu nos Serviços do Ministério Público de Gondomar, nem justificou a sua ausência, pelo que foi nomeado como defensor oficioso ao arguido, para o acto, o Sr. Dr. E.......... .

  8. Contudo, não obstante estar assistido por defensor, quando lhe foi solicitado pela Magistrada do Ministério Público que procedesse à escrita das palavras "F..........", o arguido recusou fazê-lo, dizendo que só o faria na presença do seu advogado.

  9. Então, foi informado pela magistrada do Ministério Público titular do processo de que incorreria na prática de um crime de desobediência, tendo o arguido mantido a recusa.

  10. Ao agir da forma acima descrita, o arguido quis obstar a que fosse...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT