Acórdão nº 0843995 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução19 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 3995/08-4 Relator - Ernesto Nascimento.

Processo comum colectivo ./04.6GCFLG do .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I.1. No processo supra em epígrafe identificado, foram entre outros, pronunciados os arguidos B.......... e C.........., enquanto co-autores materiais, na forma consumada, de um crime de lenocínio, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30°/2 e 170°/1 e 2, ambos do Código Penal.

Efectuada a audiência de julgamento vieram estes a ser condenados, por convolação, enquanto co-autores materiais, na forma consumada, pela prática do crime de lenocínio, à data, p. e p. pelo artigo 170º/1 C Penal e hoje, pelo artigo 169º/1 do mesmo diploma legal, nas penas de 2 anos de prisão, cujas execuções foram suspensas pelo período de 2 anos, subordinada, em qualquer dos casos às seguintes regras de conduta: não adquirir, explorar, gerir ou por qualquer forma administrar por si ou por interposta pessoa, durante o período que durar a suspensão da pena estabelecimentos, residências ou qualquer tipo de locais em que se exerça a prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo a troco de dinheiro; não frequentar, ingressar ou permanecer durante o período de suspensão da pena, em estabelecimentos, residências ou qualquer tipo de locais em que se exerça a prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo a troco de dinheiro.

  1. 2. Inconformados com o assim decidido, interpuseram ambos, recurso, autónomo, ainda que rigorosamente, nos mesmos termos, sustentando as seguintes conclusões: 1. há no Acórdão contradição insanável da fundamentação de determinada matéria de facto e, por isso, entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação/fundamentação da prova, artigo 410º/ e 2 alíneas b) e c) C P Penal; 2. na verdade, é contraditório afirmar-se por um lado que o arguido explorava os identificados estabelecimentos comerciais com o respectivo licenciamento emitido pelas entidades competentes, para servir bebidas, no que vulgarmente se designa por alterne, com o intuito de obter proveitos económicos de tal actividade (ut. n°s. 1, 2, 3 e 4 dos factos provados); 3. e, por outro lado, dar-se como provado que "a actividade de exploração sexual de mulheres era a finalidade principal de tais estabelecimentos" (ut. nºs. 5 e 6 dos factos provados); 4. quando vem dado como provado a existência de empregados para servir bebidas (ut. nºs. 16, 17, 18, 19 e 20 dos factos provados); 5. e não vem dado como provado nenhum facto que indiciasse minimamente a exploração sexual de mulheres (ut. nºs. 9, 10 e 11 dos factos não provados), 6. acresce que, mostrando-se apenas e tão só provado que nos referidos estabelecimentos "as ofendidas" aliciavam clientes para a prática de relações sexuais, mediante uma contrapartida em dinheiro, normalmente € 20,00 que era por estas integralmente recebida; 7. é, no mínimo, precipitado extrair-se a conclusão, como se faz no Acórdão, de que pelo facto de o arguido ter custos de exploração, ser de pressupor que auferisse pelo menos uma parte das quantias auferidas pelas mulheres; 8. trata-se de mera conclusão, sem apoio em quaisquer factos concretos, reconhecendo-se até na fundamentação do Acórdão que "nem as mulheres nem qualquer outra testemunha referiram ter conhecimento directo da entrega de quaisquer quantias auferidas pelas relações sexuais, aos arguidos B.......... e C.........." (sic); 9. daí que, seja precipitada e nunca apoiada em factos concretos, a utilização da "livre convicção do Tribunal", "das regras da experiência comum", "da normalidade dos comportamentos", para concluir que os arguidos agiam com o intuito de lucrarem e receberem parte dos proventos cobrados pelas mulheres aos clientes; 10. é que, a convicção é livre mas não é arbitrária; 11. e atento o principio "in dubio pro reo" deveria e deverá ser dado como não provado, que os arguidos agiam profissionalmente, com intenção lucrativa e que auferiam uma parte - nunca quantificada sequer - dos proventos recebidos pelas mulheres dos clientes; 12. e, por isso, não verificados os requisitos do artigo 170º/1 C Penal; 13. daí se impor a absolvição do arguido do crime de lenocínio, pelo qual vem condenado; SEM PRESCINDIR 14. perante o quadro factual que se deve ter como provado, conjugado com os factos dados como não provados, não se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime pelo qual o arguido vem condenado; 15. dispondo o nº. 1 do artigo 170º do C Penal que será punido quem profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa da prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo; 16. resulta que o bem jurídico protegido com a incriminação, não é a liberdade da determinação sexual, onde apenas deve estar em causa a liberdade e a autodeterminação de uma pessoa, e não a opção moral sobre a vida sexual que cada um quer ter; 17. ora, admitindo-se como se faz no Acórdão, que o legislador teve intenção apenas e tão só de punir uma actividade, uma profissão e não qualquer corrupção da vontade livre; 18. não resulta, porém, minimamente provado e demonstrado, com a certeza que se imporia, que o arguido actuasse profissionalmente e/ou com intenção lucrativa; 19. nem habitualmente; 20. nem com ganhos efectivos, que não vêm provados, não bastando presumir-se tais ganhos, como se faz no Acórdão; 21. e, muito menos, com dolo ou intenção relativamente à totalidade dos elementos constitutivos do tipo objectivo de ilícito; 22. sendo demasiado óbvio, que o direito penal não pune condutas de ordem moral; 23. daí se ter de concluir que, no caso concreto, não se mostram verificados e/ou provados os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime de lenocínio, do qual o arguido vem condenado, artigo 410º/2 a) C P Penal; 24. pelo que se imporia, como impõe a sua ABSOLVIÇÃO.

    SEM PRESCINDIR, 25. do cotejo da argumentação/fundamentação do Acórdão (vide fls. 1173 in fine do Acórdão), apenas e tão só resultaria que o arguido facilitou o exercício da prostituição por outras pessoas, por permitir que nos bares que explora se mantivessem mulheres que visavam a prática desses actos, mantendo espaços, onde a mulheres podiam manter relações sexuais a troco de dinheiro, com clientes; 26. não se mostrando cabalmente demonstrado, o que terá de redundar em benefício do arguido (in dubio pro reo) o intuito lucrativo efectivado, o exercício profissional e habitual de tal "actividade" e a consciência da ilicitude do acto de facilitar o exercício da prostituição; 27. mas, mesmo que se entenda que existiu atitude do arguido de facilitar o exercício por outrem da prostituição e, assim, preenchido um dos requisitos do nº. 1 do artigo 170º C Penal, será que este normativo está, na sua aplicação ao caso concreto, conforme à Constituição da República Portuguesa? 28. Julgamos que não, como se tentará demonstrar; 29. seguindo de perto o ensinamento do ilustre Professor Doutor Figueiredo Dias e na sequência do historial do normativo, não se tutela agora a liberdade sexual de alguém - único fundamento para a punição dos crimes contra a liberdade sexual, onde apenas deve estar em causa a liberdade e autodeterminação sexual de uma pessoa concreta e não qualquer opção moral sobre a vida sexual que cada um quer ter - nomeadamente de quem pratica a prostituição; 30. ou seja, o bem jurídico tutelado, é uma determinada concepção de vida que se não compadece com a aceitação do exercício profissional ou com intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição; 31. e, dirigindo-se o nº. 1 do artigo 170º C Penai à protecção de uma certa concepção moral sobre a condução da vida pessoal; 32. tal não significa que aquela prática, mesmo sendo ética e moralmente censurável, deva ou possa ser elevada ao estatuto criminal; 33. e, se o for, tal constitui um atentado contra a liberdade e autodeterminação de quem se dedica à prostituição sendo excessivo puni-la criminalmente; 34. trata-se, assim, de norma incriminatória, na base da qual não é susceptível de se divisar um bem jurídico concreto e claramente definido; 35. por ser manifesto que o eventual exercício profissional daquela actividade ou a intenção de a exercer com lucro, não poderá, por si só, converter em ilícito criminal uma conduta que, por não atentar contra um concreto bem jurídico criminal, não é portadora da correspondente e imprescindível ilicitude material; 36. daí a conclusão de que uma tal norma é nula e inaplicável ao caso dos autos, por dever ser considerada materialmente inconstitucional, por violação directa do disposto no n°. 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa; 37. assim devendo ser decidido e declarado pelo Tribunal.

    TERMOS EM QUE e nos melhores de direito que doutamente serão supridos, na procedência do recurso, deverá o douto Acórdão ser revogado e substituído por outro onde se decida/declare que: a) o n° 1 do artigo 170º C Penal, com a redacção em vigor a partir da Lei 65/98 de 2 de Setembro e actual n°. 1 do artigo 169º C Penal em vigor, viola abertamente o disposto no nº. 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa e é, por isso, materialmente inconstitucional, devendo ser tal norma considerada nula e inaplicável ao caso sub judice, com as legais consequências; se assim se não entender, b) deverá ser considerada/verificada contradição insanável da fundamentação, entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova, relativamente à factualidade referida nas conclusões 1ª a 13ª destas alegações, com as legais consequências; c) e, a final, reapreciando a prova produzida que deva ser considerada para a decisão, deverá ser julgada a acusação/pronúncia improcedente e o arguido absolvido do crime de lenocínio do qual vem acusado e condenado; d) Assim, se fazendo a costumada JUSTIÇA.

  2. 3. Na 1.ª instância...

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