Acórdão nº 42/2008-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução05 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Na 2ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 17/12/2008, constante de fls. 236 a 245, foi a Arg.

[1] M..., com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 11, CRC[3] de fls. 221, BI[4] de Cabo Verde de fls. 20 e Passaporte de fls. 14 a 19) condenado nos seguintes termos: "De harmonia com o expendido, decide este Tribunal Colectivo:

  1. Condenar a arguida M...: 1 - pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; 2 - na pena acessória de expulsão do território nacional português, fixando em 10 (dez) anos o prazo de interdição de entrada neste mesmo território nacional; 3 - nas custas, com os mínimos de taxa de justiça (com o acréscimo legal de 1%) e de procuradoria, observando-se o disposto no artº 344º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal.

  2. Declarar perdidos a favor do Estado o produto estupefaciente, uma cinta em tecido, os dois telemóveis e o dinheiro apreendidos à arguida.

".

* Inconformada, veio a Arg. interpor recurso do referido acórdão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 249 a 262.

Dessas conclusões resulta que a única questão suscitada neste recurso é a da suspensão da execução da pena de prisão aplicada à Arg..

*O Ex.m.º Magistrado do Ministério Público, pela peça de fls. 264 a 271, respondeu, pugnando pela confirmação integral acórdão recorrido, concluindo da seguinte forma: I. Antes de mais teremos que referir que o douto Acórdão não fez nem poderia fazer funcionar qualquer atenuação especial com base no artigo 31º do DL 15/ 93.

  1. Na verdade a arguida não abandonou voluntariamente a sua actividade criminosa, não actuou de forma a diminuir consideravelmente o perigo da sua conduta, não impediu o resultado nem auxiliou as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação e captura de outros responsáveis.

  2. A arguida foi efectivamente considerada como "correio de droga" pelo douto Acórdão, mas quanto a tal constatação podemos verificar que as consequências não são as que a arguida afirma, isto é não desencadeiam a atenuação especial prevista no artigo 31º do DL 15/93, desde logo porque a conduta da arguida não é subsumível a tal artigo.

  3. Como bem se refere no douto Acórdão a actividade da arguida como correio de droga induz um acréscimo de razões de prevenção geral de intimidação.

  4. No douto Acórdão podemos ler os fundamentos da não suspensão da pena que se afiguram muito claros.

  5. A pena só pode ser suspensa quando a censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastem para afastar o condenado da criminalidade.

  6. A prevenção geral terá também que ser equacionada só se justificando a suspensão, quando face à personalidade do condenado, às suas condições de vida à natureza do crime, for possível concluir que se trata de um facto isolado e que a simples ameaça da pena é suficiente para o afastar da prática de novos crimes.

  7. O que essencialmente importa perceber neste caso é se era possível suspender a pena pelo facto de a arguido ser primária, estar arrependida, e por ter boas perspectivas de reintegração social.

  8. Toda esta questão nasce do disposto no artigo 50º do CP na redacção do DL 59/2007 de 4 de Setembro que permite a suspensão de pena até 5 anos de prisão.

  9. Este preceito consagra um poder-dever ou seja um poder vinculado do julgador que terá que decretar a suspensão da execução da pena sempre que se verifiquem os necessários pressupostos.

  10. Antes de mais importa referir que na prevenção geral há que distinguir o aspecto negativo que é concretizado pela intimidação e o aspecto positivo que é plasmado na corroboração da fidelidade à lei.

  11. A prevenção geral ao defender a ordem jurídica é uma instituição que está subjacente à própria configuração do Direito Criminal como meio destinado à defesa da sociedade.

  12. Assim sendo, a prevenção geral deve sempre pautar-se e actualizar-se, nas sociedades em concreto, em conformidade com a evolução dos crimes, o aumento da criminalidade relativamente a certos tipos de crimes e pelo estudo da eficácia que a legislação penal mostra ou não mostra ter quanto à capacidade de inibir o crime.

  13. A pena suspensa tem como pressuposto material o prognóstico favorável quanto ao comportamento do delinquente que em determinadas circunstâncias torna crível a possibilidade de se afastar do crime.

  14. Este juízo reporta-se sempre ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime.

  15. Com este pretende-se obter o "conteúdo mínimo da ideia de socialização," traduzida na "prevenção da reincidência" (cf Direito Penal Português - consequências jurídicas do crime- do Professor Figueiredo Dias).

    XVII.

    Porém se o tribunal fizer um prognóstico favorável à luz das condições relativas à prevenção especial de socialização, tal suspensão não deve concretizar-se se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

  16. Não se trata de retomar aqui quaisquer considerações sobre a culpa, mas sim de perspectivar a questão da prevenção geral, em relação às exigências mínimas e irrenunciáveis da defesa do ordenamento jurídico.

  17. Só estas são idóneas para constituírem um limite ao valor da "socialização em liberdade", que é a trave mestra do instituto da suspensão da pena (cf Direito Penal Português - consequências jurídicas do crime fls 344- do Professor Figueiredo Dias).

  18. A actual redacção do artigo 50º do CP, dada pela Lei 5/2007 de 4 de Setembro, permite a suspensão da pena não superior a 5 anos.

  19. Esta alteração da lei em nada modificou a questão do rigor relativo à possibilidade da socialização em liberdade, que tem de ser bem fundamentada embora não seja como toda a prognose isenta de algum risco.

  20. Aliás e como bem foi salientado, sendo um crime de tráfico de estupefacientes, não pode deixar de se considerar que a Resolução do Conselho de Ministros nº 46/99 de 26 de Maio, que aprovou a estratégia nacional de luta contra a droga, fixou como um dos objectivos primordiais o reforço do combate ao tráfico, como opção estratégica fundamental para Portugal (Ac do STJ de 17/1/2008, proc 4566/07 5ª Secção).

  21. Deste modo e voltando ao caso concreto há que verificar se o facto de a arguida ser primária justifica a suspensão da pena.

  22. A nossa Jurisprudência tem entendido que o facto de o autor do crime de tráfico de estupefacientes ser primário e estar bem integrado na sociedade tem pouco valor atenuativo face à extrema necessidade de punição severa do crime de tráfico de estupefacientes (cf Ac do STJ de 21/11/91 proc 41898).

  23. No que toca à prevenção geral também a Jurisprudência entende que considerando-se a danosidade do referido crime não é em regra aconselhável a suspensão da execução da pena ( cf Ac do STJ DE 25/11/93 proc 452449).

  24. Sendo grave a ilicitude dos factos e elevado o grau de culpa na sua forma mais alta de dolo directo, atentos os perigos do tráfico de droga, especialmente se se tratar de drogas duras, impõe-se perante o artigo 72º do CP a aplicação de pena que se aproxime mais do limite máximo que do limite mínimo ( Ac do STJ DE 27/6/90, Proc 41017; Ac do STJ de 12/12/96 proc 570/96).

  25. O STJ tem manifestado orientação no sentido do agravamento das penas relativas ao crime de tráfico de estupefacientes, dando expressão ao sentimento comum da sociedade pelos malefícios aterradores da dependência de estupefacientes associada aos crimes contra as pessoas e a propriedade (cf Ac do STJ de 17/4/97 proc 1295/96 e Ac do STJ de 25/11/92).

  26. O bem jurídico primordialmente protegido pela norma incriminadora é a saúde pública e a integridade física dos cidadãos ou mais sinteticamente a saúde pública, tratando-se de valores supra individuais (cf Ac do STJ de 18/10/95 Poc 48338).

  27. Quanto à questão dos correios de droga tem entendido a Jurisprudência que estes são indispensáveis à proliferação do respectivo tráfico, e sem eles o crime já estaria erradicado porque os grandes traficantes não iriam sujeitar-se a serem apanhados com a droga na mão (cf Ac do STJ de 1976/91 BMJ 411 230 e Ac do STJ de 17/1/2008, proc 4566/07 5ª Secção).

  28. Evidenciam-se assim as prementes necessidades de defesa da sociedade quanto aos referidos crimes.

  29. Em conformidade existirá um acréscimo de exigência relativamente ao peso da prevenção geral, que terá reflexo na medida da pena.

  30. Ora embora a pena até 5 anos possa ser suspensa, tal não afasta a necessidade de serem ponderadas as finalidades da punição do crime de tráfico de estupefacientes, sendo evidente que as necessidades de prevenção geral continuam a desaconselhar a suspensão da pena .

    XXXIII. Ora tal suspensão é também desaconselhável quando se está perante um correio de droga como é o caso da arguida.

  31. A jurisprudência vem reconhecendo que os "correios de droga,"constituem um elo fraco na cadeia do tráfico, mas um elo que se tem revelado essencial ao transporte e proliferação da droga (cf Ac do STJ de 17/1/2008, proc 4566/07 5ª Secção). XXXV. A fundamentação do douto Acórdão não merece qualquer censura, inexistem normas violadas pelo que deverá se negado provimento ao recurso mantendo-se o douto acórdão recorrido.

    ".

    * Neste Tribunal o Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto e pronunciou-se pela improcedência do recurso (fls. 279 a 283).

    *A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados, relevantes para a decisão, e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal.

    Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais...

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