Acórdão nº 9797/2008-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução29 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1.

[A] intentou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra [B], pedindo que (i) se anule o contrato dos autos; (ii) se condene a ré a pagar ao autor uma indemnização, por culpa na formação do contrato, (a) pelos lucros cessantes do autor, no valor de € 10.886,40; (b) pelos danos patrimoniais sofridos pelo autor, no valor de € 38.761,08 e (c) pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, no valor de € 15.000.

Fundamentando a sua pretensão, refere, em síntese, que a ré informou o autor e outros interessados das vantagens em realizar um trabalho de parceria com aquela.

Convencido pela exposição feita pela ré e atraído pelas perspectivas de lucro por esta apresentadas, o autor decidiu vincular-se a uma colaboração com a ré.

Entretanto, confrontado com o texto que visava formalizar o vínculo entre autor e ré, aquele reparou em divergências entre o texto e o que a ré lhe tinha comunicado.

Equacionando, porém, todas as despesas em que já havia incorrido, concluiu não ter outra saída que não assinar o documento. É que a ré apenas apresentou o texto quando sabia que o autor tinha chegado a um ponto que já não podia recusar a subscrição do documento.

Iniciado o trabalho, verificou que a rota, que a ré lhe atribuiu, dava prejuízo. Além disso, a ré obrigava-o a comprar quantidade de produtos superior à que ele solicitava, para além de estabelecer relações directas com os clientes que faziam parte da rota atribuída ao autor.

Acrescenta que a ré, em Janeiro de 2004, comunicou a cessação do reembolso de 5% do valor dos produtos devolvidos pelos clientes e que, nessa mesma altura, começou a exigir-lhe o pagamento do rappel que aquela concedeu a clientes a crédito, até que, em Novembro de 2004, o autor foi impedido de carregar no seu veículo produtos da ré, tendo tais condutas da ré causado danos ao autor.

A ré contestou, impugnando os factos articulados pelo autor e, em reconvenção, pediu que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 2.115,85, acrescida de juros desde o dia 13/12/2005, alegando que, a solicitação do autor, lhe entregou produtos do seu comércio pelo preço global de € 4.874,02, que aquele não satisfez.

O autor replicou, invocando a excepção da compensação. A ré treplicou.

Foi realizada a audiência preliminar, tendo-se procedido ao saneamento do processo e fixado os factos assentes e controvertidos.

Realizada a audiência de julgamento, foi decidida a matéria de facto e proferida a sentença, tendo a acção sido julgada improcedente e parcialmente procedente a reconvenção e, consequentemente, foi absolvida a ré dos pedidos contra si deduzidos e condenado o autor a pagar à ré a quantia de € 1.137,12, acrescida de juros desde o dia 4/01/2005 à taxa supletiva dos juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais.

Inconformado, recorreu o autor, formulando as seguintes conclusões: 1ª - O presente recurso visa, na sua primeira parte, a alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo.

  1. - Na decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal respondeu negativamente à matéria dos quesitos 48º a 52º.

  2. - A conjugação dos depoimentos das testemunhas [AD], [AT] e [SM] implicam resposta positiva à matéria dos aludidos quesitos.

  3. - Resulta dos factos provados em sede de instrução que existiu uma divergência entre as condições contratuais inicialmente propostas pela recorrida e aquelas que constavam do contrato celebrado com o recorrente e que foram aplicadas na execução do contrato.

  4. - Tal divergência foi consumada através de dolo da recorrida, que motivou a assinatura do contrato pelo recorrente sob coacção moral.

  5. - O Tribunal a quo não sancionou esta conduta com o vício previsto na lei - anulabilidade do contrato - pelo que violou os artigos 253º, 254º, n.º 1, 255º, n.º 1 e 256º, todos do CC.

  6. - O Tribunal a quo considerou não existir culpa na formação do contrato dos autos por o mesmo ser, na sua perspectiva, válido, o que consubstancia uma violação do artigo 227º, n.º 1 do CC.

  7. - Os rendimentos auferidos pelo recorrente no âmbito da sua relação com a recorrida foram inferiores à estimativa da recorrida e resultam da conjugação da prova documental e testemunhal produzida nos autos com factos instrumentais demonstrados nos mesmos.

  8. - O Tribunal a quo não atendeu a to9das as provas produzidas pelo recorrente a este respeito, nomeadamente aos documentos juntos pelo recorrente em 24/11/2006 como documentos 13, 14, 37, 38, 39, 68, 69, 70, 72, 80, 81, 82, 99, 100, 101, 102, 103, 123, 125 e 148, pelo que violou o artigo 515º do CPC.

  9. - Com excepção dos prejuízos resultantes da venda forçada do veículo automóvel e do empréstimo bancário, todos os danos sofridos pelo recorrente ficaram demonstrados nos autos, implicando uma obrigação de indemnização da recorrida perante o recorrente de € 38.973,62.

  10. - A anulação do contrato dos autos implica a procedência do pedido reconvencional.

  11. - Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão proferida em 1ª instância, por forma a que passem a dela constar respostas positivas aos quesitos 48º a 52º, revogando-se, consequentemente, a sentença recorrida e julgando-se a acção procedente.

    A ré contra - alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida.

    Cumpre decidir: 2.

    A sentença absolveu a recorrida de todos os pedidos formulados pelo recorrente e condenou este no pedido reconvencional deduzido por aquela.

    Pretende, por isso, o recorrente a revogação da sentença, de tal sorte que a ré seja condenada e o autor/reconvindo absolvido.

    Para tanto impugna a decisão da matéria de facto e questiona o mérito da sentença, sendo as questões a decidir as seguintes: 1ª - Se a matéria de facto vertida na resposta dada aos quesitos 48º a 52º deverá ser modificada; 2ª - Se a conduta da ré na fase preparatória do contrato consubstancia uma situação de culpa in contrahendo, culpa essa criada através de uma actuação dolosa, traduzida numa falsa perspectiva dos lucros das rotas que lhe seriam atribuídas pela ré, razão pela qual o autor teria assinado o documento n.º 8 (fls. 35 a 42), cujas disposições não correspondiam ao que lhe tinha sido comunicado pelos funcionários da ré.

  12. - Se a ré criou as condições necessárias para que o autor, quando confrontado com as disposições do texto contratual, não pudesse recusar a subscrição do documento, como não pôde, ou seja, se a ré, agindo de forma dolosa, criou uma situação de coacção moral que motivou a decisão do autor de subscrever o aludido documento.

  13. - Se a ré deve indemnizar o autor.

  14. - Se o contrato de distribuição que o autor celebrou com a ré deverá ser anulado, com fundamento em dolo da ré, que terá conduzido a uma situação de coacção moral sobre a vontade negocial do autor.

  15. - Se o pedido reconvencional deve ser julgado improcedente.

    1. O autor, ao propor a presente acção, pretendia que a ré fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização pelos danos, que esta culposamente lhe teria causado, ao não ter alegadamente procedido segundo os ditames da boa fé na formação do contrato de distribuição que autor e ré celebraram entre si.

      Porque a pretensão do autor, quanto aos alegados danos morais, não poderia ser satisfeita, desde logo, pela inexistência de tais danos, face à resposta negativa dada aos quesitos 48º a 52º, o apelante começa por manifestar a sua discordância quanto à decisão da matéria de facto, pretendendo a modificação da resposta dada a esses quesitos, censurando a valoração da provas feita pelo julgador a quo.

      Assim, a primeira questão a decidir consubstancia-se na reapreciação da matéria de facto, passando previamente por determinar se o recorrente deu cumprimento aos ónus que sobre ele impendiam.

      Nos termos do artigo 712º, nº1, alínea a), CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação, designadamente, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, CPC, a decisão com base neles proferida.

      E, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, no caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

      Os artigos 690º-A, 684º, n.º 3 e 690º, n.º 4, CPC, estabelecem os ónus que impendem sobre o impugnante, sob pena de rejeição do recurso.

      Sempre que se impugne a decisão relativa à matéria de facto, incumbe ao recorrente observar dois ónus: o da discriminação fáctica e probatória (artigo 690º-A) e o ónus conclusivo (artigos 684º, n.º 3 e 690º, n.º 4).

      Quanto ao primeiro, cabe-lhe obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, (i) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e (iii) indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no artigo 522º, quando tenham sido gravados.

      Quanto ao segundo, sendo certo que o tribunal ad quem só pode apreciar as questões que se mostrem vertidas nas conclusões, estando impedido de o fazer relativamente a quaisquer outras que nelas não sejam afloradas, ainda que versadas nas alegações propriamente ditas, logo se alcança que alguma lacuna conclusiva será suficiente para inviabilizar, sem mais, a sindicância deste Tribunal sobre a respectiva decisão.

      É que a discordância do recorrente sobre a decisão fáctica, susceptível...

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