Acórdão nº 8139/2008-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelISABEL SALGADO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

I - RELATÓRIO VipCare -Comércio e Serviços de Cosmética e Beleza, Ldª intentou acção declarativa de condenação, seguindo a forma de processo ordinário, contra Diva - Bella - Nutrição e Estética, Ldª, pedindo, em síntese, que seja declarada a inválida a resolução do contrato de franquia levada a cabo pela Ré, e assim, condenada a pagar-lhe a quantia de Euros 400.413,53, a título de indemnização por danos negativos, e ainda, no valor a quantificar em liquidação de sentença no tocante à indemnização devida por danos emergentes, alegadamente, e em súmula, por ter a Ré incumprido o contrato e procedido a alterações do mesmo sem a concordância da Autora, não lhe assistindo justa causa para a resolução operada.

A Ré contestou. Impugnou a falta de motivo para a sua declaração resolutória, porquanto, a Autora, ao invés do que afirma, anuiu nas alterações, como a taxa de actualização do plano de publicidade; em reconvenção, pede a condenação da Autora no pagamento da quantia total de Euros 42.611, 23 e respectivos juros de mora, correspondente aos valores de facturas vencidas e não pagas, constituindo, de resto, procedimento sistemático daquela ao longo da vigência do contrato, o que determinou a Ré a resolvê-lo, fundamentadamente, em 13/2/2006.

Na tréplica, a Autora impugna o pedido reconvencional, pedindo ainda que a Ré seja condenada como litigante de má-fé em indemnização a fixar pelo Tribunal.

Saneados os autos e seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, no final da qual foi fixada factualidade provada e não provada sem reclamação. A final proferiu-se sentença, julgando a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, e em consequência, absolveu-se a Ré do pedido, e, condenou-se a Autora a pagar àquela a quantia total de Euros 38.366,98 e juros de mora, respectivamente, a partir do vencimento de cada uma das facturas em questão. Inconformada, a Autora interpôs recurso da sentença, adequadamente recebido como de apelação e efeito devolutivo.

Culminou as suas alegações com as conclusões que seguem: I) A recorrente não aceitou qualquer alteração à taxa de publicidade para o ano de 2006.

II) Na realidade, o tribunal a quo esqueceu que o que estava contratado era que "A actualização dos valores relativos aos Royalties e à Taxa de Publicidade fixados para o presente contrato será realizada por indexação à taxa de inflação anual anunciada pelo Instituto Nacional de Estatística, acrescida da sobretaxa de 2,5%.

III) Em consequência, esqueceu que contratos devem ser cumpridos pontualmente, ou seja, não apenas no sentido restrito de cumprido a tempo, mas no sentido amplo de que o cumprimento deve coincidir, ponto por ponto, em toda linha, com o estipulado no contrato, e que quaisquer modificações só são admissiveis por mútuo consentimento. Para tal, «torna-se indispensável que o acordo de vontades, resultante do encontro da proposta de uma das partes com a aceitação da outra, cubra todos os pontos da negociação», (art. 232º do CC).

IV) A aceitação deve assumir duas características fundamentais: traduzir uma concordância total e inequívoca, ou seja, a aceitação da proposta com "...aditamentos, limitações ou outras modificações... implica a sua rejeição" (artigo 233º). De facto, a aceitação deve traduzir uma total aquiescência quanto à proposta. Uma "aceitação" parcial diz-nos: que não há acordo sobre toda a matéria da proposta e que, no remanescente, nada de concreto é contraposto.

  1. Ao decidir que a recorrente deu a sua aceitação à alteração para a taxa de publicidade, o tribunal a quo não interpretou correctamente a factualidade provada e violou o disposto no artigo 232º e 233º do Código Civil.

    VI) Entendeu o tribunal a quo que «atendendo ao teor do e-mail que foi enviado pela A. à R. no dia 03.11.2005 (III.8), em que declara que "(...) concordei com o valor de € 1.000,00 para a taxa de publicidade, se tal fosse da concordância de todos os franchisados e mantenho o acordo", qualquer declaratário minimamente diligente interpretaria que a A. dava o seu acordo à alteração da contribuição da taxa de publicidade».

    VII) Ao entender desta forma, o referido tribunal não considerou a factualidade provada e violou o disposto no artigo 236º do Código Civil. Isto por duas ordens de razões: a) só considera relevante uma parte do texto do e-mail e aquela declaração tem de ser integrada no seu conjunto. Note-se que a recorrente, para além de outras exigências, condicionava a sua aceitação à aceitação dos demais franchisados. Ora, em 03/11/2005, nem a recorrida sabia se todos os franchisados dariam o seu acordo; b) a recorrida conhecia a vontade real da recorrente. Tal conclusão resulta da própria factualidade provada. Vejam-se as alíneas I), H), V) e Y) dos Factos Assentes.

    VIII) Conhecendo a recorrida a vontade real da recorrente é ela que prevalecerá, em conformidade com o ditame da velha máxima falsa demonstratio non nocet, consagrada no n.º 2 do artigo 236º do Código Civil.

    IX) Ao decidir como decidiu, isto é, ao afirmar que «qualquer declaratário minimamente diligente interpretaria que a A. dava o seu acordo à alteração da contribuição da taxa de publicidade», o tribunal a quo violou o disposto no n.º 2 do artigo 236º do Código Civil.

  2. Ainda que se entenda, como o tribunal a quo entendeu, que a recorrente aceitou a modificação contratual respeitante à contribuição para a taxa de publicidade, o que só por mera hipótese académica se concebe, a conduta da recorrente não será de tal modo grave que permita a resolução do contrato.

    XI) Na realidade, o acervo de factos em que o tribunal a quo fundamenta a resolução (III. 8., 9., 16., 18., 19. e 21. da sentença) não permitem concluir que a conduta da recorrente seja de tal forma grave que justifique a inexigibilidade do contrato.

    XII) Assim, ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou o disposto no artigo 30º do DL nº 178/86, de 3 de Julho, aplicável por analogia aos contratos de distribuição.

    XIII) De facto, não basta um mero incumprimento. Exige-se um incumprimento de especial relevo, quer pela natureza da infracção em si e das suas circunstâncias, ou da perda de confiança que cria na contraparte, quer pela sua repetição, ou reiteração, em termos de não ser de exigir à outra parte a manutenção do vinculo contratual.

    XIV) O acervo de factos em que o tribunal a quo baseia a resolução do contrato não traduz uma conduta tão grave e reiterada que, só por si, torne inexigível a subsistência do vínculo contratual, tanto mais que não resulta ter originado quebras de vendas ou qualquer outra situação de menor eficácia comercial, justificativa de quebra de laços de confiança.

    XV) Acresce que a recorrente pagou a taxa de publicidade tal como ela resultava do contrato, os pagamentos em atraso não foram de grande montante nem acumulados ao longo de meses, o que não permite concluir pela insustentabilidade da situação. Não se vislumbra, em consequência, justa causa de resolução.

    XVI) As relações comerciais entre as partes decorreram no quadro de um contrato duradouro, no âmbito do qual foram feitos investimentos humanos e materiais consideráveis que, no âmbito da boa fé, era exigível às partes uma margem de tolerância em ordem à continuidade do contrato.

    XVII) Não se verificou qualquer fundamento de resolução do contrato por parte da recorrente. A resolução do contrato não foi validamente operada por parte da recorrida, porquanto não ocorreu qualquer incumprimento definitivo da obrigação a que a recorrente estava adstrita (art. 432º n.º 1 C.C.).

    O comportamento da recorrida é censurável, na medida em que, abruptamente, resolveu o contrato, como se disse, sem qualquer fundamento legítimo.

    XVIII) Face à declaração resolutória efectuada, a recorrida, sem qualquer fundamento, desencadeou o incumprimento definitivo, na modalidade de declaração inequívoca de não cumprir. Com efeito, ao declarar que põe termo ao contrato sem para tal estar legitimada com um fundamento legal ou contratual, a parte está a declarar que não pretende manter a vinculação ao contrato.

    XIX) Sendo a resolução levada a cabo pela recorrida ilícita, tem a recorrente direito a ser indemnizada pelo interesse contratual negativo, ou seja, pelos prejuízos que teve com o facto de ter celebrado o contrato, do prejuízo que a recorrente não teria sofrido se não tivesse celebrado o contrato com a recorrida. O interesse contratual negativo abrange quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes.

    XX) Das alíneas AF), AG), AH), AI), AJ), AK), AL), e AM) dos Factos Assentes, mostram-se provados os prejuízos que a recorrente teve com o facto de ter celebrado o contrato.

    XXI) Ao ter decidido que a recorrente não tem direito a exigir da recorrida a pretendida indemnização pelo interesse contratual negativo, por danos emergentes e lucros cessantes, o tribunal a quo violou as normas constantes dos artigos 798º, 799º, 562º, 563º e 564º, todos do Código Civil.

    XXII) Sendo ilícita a resolução operada pela recorrida, ou seja, não tendo esta o direito de operar a resolução por total falta de fundamento, não tem aquela direito a qualquer indemnização na medida em que inexistem os pressupostos da responsabilidade civil contratual.

    XXIII) Tendo o tribunal a quo condenado a recorrente a pagar à recorrida a quantia de € 37.126,73, violou o disposto nos artigos 799º, 562º, 563º e 564º, todos do Código Civil.

    XXIV) Não tendo a recorrente aceite qualquer alteração contratual e muito menos no que diz respeito à taxa de publicidade não pode a mesma ser condenada a pagar a quantias de € 1.210,00, relativa à taxa de publicidade de Janeiro de 2006 e € 1,210,00, relativa à taxa de publicidade de Fevereiro de 2006.

    XXV) Tendo o tribunal a quo condenado a recorrente naquelas quantias violou o disposto nos artigos 406º, 232º, 233º e 236º, n.º 2, todos do Código Civil.

    XXVI) Nestes termos e nos melhores de Direito, devem V. Exas. proferir acórdão em que revogue a decisão do...

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