Acórdão nº 9530/2008-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução09 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

I - ABÍLIO...., intentou contra CARLOS ...., a presente acção, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização no valor de € 25.000,00, por danos não patrimoniais.

Alegou que o R. lhe dirigiu ameaças e proferiu expressões de forma oral e escrita que ofenderam a sua honra e consideração pessoal e profissional, causando-lhe danos morais.

Contestou o R. negando a existência de ameaças e alegando que as expressões que dirigiu ao A. não tinham como objectivo atingir a sua honra e a consideração, mas apenas levá-lo a cumprir um contrato de contrato de arrendamento que com o mesmo celebrara. Invocou ainda o facto de estar afectado por doença mental crónica.

Em reconvenção, pediu a condenação do A. no pagamento de uma indemnização pelos danos que sofreu com a denúncia do arrendamento.

Replicou o A. e alegou a prescrição quanto ao direito de indemnização invocado pelo R.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente tanto a acção como a reconvenção.

Da sentença interpôs o A. recurso de apelação principal.

O R. apelou subordinadamente.

Concluiu o A. no recurso de apelação principal: (...) Houve contra-alegações.

Concluiu o R. no recurso subordinado: (...) Houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Matéria de facto: 1.

Quanto à impugnação da decisão da matéria de facto: 1.1.

O A. impugna a decisão da matéria de facto em relação às respostas que foram dadas aos pontos 1º a 5º, 7º a 14º e 24º da base instrutória.

O julgamento foi gravado, estando acessíveis todos os elementos de prova, sendo, por isso, viável a sua reapreciação.

1.2.

Concretamente quanto aos pontos 1º e 2º: -Perguntava-se neles: - Em 26-5-99, entre as 11e as 12 h., o R. obteve ligação telefónica para o gabinete do A. no local de trabalho deste, no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, e dirigiu-lhe as seguintes palavras: "vou aí à Boa Hora com uma faca e abro-lhe a barriga de alto a baixo"? (1º); - O R. expressou-lhe em voz alta e em tom ameaçador, reforçando a sua afirmação com as seguintes palavras "você não sabe do eu sou capaz"? (2º).

O tribunal a quo respondeu negativamente ao ponto 2º e de forma restritiva ao ponto 1º, considerando provado apenas que "em 26-5-99, entre as 10 e as 12 h, o R. obteve ligação telefónica para o gabinete do A., no local de trabalho deste, no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa".

Na fundamentação da decisão, considerou-se que o facto de o colega do A., Dr. Francisco..., estar presente no momento em que o A. recebeu a chamada telefónica era insuficiente para se concluir que o R. proferira as aludidas expressões. Quanto aos depoimentos do filho do A., Miguel...., da irmã e da ex-funcionária judicial também foram desvalorizados tendo em conta que os seus conhecimentos teriam resultado apenas do que o próprio A. lhes transmitira.

Vejamos: O R., em discordância com a actuação do A., ao emitir uma declaração de denúncia do contrato de arrendamento que entre ambos fora celebrado, telefonou para o seu local de trabalho, no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa. Como é natural, tal conversa não foi escutada por outras pessoas, nem seria de esperar que tal acontecesse, a não ser que o A. tivesse colocado o telefone em alta-voz, o que não ocorreu. Também não ocorreu a gravação da conversa.

Mas estas circunstâncias não determinam necessariamente a impossibilidade de o Tribunal que julga os factos apurar, segundo padrões de razoabilidade, o teor da conversa, ao menos nos seus aspectos essenciais. A função dos Tribunais não se circunscreve à ponderação de provas directas, mas também à valoração de provas indirectas, circunstanciais ou indiciárias. Nessa tarefa, impõe-se que o nível de exigência seja adaptado às concretas circunstâncias, ponderando designadamente a maior ou menor dificuldade de demonstração dos factos.

Ora, no caso concreto, relativamente às expressões sob controvérsia, os meios de prova produzidos permitem algo mais do que aquilo que o tribunal a quo concluiu. A decisão revela uma inadequada desvalorização de provas indirectas que foram produzidas. Estando provado, até por confissão do R., que contactou telefonicamente com o A., no seu local de trabalho, as referidas provas circunstanciais devem ser conjugadas ainda com o teor das cartas que posteriormente lhe remeteu, numa toada que é compatível com as referidas expressões.

A discordância principal incide sobre a valoração atribuída ao depoimento do Sr. Dr. Francisco.... Este respondeu por escrito (como a lei lhe permite, tendo em conta a sua qualidade de Juiz Desembargador), nos termos que constam de fls. 496 a 498. No seu depoimento revelou que estava presente quando o A. recebeu a chamada telefónica, tendo-se apercebido da imediata reacção do A. que nessa ocasião o colocou a par do que se passara. Não lhe foram pedidos quaisquer esclarecimentos complementares.

É, na sua substância, um depoimento directo. Ainda que não tenha escutado directamente as expressões do R., as circunstâncias referidas praticamente equivalem a essa audição. As declarações sobre os efeitos produzidos na pessoa do A. que na ocasião verificou e sobre aqueles de que posteriormente se apercebeu reforçam o conhecimento. Tal depoimento é coerente com os depoimentos, ainda que menos imediatos, do filho do A., da sua irmã e da ex-funcionária judicial, mas que nem por isso podem ser desconsiderados com base em argumentos como os que foram tecidos pelo Tribunal a quo.

Existe ainda um outro elemento objectivo, vindo agora do próprio R., e que se mostra coerente com a versão geral dos factos apresentada pelo A. Trata-se da terceira carta que o R. lhe dirigiu, em 30-9-99 (junta a fls. 94 e segs.), depois de o A. ter apresentado participação criminal, nos termos que constam de fls. 191 e segs., em 27-7-99.

Em tal missiva, num tom totalmente diverso do que caracterizava as anteriores, o R. admite o estado de cólera em que ficou quando recebeu a carta que o A. lhe enviara a denunciar o contrato de arrendamento, referindo, além do mais que, "fiquei absolutamente fora de mim ..." (fls. 97), em estado de "grande pessimismo e revolta que maiores não poderiam ser. Eu só sei que ia rebentando de cólera e não me recordo a rigor das palavras de desespero e indignação que terão saído da minha boca neste momento de todo inesperado, tão aflitivo e revoltante ..." (fls. 98). Continuando, disse que, "para aumentar a minha angústia, a minha revolta e animosidade que eu neste momento tinha ..." (fls. 98). Enfim, esclareceu ainda que, pelo facto de o A. não querer continuar a conversa telefónica, "apeteceu-me num rompante deslocar-me imediatamente ao Tribunal da Boa Hora avistar-me com ele, cheguei a levantar-me da cadeira impulsionado num vagalhão de nervos, mas consegui raciocinar e acalmar-me com maior lentidão ... possuído pela ideia que me ocorrera de que neste país não se pode fazer justiça pelas próprias mãos e que enveredar pela violência é pior a emenda que o soneto" (fls. 98). De resto, ora refere que não se recorda das expressões que proferiu, ora nega que, pela sua personalidade, as tenha proferido. Ainda assim, sempre concluiu que, se algo disse, teria sido reflexo do sentimento de revolta que tinha perante a atitude do A. ao denunciar o arrendamento (fls. 99).

Ou seja, ainda que nesta carta o R. não reconheça inequivocamente que tenha proferido as concretas expressões alegadas pelo A., o seu teor não contraria o que as demais testemunhas depuseram, parecendo antes penitenciar-se pela sua atitude e procurando justificá-la com os problemas psiquiátricos de que sofria. Tudo sinais do que verdadeiramente terá existido, de acordo com os depoimentos já referidos.

Porque a reapreciação da prova revela erro de julgamento, esta Relação concluir pelo seguinte: Pontos 1º e 2º: Provado que em 26-5-99, entre as 10 h e as 12 h., o R. obteve ligação telefónica para o gabinete do A. no local de trabalho deste, no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, e dirigiu-lhe as seguintes palavras, em tom ameaçador: "vou aí à Boa Hora com uma faca e abro-lhe a barriga de alto a baixo" e "você não sabe do eu sou capaz".

1.3.

Quanto aos pontos 3º, 4º e 5º: Perguntava-se: - Com tal comportamento o R. quis provocar - provocou - no A. receio de pudesse concretizar a ameaça? (3º); O A. viveu durante semanas receando pela sua integridade física? (4º) - E deslocando-se com sobressalto de poder ser atacado pelo R. que de forma tão veemente se expressara? (5º).

Agora trata-se fundamentalmente de reapreciar os mesmos depoimentos na medida em que deles extravase a percepção dos efeitos sequenciais à referida conversa telefónica, valorizando, em moldes semelhantes, tanto o depoimento do colega do A., como os do seu filho, de sua irmã e da ex-funcionária judicial.

A leitura do referido depoimento escrito e a audição dos demais depoimentos gravados confirmam a sua seriedade, com referências múltiplas aos efeitos que o telefonema causou no A. As testemunhas foram unânimes em afirmar que se aperceberam do receio que o A. sentiu de que pudessem concretizar-se ameaças que o R. proferiu ao telefone. Qualquer delas revelou a percepção da intranquilidade e das perturbações causadas, as quais não advinham tanto dos problemas de natureza pessoal, relacionados com a ex-mulher do A., mas das ameaças que recebeu e, como se verá mais adiante, do teor das cartas que o R. lhe enviara, afectando, de forma grave, a sua honra e consideração pessoal e profissional.

Nestes termos, esta Relação responde aos pontos 3º, 4º e 5º da seguinte forma: Provado que, com a actuação referida nas respostas aos pontos 1º e 2º, o R. quis provocar no A. o receio de que pudesse concretizar-se o que ameaçara fazer, levando a que posteriormente o A. tenha receado pela sua integridade física, andando sobressaltado com o receio de ser atacado.

1.4.

Quanto aos pontos 7º a 14º: Neles se perguntava o seguinte: - As mencionadas expressões escritas pelo R. ofenderam gravemente a honra e consideração pessoal e profissional do A.? (7º); - Bem...

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