Acórdão nº 6533/2008-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução02 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, na Secção Cível da Relação de LISBOA: C, S.A., inconformada com a decisão que, na acção declarativa de condenação contra ela intentada, indeferiu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros, S.A., que a ora Agravante havia requerido em sede de contestação, interpôs recurso da mesma, que foi recebido como de agravo, para subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (arts. 733º, 739º, nº 1, al. a) e 740º, nºs 1 e 2, "a contrario", todos do Código de Processo Civil), tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões: "1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho de fls. 1012 e ss., pelo qual se indeferiu a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros, S.A. que a ora Agravante havia requerido em sede de contestação.

  1. A douta decisão ora em crise estriba o seu sentido no entendimento de que "não se podendo qualificar o contrato de seguro invocado pela R. de contrato a favor de terceiro, não tem a seguradora direito a intervir na causa como associada da R. (art. 325º do CPC), mas apenas como auxiliar da defesa (art. 330º do CPC)." 3. Conclui ainda a mesma decisão que "uma vez que a R. requereu a intervenção principal e não a intervenção acessória, não admito o chamamento." 4. Na sua contestação, a Agravante admitindo, por mera cautela de patrocínio e sem conceder quanto ao que em sede de impugnação da pretensão dos Autores havia alegado, vir a ser considerada como total ou parcialmente responsável pelo ressarcimento dos danos invocados, requereu a intervenção principal da Companhia de Seguros, S.A..

  2. Tal chamamento, feito nos termos do 325.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), justificava-se pelo facto de nos encontrarmos no âmbito de uma acção de responsabilidade civil, em que a C é R., tendo transferido por contrato de seguro a sua responsabilidade civil para a Chamada, que, assim, poderia vir a responder por ela, até ao limite do capital seguro, caso a sua responsabilidade venha a ser apurada.

  3. O incidente de intervenção principal permite a modificação subjectiva da instância, por iniciativa de qualquer das partes e é admissível quando qualquer das partes pretenda fazer intervir na causa um terceiro como seu associado ou como associado da parte contrária, isto é, quando qualquer das partes deseje chamar um litisconsorte voluntário ou necessário (art. 325º, nº 1 CPC) e quando o autor pretenda provocar a intervenção de um réu subsidiário contra quem queira dirigir o pedido (art. 325º, nº 2 e 31º-B CPC).

  4. O n.º 1 do art. 329º do CPC, sob a epígrafe especialidades da intervenção passiva suscitada pelo réu, estabelece ainda que o "chamamento de condevedores ou do principal devedor, suscitado pelo réu que nisso mostre interesse atendível, é deduzido obrigatoriamente na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, no prazo em que esta deveria ser apresentada". O n.º 2 do citado artigo refere que "tratando-se de obrigação solidária e sendo a prestação exigida na totalidade a um dos condevedores, pode o chamamento ter ainda como fim a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir assistir".

  5. Ora, foi justamente com este fito que a aqui Agravante invocou factos que fundamentam o interesse da seguradora em intervir na demanda ao seu lado, na qualidade de Ré. Alegou, designadamente, ter transferido para a referida seguradora a sua responsabilidade civil, que, nessa medida, deverá responder em seu lugar, caso a mesma lhe venha a ser imputada. Ou seja, que a Chamada tem uma posição jurídica igual à que os Autores atribuem à Ré/Agravante na acção, sendo também ela sujeito passivo na relação material controvertida.

  6. Na verdade, e ao contrário do que se considerou na decisão recorrida, o contrato de seguro de responsabilidade civil é um contrato a favor de terceiro, de acordo com a definição legal facultada pelo art. 443º do Código Civil, sendo exemplo paradigmático de um contrato em que a prestação, pela própria natureza daquele, só pode ser prestada a terceiro justamente o do contrato de responsabilidade civil.

  7. De facto, a seguradora, por força do contrato, fica obrigada para com o lesado a satisfazer a indemnização devida pelo segurado, ficando assim aquele com o direito de demandar directamente a seguradora, ou o segurado, ou ambos em litisconsórcio voluntário (cfr. Ac. STJ, de 30.03.1989, BMJ, Lisboa, 385, p.563 e Ac. RL de 11.07.2006, P. 7576/2206-7, disponível em www.dgsi.pt).

  8. Tem sido este, de resto, o entendimento da nossa mais avisada jurisprudência, que considera que "perante o lesado, segurado e seguradora são solidariamente responsáveis (art. 497º, CC), pelo que o segurado não fica desonerado perante o terceiro-lesado por virtude da existência de um contrato de seguro. Na verdade, pelo contrato de seguro apenas se transferiu o pagamento do quantum indemnizatório para a seguradora, mas não a responsabilidade jurídica pelo evento (cfr. Ac. STA de 1/2/2000, AD, 466º-1231)" - Ac. RL de 11.07.2006, P. 7576/2206-7, disponível em www.dgsi.pt.

  9. Perante a circunstância de uma pluralidade de devedores, o que caracteriza o normativo do art. 329º do CPC é a possibilidade de o devedor demandado "repercutir sobre o chamado, no todo ou em parte, o sacrifício patrimonial resultante do cumprimento da obrigação que lhe é exigida. Daí que ao objectivo normalmente prosseguido com a intervenção litisconsorcial provocada passiva - operar uma defesa conjunta no confronto do credor, opondo-lhe os meios de defesa que forem pertinentes - acresça o interesse do réu em acautelar eventual direito de regresso." (Ac. RL de 07.11.2006, P. 7576/2206-7, disponível em www.dgsi.pt).

  10. Não podem pois restar dúvidas do interesse da seguradora, in casu, da Companhia de Seguros, S.A., de se associar à ora Agravante na defesa da acção que contra esta foi instaurada, subsumindo-se os factos invocados na referida moldura normativa e sendo, por isso, perfeitamente fundamentada e admissível a intervenção principal da Chamada.

  11. Sem prescindir de tudo quanto anteriormente se afirma sobre a bondade da figura por que optou a Agravante ao requerer o chamamento da seguradora como intervenção principal, importa ainda atentar na possibilidade ou dever do Tribunal de, discordando com a qualificação jurídica que a parte faz dos factos que invoca, oficiosamente a corrigir.

  12. É firme convicção da ora Agravante que, em face dos factos por esta alegados, deveria o Meritíssimo Juiz a quo ter admitido o chamamento da seguradora à luz do normativo legal que entendesse mais adequado, já que não se encontra vinculado à configuração de Direito que aquela fez no seu requerimento.

  13. Na verdade, se os factos alegados pelo réu o permitirem, o tribunal, ao abrigo do disposto nos arts. 264º, 265º-A e 664º do CPC, deve qualificar o incidente como de intervenção acessória provocada, apesar de o réu ter qualificado indevidamente o incidente como de intervenção principal. (Ac. RP de 29.01.2008, P. 3574/07 - 2ª secção, disponível em www.dgsi.pt).

  14. Assim, a qualificação do incidente de intervenção provocada como acessória podia e devia ter sido efectuada por parte do Tribunal ao abrigo dos referidos preceitos, não servindo de impedimento a tal o facto de no requerimento formulado pela Ré esta o ter apelidado, erradamente na óptica do Tribunal, de intervenção principal.

  15. O Meritíssimo Juiz ao não entender como fundamentada a intervenção principal, deveria, uma vez que não está adstrito à qualificação feita pelas partes, ter, desde logo, aceite a intervenção como acessória.

  16. Para a mesma solução apontam ainda, não poderá deixar de se fazer notar, os princípios da economia e celeridade processuais, princípios básicos ordenadores do nosso direito adjectivo, sendo dever do juiz providenciar pelo andamento regular e célere do processo, "sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes" (art. 265º, nº 1 do CPC).

  17. O princípio da adequação formal, determinando a prática oficiosa dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações, "quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa" (art. 265º-A, do CPC), encontra aplicação, designadamente, na hipótese de modificação subjectiva da instância decorrente de intervenção acessória.

  18. Por último, há que trazer à colação, o princípio da cooperação, previsto no art. 266º, nº 1 do CPC, que tem por finalidade a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio, visando, por um lado, o apuramento da verdade sobre a matéria de facto e, com base nela, a obtenção da adequada decisão de direito; e, por outro o da cooperação em sentido formal, com vista à obtenção, sem dilações inúteis, das condições para que essa decisão seja proferida no menor período de tempo compatível com as exigências do processo ." (Ac. RL 22.04.2004, P. 745/2004-6, disponível em www.dgsi.pt).

  19. Considerando pois que, no caso que nos prende a atenção, se poderia ter aproveitado o impulso processual da parte, ou seja a dedução do requerimento de intervenção principal provocada, impor-se-ia ao Tribunal a sua convolação oficiosa como incidente de intervenção acessória, uma vez que, na perspectiva do Meritíssimo Juiz a quo, seria este o modo próprio de Chamamento.

  20. Tal convolação, imposta pelos mais elementares princípios do processo civil, sempre redundaria na admissão do incidente e na consequente observância da ritologia estabelecida no art. 332º do CPC, procedendo-se, nomeadamente, à subsequente citação da...

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